No alvo das críticas

'A Microsoft não é o desastre secular que se pinta'

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22 de fevereiro de 2002, 16h36

MICROSOFT, MENTIRAS E SOFTWARE LIVRE.

O Windows é a pior coisa já criada para o PC. O Word não funciona direito. O Internet Explorer não presta. Bill Gates quer dominar o mundo e construir a maior mansão do planeta, mantendo a raça humana como jardineiros.

Quantas vezes já não se ouviu uma das frases acima, sempre acompanhadas de gargalhadas cúmplices e a sensação de pertencer ao “grupo certo”?.

Empresas como Sun e Novell pautam quase todo um esquema publicitário em detrair a concorrente Microsoft e seus produtos. Outras como AOL e Oracle criam o lançamento contábil “receitas auferidas em processos contra a Microsoft”. Webmasters tentam alavancar a audiência de seus sites colocando jogos tipo “atire o ovo no Bill”. Articulistas garantem os trabalhos de meses e várias outras empresas procuram justificar suas falhas mercadológicas culpando a Microsoft.

Mas o que fez esta empresa para ser tão perseguida? Será mesmo que uma empresa consegue ser tão bem sucedida e ser ao mesmo tempo um total desastre? A personificação do Mal? Vejamos alguns argumentos comumente usados contra a empresa e porque eles são falhos.

“A Microsoft criou um sistema (MS-DOS) que limitou o computador a uma memória máxima de 640KB, forçando os programadores e fabricantes a adotar malabarismos de forma a poder ter acesso a mais memória. Tudo isso para não ter de mexer num sistema operacional ultrapassado e assim lucrar mais”.

Um pouco de história. O primeiro PC, inventado pela IBM e lançado no mercado em 1981, tinha um drive de disco de 5 1/4″ e 64KB de memória RAM. Até meados da década de 90, memória era um artigo de luxo e sempre economizada ao máximo. Para equipar seu PC, a IBM procurou a Digital Research, fabricante do sistema DR-DOS. O encontro foi patrocinado, a pedido da IBM, pela Microsoft, que já licenciava o DR-DOS para fins específicos. O acordo falhou e a IBM voltou-se para a Microsoft, que adquiriu um sistema de uma empresa de Seattle e usou-o como base para criar o MS-DOS.

A limitação de endereçamento de até 640KB de memória é real e faz parte do projeto do PC. De fato, esta característica do projeto existe até hoje, e em todo e qualquer PC, tenha ele 64KB ou 640MB de memória RAM. Prestando atenção no processo de boot de algumas máquinas, logo no início aparece uma tabela com detalhes do computador como CPU, discos rígidos, memória instalada e etc. Consta lá: memória principal, 640KB! Todo o resto da memória está listado em “memória estendida”.

Quando os PC’s começaram a ser equipados com mais de 640KB de RAM, houve que se criar mecanismos para acrescentar e acessar essa memória extra, sem no entanto perder a compatibilidade com o projeto original e também os programas já existentes. Criou-se então a memória estendida, e sua disponibilização foi entregue a programas específicos, como o excelente QEMM da Quarterdeck e o EMM386, da Microsoft e integrante do sistema.

Os programas ainda tinham de ser executados no espaço de 640KB, entretanto. Este espaço ainda deveria conter partes do sistema operacional para que o computador funcionasse. Permitir que a maior quantidade possível de memória ficasse livre no espaço de 640KB consistia em uma arte naquela época, e dependia de uma sintonia delicada e fina (e manual) do QEMM ou EMM386.

A partir do MS-DOS 5 e do advento do Windows 3.1, essa sintonia passou a ser cada vez mais automatizada, tornando-se transparente para o usuário. Estes sistemas, portanto, foram responsáveis pela eliminação da barreira dos 640KB, e não por sua criação.

Não obstante, a limitação de memória RAM endereçável máxima existe. Segundo a própria Microsoft no artigo Q311871 de seu Knowledge Base, o Windows 98 e Windows Me não suportam mais que 1GB de RAM no computador, e talvez nem 1GB funcione a contento.

Há três ou quatro anos, quando estes sistemas estavam sendo lançados, 1GB de RAM para um computador doméstico ou desktop (o objetivo desses sistemas) era uma situação praticamente inexistente e não cogitável. Mas em 2002 é perfeitamente possível e é no mínimo frustrante aprender que um sistema operacional recente tem um limite de memória tão pequeno, o que tornará este sistema inoperante em poucos anos. O kernel atual do Linux endereça até 4GB de RAM, que é o limite de memória instalável nas melhores placas-mãe do mercado.

“A barreira dos 640KB nunca teria existido se a Microsoft tivesse criado os mecanismos de gerenciamento mais cedo e mais eficientemente. Mas o próprio Bill Gates não achava necessário. Ele até comentaria que ‘640KB são mais do que suficientes para qualquer usuário'”.

A barreira talvez jamais existisse se a IBM tivesse projetado o PC de outra forma. Ou se não o tivesse projetado, o mundo talvez hoje fosse dominado por Commodore’s ou Apple’s. Naquela época, os únicos sistemas que previam gerenciamento de grandes quantidades de memória eram sistemas profissionais como os caríssimos UNIX e os proprietários para mainframe.


O início da época dos PC é cheia de previsões desastradas ou opiniões humildes demais. Se a frase acima não foi dita por Bill Gates, certamente outro grande nome da tecnologia da época a teria proferido. Também é famosa a frase “há espaço no mundo para talvez no máximo 5 PC’s”, dita por um executivo da IBM.

O próprio Joseph Sarubbi, um engenheiro da IBM que fez parte do time que criou o IBM XT, o primeiro computador desktop a ter um disco rígido embutido, foi criticado na época por analistas que consideraram o disco rígido de 10MB um “exagero”. Hoje, um simples antivírus pode requerer 50MB de espaço. Não obstante, é verdade que existiu e ainda existe uma falta de sincronia entre o que quer o consumidor e o que a indústria quer oferecer. Segundo opinião de líderes de grandes empresas, essa sincronia nunca existirá e talvez nunca deva existir, pois um dos objetivos da indústria é justamente criar necessidades e demanda e não simplesmente correr atrás delas. Éramos felizes com lâminas de barbear, e então surgiram barbeadores de duas lâminas.

E quando estávamos muito felizes com tchans e tchuns, vieram barbeadores de três lâminas. Entretanto, por mais que queiram os consumidores, a indústria não quer oferecer tocadores de DVD que sejam capazes de tocar qualquer DVD comprado em qualquer lugar do mundo, ao invés da horrenda limitação de “áreas geográficas”.

“O desenvolvimento dos produtos Microsoft sempre foi lento, evitando incorporar inovações que outros fabricantes adotavam, como forma de lucrar mais com produtos ultrapassados, graças ao seu poder de monopólio”.

A Microsoft, como quase toda empresa de tecnologia, começou praticamente numa garagem (no caso dela, num dormitório de faculdade). Para chegar aonde chegou, ela logicamente teve de brigar por seu espaço contra várias empresas concorrentes. Na época do MS-DOS e Windows 3.1, havia no mercado uma série de opções de sistemas operacionais. Havia o DR-DOS da Digital Research, o OS/2 da IBM, o Netware da Novell e também o Linux e outros sistemas baseados no UNIX.

O Netware desfrutava de uma fatia de mercado de mais de 70% em sistemas operacionais de rede, e o OS/2 era reputado como estável, robusto e mais compacto que o Windows 3.1, além de mais barato. E havia também a Apple com seus computadores com janelas coloridas, já equipados com mouse e fáceis de usar. Seria tolice pensar que uma empresa superaria estes concorrentes se realmente não tivesse um pacote melhor de produto. A Microsoft tinha tamanho semelhante à Novell e não se comparava ao gigante IBM, portanto poder econômico aqui também não contava.

Quanto às suítes de escritório, a Microsoft tinha ante de si o Wordperfect, que dominava quase 70% do mercado de editores de texto. Nunca o tendo oferecido de graça nem embutido no sistema operacional, como conseguiu a Microsoft desbancar o líder? Não teria sido porque o conjunto de facilidades da suíte Microsoft agradava mais que os outros?

“A Microsoft usou de seu poderio econômico para oferecer o browser Internet Explorer de graça e também de seu monopólio, embutindo-o no sistema operacional, derrubando o Netscape Navigator da liderança”.

O Netscape Navigator era oferecido gratuitamente desde sua criação. A estratégia de oferecer algum produto gratuitamente é usada extensivamente por várias empresas de grande porte. A Sun Microsystems comprou a suíte StarOffice do fabricante para continuar a oferecê-la gratuitamente, como forma de espetar a Microsoft. A AOL comprou o excelente ICQ da Mirabilis e continua a dá-lo de graça. A Qualcomm mantém uma versão free do Eudora, seu cliente de e-mail. A Microsoft apenas usou as regras do jogo ao distribuir seu Internet Explorer gratuitamente.

O Internet Explorer não passou a fazer parte do sistema operacional até os últimos releases do Windows 95. Mesmo porque, até a versão 2, o IE era muito ruim. A partir da versão 3.02 ele começou a competir em pé de igualdade com o líder Netscape Navigator. Na versão 4, o Navigator praticamente parou no tempo, deixando o caminho aberto para o IE.

A atitude de integrar o IE ao sistema operacional e, mais importante, não permitir que este fosse desinstalado, foi de fato uma jogada que a Microsoft só pôde fazer pois tinha também o controle sobre o sistema operacional. Mas não se pode aqui ser ingênuo. Qualquer corporação, no lugar da Microsoft, teria feito o mesmo. Nenhuma empresa no setor de tecnologia (aliás, em qualquer setor) pede licença às demais antes de tomar alguma atitude no mercado. Um setor que movimenta centenas de bilhões de dólares não é lugar para românticos.

Por outro lado, o recurso de acessar a Internet e web é hoje considerado default em praticamente qualquer programa e vários dispositivos, desde agendas até telefones celulares. Se a Microsoft não tivesse agregado a capacidade de acessar a Internet e web em seu sistema operacional, ela certamente seria duramente criticada por vender um sistema operacional e ainda obrigar o usuário a obter um browser extra para acessar a web. “Por que diabos eles não embutem logo essa função no Windows? Só para dar mais trabalho ao usuário…”


De qualquer maneira, o Windows não impede que se use outro browser qualquer para acesso à web. A comodidade de já vir no sistema operacional não pode ser usada como desculpa para o fato de que o IE tomou a liderança em browsers, se o IE fosse inferior aos concorrentes. Afinal, ninguém se contenta em usar o Wordpad embutido no Windows como processador de documentos só porque ele vem embutido…

“O Windows é um sistema proprietário, fechado. O Linux é um sistema de código aberto, portanto melhor.”

Um programa com código aberto pode ser modificado e adaptado por qualquer um hábil a fazê-lo. Um sistema proprietário e portanto fechado só pode ser alterado pelo proprietário. Isso, entretanto, só afeta o que pode e o que não pode ser feito com o código e pode implicar em vantagens ou desvantagens somente para casos específicos. O fato de ser fechado ou aberto não tem qualquer relação com qualidade. É o mesmo que dizer que vassoura de piaçaba é melhor que vassoura de pelos de plástico, só porque a vassoura de piaçaba é natural.

Se um usuário precisa de customização especial, um programa aberto lhe é vantajoso, pois a customização pode ser feita a baixo custo ou mesmo custo zero. Isso, logicamente, se o usuário puder ele mesmo fazer essa customização. Vide exemplo a seguir.

“O Linux, sendo um sistema aberto, pode ser customizado a gosto do usuário. E, também, os erros do sistema podem ser rapidamente consertados, pois qualquer programador pode abrir o código e confeccionar a correção. Os sistemas proprietários só podem ser consertados pelo fabricante”.

De fato, é muito fácil e rápido consertar bugs do Linux, sendo um sistema aberto, se você for uma das 5.000 pessoas no mundo capacitadas a fazer isso e com tempo disponível para tanto. Corrigir um defeito implica conhecer o funcionamento do sistema com profundidade, pesquisar e simular até isolar o erro, e então criar um código alternativo e testá-lo. Quem se habilita?

A licença do Linux permite que lhe sejam feitas alterações, desde que essas alterações também sejam disponibilizadas livremente. Isso criou as “distribuições”, que são pacotes Linux com alguma customização oferecidos por mais de 20 empresas. O que essa liberdade acabou criando foi um emaranhado de “sabores” de Linux que não são inteiramente compatíveis entre si. Um programa pode precisar de ajustes para funcionar numa ou noutra distribuição, ou da instalação de programas extras.

Esses ajustes quase sempre não são triviais, forçando o usuário ao périplo (muito usual entre linuxistas) pelos newsgroups e páginas de suporte para descobrir o que fazer. E a documentação disponível para o Linux está longe de ser palatável ao usuário comum. Mais importante, programas podem dar resultados diferentes dependendo da distribuição Linux usada, como por exemplo simuladores de redes, devido a diferenças de compilação e pacotes existentes na distribuição.

Para atacar esses problemas, a comunidade Linux criou o Linux Standard Base, um conjunto de especificações buscando um padrão a ser seguido pelas distribuições comerciais.

“O Linux funciona até em um 486, enquanto que o Windows exige máquinas mais poderosas a cada atualização”.

É preciso esclarecer que o Linux que rodaria num 486 seria uma instalação bastante pequena e simplificada do sistema, praticamente evitando o uso da interface gráfica e tolhida de uma série de recursos novos. Já que o Linux é um sistema baseado em linha de comando, isso é possível. Como o Windows é puramente gráfico desde a versão Win95, ele precisa de mais recursos para rodar. Isto não é privilégio do Windows.

Também o MacOS, a cada atualização, exige Macintoshes mais poderosos para rodá-lo, pois as novas versões agregam mais facilidades e mais recursos (o MacOS X, por exemplo, exige no mínimo um Power Mac G3 com 128MB de RAM). Os Macintoshes mais antigos são obrigados a funcionar com as versões antigas do MacOS, e esta é a única opção, pois para o Macintosh, só há um provedor de sistema operacional (a própria Apple).

Ainda assim, versões do Windows costumam rodar de maneira razoável em máquinas inferiores à configuração mínima recomendada. O Windows ME roda satisfatoriamente num Pentium 200 MMX com 64MB de RAM do mesmo jeito que uma instalação gráfica do Linux na mesma máquina.

O fato de que o Linux pode ser instalado em um 486 como também em um mainframe mostra, entretanto, sua grande flexibilidade de configuração.

“O Windows tem mais bugs (falhas) que o Linux. E as falhas do Linux são prontamente corrigidas pela comunidade de desenvolvedores, enquanto que a Microsoft tenta acobertar as falhas do Windows”.

Segundo levantamento da SecurityFocus, em 2001 as distribuições do Linux tiveram 96 falhas de segurança, contra 42 do Windows NT e 2000. Logicamente, os passionais lerão esses números segundo sua própria interpretação. Os amantes do pingüim dirão que simplesmente menos falhas foram achadas no Windows porque ele é proprietário, fechado, portanto não se pode pesquisá-lo.


Não mencionarão que o Windows conta com um batalhão de talvez algumas centenas de programadores altamente especializados e independentes que se dedicam quase que exclusivamente em achar falhas no sistema e falhas nas correções das falhas, para então publicar seus achados.

O exemplo mais famoso é talvez o respeitado consultor Georgi Guninski, citado diversas vezes nos comunicados de segurança da Microsoft como o responsável pelas descobertas. Achar e publicar falhas no Windows é uma excelente vitrine para esses programadores, portanto a posição de primeiro a publicar uma determinada falha é muito disputada. Essa busca ávida não é tão comum no Linux, pois a descoberta de uma falha não dá fama instantânea ao responsável, como no Windows.

Os pingüinistas também poderão dizer que o Linux nem sempre é instalado em sua totalidade, o que poderia subtrair algumas falhas, ou que falhas semelhantes em distribuições diferentes foram contadas mais de uma vez. A verdade é que se a contagem fosse inversa, ou seja, o Windows houvesse tido mais falhas de segurança que o Linux, os pingüins rapidamente corroborariam tal fato e rechaçariam qualquer tentativa de explicação por parte da Microsoft como “apenas mais uma manobra da monopolista para tentar esconder a verdade”.

Quanto a disponibilização das correções, aqui não há como negar: o tempo médio de publicação de uma correção de uma falha pela Microsoft não passa de um mês, semelhante ou melhor que o Linux. As mais graves são divulgadas dias ou semanas depois de descobertas. Todas as correções sempre foram gratuitas. A obtenção dessas correções é feita facilmente pelo WindowsUpdate, uma função do sistema operacional.

E, por mais que se afirme que a Microsoft tenta acobertas as falhas, o que se vê é justamente o contrário. Em Janeiro de 2002, Bill Gates divulgou em um memorando a chamada Trustworthy Computing Initiative, um amplo esforço interno para melhorar e intensificar a segurança de todos os produtos de software da empresa. O desenvolvimento de novos códigos foi interrompido, e o código já existente será inteiramente revisado em busca de falhas de segurança.

“O Linux é melhor para o uso das instituições públicas, por seu baixo custo”.

A adoção de qualquer sistema e/ou qualquer programa por uma instituição ou empresa, seja pública ou privada, deve ser pautada em uma análise de custo/benefício, onde deve entrar o preço, a compatibilidade, a facilidade de uso, a eficiência técnica e vários outros fatores. O custo do software ou sistema não é simplesmente seu preço de caixa, mas inclui uma possível consultoria para instalação e também treinamento. Estes dois itens são praticamente obrigatórios para o Linux, devido a sua complexidade de instalação e configuração. É comum que o conhecimento de Windows e pacotes Office sejam pré-requisitos para a admissão de funcionários, o que isenta as empresas de alocar recursos no treinamento desses sistemas. Isso não é verdade para o Linux.

A decisão de que sistema adotar deve ser sobretudo pragmática. O que não se pode fazer é pintar a adoção do software livre com tintas políticas e pretensamente ideológicas, como vêm fazendo o PT em sua cruzada para obrigar a utilização de software livre pelo governo, por força de lei. Aqui, o software aberto recebe a característica de liberdade, de desapego às “forças internacionais”, de revolucionário, enquanto que o software proprietário, capitaneado pela Microsoft, é a personificação do “Império Americano” e da “dominação pelos estrangeiros”.

“Todo software deveria ser livre, para o bem da humanidade, como o é a Ciência. O software proprietário priva o mundo de seus benefícios, do acesso a ele a custo baixo, do avanço tecnológico ou científico que pode representar”.

Afirmações com este cunho é o resultado do excesso de paixão ao se tratar de um assunto que deveria ser técnico, alçando-o ao status de uma religião.

A filosofia acima é defendida por Richard M. Stallman, o fundador do projeto GNU e um dos capitães do Free Software Movement. Stallman é tão apaixonado por esta crença que ele freqüentemente veste-se como o “Santo GNU” durante suas palestras, para conclamar seus ouvintes a seguir sua palavra, a do código aberto. Ao mesmo tempo, Stallman irrita-se profundamente porque o Linux é assim chamado. O Linux é a denominação correta apenas do kernel, ou coração do sistema operacional. Os programas de controle e de apoio e que complementam o kernel para torná-lo um sistema operacional completo foram produzidos pela GNU. Stallman assim insiste para que o sistema seja chamado de GNU/Linux (conforme explicitado logo no início da página do GNU). Aparentemente, o ressentimento em não ser reconhecido continuará para a turma do GNU.


Muito simples. A indústria do software é uma indústria multibilionária, que gera milhões de empregos e milhões em impostos. Ela é pautada no mesmo princípio capitalista que significou o sucesso, riqueza e desenvolvimento de tantas outras indústrias e nações: cria-se um produto, investe-se na sua construção e melhora, e vende-se o produto. A idéia de que este produto deva ser oferecido de graça só porque é software é pitoresca, mas tem vários defensores. A questão simples mas não é respondida é: se o software é oferecido de graça, quem paga para que seja desenvolvido?

Segundo The Register, os programadores de código aberto são em sua maioria empregados de empresas de tecnologia e gastam em média 10 horas por semana no trabalho voluntário para a comunidade de código aberto. Ou seja, suas hipotecas, seus carros novos e seus perus de Natal são pagos pelas empresas de tecnologia proprietária, que criam e vendem seus produtos, retendo a propriedade intelectual. E então estes programadores, já com suas contas pagas, dedicam 10 horas de seu tempo livre para o open source. Na verdade, indiretamente, o capital proprietário está bancando o software livre.

Invertamos então esta relação. Coloquemos o programador trabalhando full-time para o código aberto, e somente 10 horas semanais para que ele execute algum trabalho remunerado. Explique-se à família deste programador – se ele conseguir ter uma – que eles têm de morar em um trailer, não podem ter um televisor de 29 polegadas e que as férias na praia têm de ser férias na piscina do vizinho porque “o software tem de ser livre para o bem da humanidade”.

Não se pode simplesmente transformar todo software em livre e colocar abaixo toda uma cadeia econômica, forçando outros ramos econômicos a sustentá-la. Isto não é viável no longo prazo. Em adição, não se pode comparar a capacidade produtiva de um programador que trabalhe em tempo integral, apropriadamente remunerado, contra um que só pode fazê-lo no tempo em que não gasta em sua ocupação remunerada. São 40 a 50 horas semanais do programador integral contra 10 horas do programador de código aberto. Isso significará o engessamento da produção de software. (Não vamos aqui, agora, pelos céus, querer colocar a culpa no capitalismo.)

“Recentemente o juiz Kollar-Kotelly, da ação antitruste promovida por vários estados dos EUA contra a Microsoft, permitiu a estes estados o acesso ao código do Windows. Esta seria uma ação governamental que realmente melhoraria a segurança dos EUA e também do resto do mundo, já que o Windows roda vários sistemas críticos e significantes nas áreas financeira, de saúde e defesa”.

A afirmação acima é de autoria de Richard Forno, um duríssimo crítico da Microsoft, como se pode ver pelo teor de seus artigos em seu site. É o tipo de afirmação cunhada para ganhar aplausos, como discurso de políticos. No fundo, entretanto, trata-se de um pensamento simplesmente arrogante, oportunista e egoísta.

Arrogante porque presume que o desenrolar de um caso interno de antitruste deva ter projeção mundial, já que é importante para os EUA.

Oportunista porque se aproveita da paranóia sobre segurança que acometeu os EUA para tentar dar nova dimensão a uma ação antitruste. Usa do subterfúgio de que tudo deve ser vigiado e checado, após os atentados de 11 de setembro de 2001, para validar o argumento de que o código proprietário do Windows deve ser presenteado ao público.

E egoísta porque desrespeita o direito à propriedade intelectual de uma empresa. Se o direito a propriedade e privacidade é uma das bandeiras mais fortemente defendidas pelos EUA, essa bandeira não se aplica a Microsoft.

Pois então se a Microsoft deve abrir mão de seu direito à propriedade do código para o bem da “segurança mundial”, como quer fazer crer Forno, então que o façam a SAP com seu sistema de ERP R/3, usado por corporações gigantes em todo o mundo (e portanto sensíveis à segurança); o banco de dados Oracle, também usado por várias corporações multinacionais e organismos de defesa; as plantas técnicas e as especificações completas de engenharia de todos os veículos fabricados por todas as fábricas, já que obviamente os projetos devem ser checados contra segurança dos passageiros; e, afinal, por que não, todos os habitantes do planeta devem abrir mão de sua privacidade e sigilo bancário, para que assim seja mais fácil detectar os “terroristas” e foras-da-lei que vivem entre os honestos. Vejamos o que têm a dizer sobre isso as empresas acima e também o próprio Forno, sobre submeter seus extratos de cartão de crédito e sua declaração de imposto ao escrutínio público.

O que a maioria os parágrafos acima mostrou é que o que há é um mal-estar e má-vontade típicos contra esta empresa chamada Microsoft. Esta má-vontade é em grande parte devida ao efeito Davi-e-Golias, tão comum na cultura ocidental. O pequeno é nobre e heróico, enquanto que o grande é sempre malvado, inescrupuloso e deve ser aniquilado.

Várias empresas em seu curso de história, quando se viram na posição de Golias, foram vítimas do mesmo ódio. A IBM, que hoje divulga em campanhas na TV que está destinando um bilhão de dólares para suportar o Linux, foi durante vários anos considerada um gigante monopolista e que deveria ser regulada pelo governo. O que mudou? Outra empresa tomou-lhe o lugar na frente da flecha.

A má-vontade assume tons diferentes dependendo do país ou interlocutor. Nos EUA, o ódio à Microsoft nutre-se em seu gigantismo. Na Europa e no Brasil, é odiada porque é americana, e representa o “imperialismo”. Na China, por ser fruto de uma economia capitalista.

Odiar a Microsoft é in, assim como defender a Amazônia. Os odiadores da Microsoft gostam de fazer parte desta tribo, os anti-Microsoftianos, ou, em inglês, os Microsoft-bashers, e aproveitam cada oportunidade para detratar sua vilã. Construíram um dialeto pitoresco com paródias para desancar a empresa. Assim, a Microsoft é a Microshaft, Micosoft ou simplesmente M$. O Windows é o Windoze, Ruindows ou Winblows. O Word é o Weird e o Bill Gates, o Bill Gaytes (sic).

Fazer piadinhas com produtos da Microsoft é recurso exaustivamente empregado por palestrantes para cativar platéias, assim como é criticar o governo ou contar uma anedota sobre loiras ao volante. Essas piadinhas baseiam-se todas no mesmo princípio: a ingenuidade. Uma análise extensiva e mais cuidadosa, como se tentou fazer acima, acaba por mostrar que a Microsoft não é o desastre secular que se pinta, que o governo faz coisas certas e que loiras não são particularmente descapacitadas intelectualmente.

Referência Bibliográfica:

BERGER, Matt. Microsoft Takes a Break to Clean its Code. PcWorld.com, 05 Fevereiro 2002. Disponível na Internet via URL: http://www.pcworld.com/news/article/0,aid,82804,00.asp Arquivo capturado em 06.02.2002.

FORNO, Richard. Message to Microsoft: Only the Truth Shall Set you Free. Linuxsecurity.com, 18 Fevereiro 2002. Disponível na Internet via URL: http://www.linuxsecurity.com/articles/forums_article-4462.html Arquivo capturado em 19.02.2002.

GARCIA, Beatrice. The Machine that Changed the World. SiliconValley.com, 03 Agosto 2001. Disponível na Internet via URL: http://www.siliconvalley.com/news/special/birthofpc/docs/ibmpc080501.htm Arquivo capturado em 15.01.2002.

GREENE, Thomas C. Open Source a Needed Outlet for Programming Pros. The Register, 05 Fevereiro 2002. Disponível na Internet via URL: http://www.theregister.co.uk/content/4/23935.html Arquivo capturado em 15.02.2002.

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