Mundo virtual

Advogado critica possível criminalização de certas condutas na Web

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19 de fevereiro de 2002, 15h58

A SOCIEDADE, A TECNOLOGIA E DETERMINADOS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL PARA O “DIREITO DA INFORMÁTICA”.

Antes de tudo queremos neste momento, com toda vênia, fazer nossas as palavras do eminente professor Roque Antônio Carrazza, que com uma longa vida de estudos e amparado por uma privilegiada inteligência, faz dele um dos homens culminantes da cultura jurídica brasileira. Autor de diversas obras consagradas entre os seus pares, são do ilustre professor as seguintes palavras e referências:

“(…) pelejamos por refugir ao retorcido, ao escultural, ao excesso barroco, evitando, destarte, construções bizantinas, bem ao gosto dos escolásticos, mas de pouca ou nenhuma utilidade. Afinal, as teorias, como dizia Scialoja, devem ser presididas pelo critério da praticidade. Descartes observava com fina ironia que o escolástico, com seu estilo rebuscado, parece-se com um homem cego que, para lutar em igualdade de condições com o oponente, acaba por atraí-lo ao interior de uma caverna completamente escura. Ele alcança o seu objetivo utilizando-se de expressões exóticas, de distinções sutis, conquanto inúteis, tudo para camuflar o pensamento.

(…) Ainda assim, não iremos logo nos defendendo das imperfeições do livro, afirmando que ele foi elaborado às pressas, como se o tempo fosse o único responsável pelos erros, omissões e incongruências do autor. Ao invés, queremos afiançar que tudo quanto escrevemos – de bom ou mau – não importa – é fruto de nossas convicções, não havendo neste livro, nada que tenha sido lançado à ligeira, ao resvalo da pena, “currente calamo”, como diziam os antigos. Com verdade, o que expusemos é produto da meditação e do exame, ambos inimigos das precipitações. Estamos de pleno acordo com o pensador que disse que o “tempo não respeita as obras que não ajudou a construir”. Por isso, os que nos honrarem com a leitura deste trabalho encontrarão o resultado – bom ou mau, não importa – de intermináveis vigílias, num exercício de solidão que, segundo estamos convencidos, é a única maneira de estudar, aprender e preparar-se para ensinar.” (1)

Despretensiosamente e imbuído com este espírito é que queremos compartilhar nossas experiências e estudos na área. Nosso comprometimento é com a pesquisa científica e com o desenvolvimento da ciência jurídica.

Nascemos e crescemos na era do desenvolvimento dos microprocessadores – Intel 4004, 8008, 8080 – “Altair” (fabricado pela MITS – Micro Instrumentation and Telemetry System, divulgado pela célebre revista “Popular Eletronics”, Apple I, II, II+, com o CP/M (Control Program for Microprocessors), DOS (Disk Operating System). Época do Basic, Time Sharing, do surgimento do Modem, etc. Em 1981 operávamos um Sinclair ZX80(2) (que no Brasil foi produzido pela Microdigital na famosa série “TK” – TK82, TK83, TK85, etc.). Foi o período em que conheci uma pioneira da informática no Brasil e no interior do Estado de São Paulo que merece referência: Soraia Calil Dib.

Velhos tempos do CP200 (Prológica), CP500 (um sonho de consumo da nossa geração), MSX, XT, AT. Só por curiosidade, em relação ao surgimento da Internet, importante lembrar em 1969 da ARPANET (Advanced Research Project Agency). A rede de computadores norte-americana era altamente centralizada e havia necessidade estratégica de autonomia para garantir a comunicação do sistema caso algum ponto estivesse indisponível ou fosse destruído. A MILNET (Military Network) e a NSF-NET (National Science Foundation) se interligavam na época graças ao IP (Internet Protocol) em combinação com o TCP (Transmission Control Protocol).

Sem dúvida era o início da Internet que hoje assistimos. Aqui no Brasil, impossível falar no tema sem citar Edmundo de Albuquerque de Souza e Silva, Paulo Henrique Aguiar Rodrigues, Alexandre Grojsgold, Demi Getshko, Alberto Gomide, Michael Stanton, Tadao Takahashi, José Roberto Boisson, Tércio Pacitti, Ivan Moura Campos e outros mais a quem pedimos desculpas pelo esquecimento.

Lembro-me muito bem do surgimento da era “GUI” (Graphical User Iterface). Em contato com um amigo de infância (também aficcionado por computadores e tecnologias afins), hoje proprietário de um grande provedor de acesso à Internet e de uma empresa de Tecnologia da Informação, descobrimos a “versão 1.01 – Operating Environment for IBM and COMPAQ Personal Computers” do Microsoft Windows(3). Na realidade, a interface gráfica tão popular hoje em dia, é obra do XEROX-PARC (Palo Alto Research Center). Foram eles os inventores da estrutura: ícone, mouse, pulldown menu, etc. – O famoso XEROX STAR. Também importante ressaltar que a primeira linguagem orientada a objetos (SmallTalk) é de autoria do PARC.

Fazíamos parte do velho MANDIC-BBS. Também utilizávamos o Cirandão, BITNET, RENPAC, FERMILAB, HEPNET, STM-400, Video Texto. Em 1994/1995, cuidávamos da hospedagem de domínios virtuais com a SAELCOM(4), que revendia os pioneiros serviços da Hiway Technologies(http://www.hway.net) – hoje VERIO Corporation, criada pelo norte-americano Scott H. Adams.


Neste período, em parceria com a assessoria de imprensa da 12a Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil, desenvolvemos a “Tribuna do Advogado – Internet” (inclusive seus códigos HTML e Layout) – um dos pioneiros informativos jurídicos da Internet Brasileira. Era hospedado no endereço – http://www.sael.com/tribuna . Lamentavelmente o serviço foi extinto em 1997 com o término da versão impressa. Estes bons tempos voltaram à nossa memória por meio do amigo Omar Kaminski, que nos apresentou a “Wayback Machine” – www.archive.org) que não conhecíamos. Só lamento que a Wayback Machine iniciou o armazenamento em 1996, restando perdidos para sempre (acredito), em razão disso, os nossos anteriores trabalhos na grande rede.

Aliás, importante ressaltar que Omar Kaminski é um profissional da área por quem temos admiração, não só em razão de suas excelentes idéias, mas também em razão da sua “lealdade científica”. O colega de Curitiba, do conhecido e indispensável “CyberLaws” desenvolve um trabalho de grande relevância. É um irrequieto pesquisador das novas tecnologias e da doutrina nacional e estrangeira. Sempre cita suas fontes, prestigiando com isso o trabalho de seus colegas e fortalecendo o grupo de operadores do direito que se empenham na sistematização desta nossa área em relação aos demais ramos tradicionais da ciência jurídica. Os nossos cumprimentos a Kaminski.

Como dizíamos, são quase vinte anos de intenso contato com a informática. Hoje podemos afirmar que continuamos a nos surpreender (e muito, diga-se de passagem), mas tomamos muito cuidado com o deslumbramento. É este deslumbramento tecnológico que em certos casos tem causado obscurecimento da razão, do raciocínio jurídico e até mesmo a ausência absoluta de lucidez e de bom senso. Sempre gostamos de lembrar do excelente artigo publicado na Revista de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) em 1990, onde A.C. Mattos traduziu Tom Forester (Griffith University, Australia) e Perry Morrison (University of New England, Austrália) no tema: “A insegurança do computador e a vulnerabilidade social”. A medida que a sociedade se torna mais e mais dependente de computadores, telecomunicações e novas tecnologias, também se torna mais vulnerável às suas falhas e inseguranças(5).

E quanto às nossas crianças? Interessante citar os escritos do ilustre professor Valdemar W. Setzer, da Universidade de São Paulo (USP), radicalmente contra o uso indiscriminado de computadores por crianças e adolescentes. Diz Setzer:

“(…) Para se falar de computadores na educação é preciso compreender o que é um computador, e o que é educação; para falar desta última, é preciso compreender o que é o ser humano e como ele se desenvolve com a idade. O essencial de um computador é que ele é uma máquina abstrata, matemática. Tanto os dados como os programas quanto os comandos que se dão a um ‘software’ de uso geral como um editor de textos são na verdade funções matemáticas. Assim, para qualquer pessoa usar um computador é necessário que ela exerça um raciocínio matemático, ou melhor dizendo, lógico-simbólico.

Isso obviamente não se aplica quando a pessoa está digitando um texto, mas se aplica totalmente quando ela necessita, por exemplo, usar um comando qualquer do editor, como alinhar verticalmente o texto, definir o tipo de parágrafo, etc. Em termos educacionais, faço a pergunta que quase ninguém faz: a partir de que idade é correto forçar uma criança a exercer um pensamento formal, lógico-simbólico? (…) cheguei há muito tempo à conclusão de que o pensamento abstrato forçado pelo computador prejudica os jovens até a idade de 16-17 anos, forçando-os a usarem uma linguagem e um tipo de pensamento que são somente adequados após muita maturidade mental. (…) o computador induz indisciplina mental.

A quantidade de coisas inúteis e porcarias na Internet ultrapassa qualquer imaginação de poluição mental. Crianças jamais deveriam ser deixadas sozinhas usando a rede, pois há um perigo imenso delas entrarem em contato com coisas impróprias para sua idade. Não me refiro somente à violência (como fabricar bombas terroristas) e pornografia (inclusive troca de mensagens interativas com pessoas inescrupulosas). (…) considero o uso de computadores por crianças e jovens de menos de 16-17 anos um ‘crime’ contra a infância e a juventude. O computador transforma-os em adultos precoces, pensando formal e abstratamente, exercitando auto-educação, e exigindo autocontrole. Como disse Neil Postman em seu livro com esse título em Inglês (mas que não aborda o problema do computador), estamos provocando o “desaparecimento da infância,” o que será terrível para o futuro da humanidade.”(6) (sem destaques no original).


O assunto é tão importante que está presente na pauta de discussões de diversos países do mundo há alguns anos. Uma das críticas que se faz, é a propagação da cultura superficial, fragmentária e desordenada, associada à preocupação provocada nos pais quando se deparam com seus filhos passando horas e horas por dia em frente a um computador, fazendo com que fiquem distantes de experiências indispensáveis para seu desenvolvimento pessoal e sua inteligência emocional, como exemplo, o contato com pessoas reais e não “virtuais”.

Segundo as pesquisas, longos períodos em frente ao computador prejudicam as experiências externas da criança e também aumentam o risco de isolamento social, obesidade e esforço ocular. O excesso do contato com computadores pode ter relação direta com distúrbios do sono, estresse e o nervosismo em crianças.

Pelo lado positivo, as inimagináveis possibilidades de acesso ao conhecimento trazidas por esta revolução na telemática, em razão do grande desenvolvimento da Internet são fantásticas. Quando se imaginava acompanhar em tempo real a descida de uma espaçonave em Marte? (inclusive com imagens), ter contato imediato com novas tecnologias, culturas e povos.

Especialmente para nós, tornando possível acompanharmos de perto os interessantíssimos estudos do astrofísico George Smoot, uma verdadeira lição de criatividade e liberdade de pensamento, as “fotos” da construção da memória no cérebro humano pelos cientistas da Universidade de Genebra, a instantaneidade, o acesso à bibliotecas, decisões e doutrinas jurídicas do mundo todo, o intercâmbio científico-cultural, livros, textos, fotos, informações preciosas, enfim, uma gama inacreditável de opções saudáveis ao conhecimento e de vital importância para os padrões profissionais e culturais que se formam nos dias de hoje.

Evidente que o contato exagerado e doentio com a informática é algo que merece estudo aprofundado. E não é só de crianças não. Adultos também. Não é possível namoro virtual. Que história é essa? É imprescindível o contato do ser humano com outro ser humano, encostar pele com pele, abraçar, beijar, sorrir, chorar, dançar, sair com amigos, pescar, praias, faculdades, ir ao teatro, concertos para ouvir e sentir a música, etc.; Não é saudável o isolamento social e a dedicação integral em frente a um computador conectado à Internet.

As conseqüências são diversas, incluindo até mesmo, em alguns casos, a “coisificação do ser humano”, bem explicada no texto do psicanalista Jurandir Freire Costa, que tratou sobre os adolescentes que atearam fogo no índio Galdino.

Parece lógico, entretanto, que a ausência do contato com a tecnologia, inclusive o contato com a Internet, leva o indivíduo a um desajustamento na sociedade atual. O contato é imprescindível, desde que saudável e inteligente. Aliás, não é demais lembrar que os nossos problemas culturais oferecem importante influência nesta discussão.

Como dizia o saudoso Franz Paul Trannin Heilborn (homem de inteligência lúcida, brilhante e contraditória): assistimos a um rastejamento para o pop, a uma nivelação por baixo liderada pela mídia eletrônica. A nossa civilização está caminhando para uma realidade que vai totalmente contra essa ideologia água com açúcar. Mais e mais, você sobreviver, você atingir pontos altos, exige um desenvolvimento intelectual superior.

Dizíamos a pouco sobre o fato de a sociedade estar cada vez mais vulnerável às falhas e inseguranças dos sistemas informatizados. Queremos acrescentar que vemos com muita desconfiança a questão da vulnerabilidade nos sistemas de informática. A questão da privacidade, da assinatura digital, da certificação. Ouvimos com atenção os especialistas na área (profissionais da ciência da computação, técnicos em segurança de redes, etc.).

São inúmeros os exemplos que a cada dia surgem nos noticiários e boletins de segurança em informática. São exemplos do ano de 2001: a) Vulnerabilidade do sistema operacional IOS http/Cisco ( http://www.cisco.com/warp/public/707/IOS-httplevel-pub.html), que diga-se de passagem é um dos roteadores de maior utilização para Internet; b) Vulnerabilidades do conhecido e muito difundido Oracle 8i TNS Listener. ( http://www.pgp.com/research/covert/advisories/050.asp); c) As diversas falhas de segurança apontadas por Georgi Guninski como a do Microsoft Office XP – ( http://www.guninski.com/vv2xp.html); d) Quebra de segurança dos arquivos em formato Adobe PDF (portable document file) – caso Adobe v. Dmitry Sklyarov – Advanced eBook Processor (AEBPR); e) Até a transmissão de dados sem fio pode ser alvo dos Hackers. Já mencionamos este fato há algum tempo atrás. Pesquisadores da famosa Universidade da Califórnia encontraram uma forma de interceptar as redes wireless (sem fio) do tipo Wi-Fi ou 802.11, inclusive com a possibilidade da quebra do algoritmo de segurança Wired Equivalent Privacy utilizado em alguns desses sistemas. ( http://www.isaac.cs.berkeley.edu).


No tema da criptografia, da assinatura e certificação digital, das chaves públicas, etc., importante lembrar das palavras de Jacques Stern (especialista em criptologia, autor de “La Science du Secret”) que foram publicadas pelo jornal francês Le Monde(7) no excelente artigo “La cryptologie à l’ère de l’informatique.” Dizia Stern, no referido artigo traduzido no Brasil por Luiz Roberto Mendes Gonçalves e publicado no Jornal Folha de São Paulo em 29 de abril de 2001, Caderno “Mais!”, pág. 20 – “(…) Em seu livro “Criptografia Militar”, publicado no fim do século XIX, Auguste Kerckhoffs enuncia claramente as necessidades operacionais colocadas pela criptografia em termos de segurança, mas também de simplicidade e rapidez. Kerckhoffs afirma que o mecanismo de codificação, isto é, o que define a passagem do texto claro para o texto cifrado, ou criptograma, deve poder cair sem inconvenientes nas mãos do inimigo.

(…) Dos princípios de Kerckhoffs às máquinas codificadoras passaram apenas algumas décadas, ritmadas pelos progressos da técnica. As máquinas eletromecânicas, como a Hagelin ou a Enigma, surgiram entre as duas guerras. Elas realizavam substituições consideravelmente mais complexas do que as até então permitidas pelos métodos artesanais. O inimigo estava diante de centenas de milhões de combinações possíveis, e os Estados-maiores acreditavam que suas correspondências estratégicas estivessem protegidas. Enganavam-se: em 1939, o governo britânico reuniu uma equipe de especialistas que desvendou os códigos alemães. A partir de 1941 os aliados puderam ler as mensagens cifradas da Alemanha.

Dessa forma, a criptologia esbarrou na era da informática antes mesmo de seu início: a decriptação do enigma exigiu a construção de máquinas especiais, e foi Turing quem sugeriu a construção do Colossus, dotado de eletrônica, que quase no final da guerra atacou com sucesso as máquinas de código do Exército alemão. (…) Existe hoje, uma “cultura criptográfica”, que se baseia nas pesquisas acadêmicas, mas se difunde muito além, principalmente na indústria, por meio dos trabalhos de padronização.

O aparecimento da Internet criou uma verdadeira explosão de demanda por criptologia. A própria arquitetura da Internet a torna especialmente vulnerável: o protocolo IP, totalmente descentralizado, faz circular datagramas, ou “pacotes”, desprotegidos. Os próprios endereços IP, gerados pelos DNS (Domain Name Servers), não são livres de atos malignos. Os sistemas operacionais têm falhas de segurança. Daí decorre uma lista impressionante de ameaças: “sniffing” (escuta de pacotes), “spoofing” (substituição, alteração do cabeçalho dos pacotes IP), pirataria de DNS, negação de serviço, intrusões, disseminação de programas nocivos: vírus e cavalos de Tróia(8).

(…) A utilização da criptografia não substitui os métodos tradicionais, baseados no controle de acesso, na gestão de “privilégios” de usuários ou de programas, o isolamento da rede local por “firewalls”, a filtragem dos pacotes IP por estes últimos, etc. Ela os completa. (…) A Internet também apresenta uma série de novos problemas: como dar segurança aos leilões on line, ao voto eletrônico? Como garantir o anonimato de certas informações pessoais delicadas, sobretudo médicas?(9) A criptologia não é mais uma forma de dar uma vantagem estratégica a um Estado ou a uma organização, mas um conjunto de métodos que garante a proteção dos intercâmbios de cada um. Não é mais somente a ciência do segredo, mas a ciência da confiança”.

A questão da segurança no documento eletrônico deve envolver todo um sistema, uma política de proteção. Há necessidade da conjugação de diversos fatores para garantir uma melhor proteção. É isso que os especialistas recomendam. Até o efeito da “engenharia social” deve ser levado em conta. Quando falamos de engenharia social, não estamos fazemos referência ao trabalho de Roscoe Pound (An Introduction to the Philosophy of Law – 1922) jurista norte-americano, professor da Universidade de Harvard, que definiu o direito como “engenharia social” (social engineering) dando primazia a determinados interesses sociais e individuais com o mínimo sacrifício dos demais. Falamos do fator “ser humano” na relação ambiente de segurança.

Assistimos recentemente, com assombro, o exemplo do caso em que certificados digitais válidos foram emitidos por uma empresa de certificação eletrônica (VERISIGN) para a Microsoft. O importante e de interesse para a ciência jurídica é que tais certificados foram parar nas mãos de Hackers, que se fizeram passar por empregados da empresa(10.

É dizer: o fator ser humano é importantíssimo na análise. Não podemos nos prender tão-somente na tecnologia, na infra-estrutura, no sistema. E a divulgação de segredos estratégicos por empregados? E o roubo e furto de computadores portáteis com informações confidenciais? E o descuido dos responsáveis por informações críticas no manuseio das mesmas? As vulnerabilidades tecnológicas e processuais (como no armazenamento desprotegido de documentos, na destruição inadequada de mídias, na ausência de treinamentos adequados sobre segurança)?


Aliás, quero aproveitar este momento para voltar a ressaltar que nós, operadores do direito, não devemos nos prender excessivamente nas discussões técnicas de informática, matemática, criptografia, telemática, etc. Nossa área é outra. Não temos, em nossa maioria, condições técnicas de abordar tais assuntos com profundidade científica. Corremos o sério risco de escrever bobagens do ponto de vista técnico. Vamos deixar os profissionais da área (engenheiros eletrônicos, programadores, os profissionais da ciência da computação, especialistas em informática, peritos, etc.) digladiar sobre infra-estrutura de chaves públicas, algoritmos, criptografia, qual a melhor técnica, qual o melhor procedimento, qual a melhor abordagem, o melhor software, a melhor técnica, etc.

Nós temos que cuidar da nossa ciência jurídica, das possíveis antinomias, da hermenêutica, da correta aplicação do direito, das questões probatórias, do acompanhamento do processo legislativo naquilo que é importante para o nosso ordenamento jurídico. A análise jurídica das normativas que estão surgindo, suas conseqüências e peculiaridades. A questão da sistematização ou não do “direito da informática”.

A propósito, em relação a denominação “direito da informática” tenho a dizer o seguinte: a palavra direito vem do latim directum, que como bem diz o eminente Paulo Dourado de Gusmão “(…) supõe a idéia de regra, direção, sem desvio. De modo muito amplo, pode-se dizer que a palavra “direito” é usada em três sentidos: 1º – regra de conduta obrigatória (direito objetivo); 2º – sistema de conhecimentos jurídicos (ciência do direito) e 3º – faculdade ou poderes que tem ou pode ter uma pessoa, ou seja, o que pode uma pessoa exigir de outra (direito subjetivo)”(11).

A palavra informática, salvo equívoco constrangedor, é um substantivo feminino e significa segundo definição dicionarizada (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira) – “a ciência que visa ao tratamento da informação através do uso de equipamentos e procedimentos da área de processamento de dados.” Telemática, também substantivo feminino é, segundo a mesma fonte, “a ciência que trata da manipulação e utilização da informação através do uso combinado de computador e meios de telecomunicação”.

Dizer “direito da informática” não significa fazer referência necessária ao direito subjetivo da ciência como querem alguns, ao contrário, pode se fazer, como na maioria das vezes se faz, referência ao conjunto de normas do direito objetivo que gravitam ao redor da ciência da informática, assim como falamos e escrevemos “direito do trabalho”. De maneira que, realmente, não vejo qualquer impropriedade em dizer “direito da informática” ao invés de “direito de informática” como a maioria dos colegas parece preferir. Posso estar cometendo um erro gravíssimo na arte de falar e escrever bem a língua portuguesa. Avisem-me. Quanto às demais denominações: direito de internet, direito da internet, direito cibernético, etc., julgo-as restritas e razoavelmente pretensiosas.

É inegável que parte do trabalho doutrinário na área do direito da informática parece caminhar bem distante (até exageradamente) do perímetro razoável da ciência jurídica. Já dissemos ser importante conhecer tecnicamente o assunto “Informática e Internet”, pelo menos essencialmente. Como conhecer os aspectos legais da genética, da reprodução humana, da clonagem, etc., sem conhecer o essencial material técnico sobre o tema. No entanto, neste cenário, uma verdade é incontestável: não há como tratar assuntos desta natureza, de forma tecnicamente rigorosa, sem formação acadêmica e muita experiência.

Como um jurista pode querer conhecer mais de criptografia que um matemático especializado no tema? Como conhecer mais de eletrônica e computação que um engenheiro eletrônico especialista em redes e segurança? Não devemos nos atrever a ingressar em temas nos quais nosso conhecimento é tão-somente empírico, jornalístico, etc. Não são argumentações sérias, científicas e respeitáveis.

Desta maneira, fugindo do “tecnicismo em informática” que tanto criticamos, retirando-nos em debandada destes desvios do tema do âmbito jurídico em prol de aspectos técnicos de informática e telemática, muitas vezes desconhecidos do operador do direito e que servem (quase sempre) ao recôndito e estulto objetivo de causar impressão, vamos tratar nesta importante revista daquilo que nos interessa: Direito.

Já dissemos em outra oportunidade, e acabo tornando-me cansativo em ter que repetir que no estudo de novas áreas jurídicas é indispensável o aprofundamento em hermenêutica e interpretação de leis. Há uma inópia científica, entrando em cena o empirismo, a fundamentação exclusiva em conteúdos jornalísticos (não que não sejam adequados, ao contrário, encontramos excelente material – nós mesmos utilizamos a todo o momento). O que criticamos é a exclusividade na fonte, o “ouvir falar” e para piorar mais ainda: a dominação cultural norte-americana(12) e o excessivo culto ao direito processual.


Relembrando o que já escrevemos algum tempo atrás, há muito já se dizia: “nem as leis nem os senatus-consultos podem ser escritos de tal maneira que em seu contexto fiquem compreendidos todos os casos em qualquer tempo ocorrentes – neque leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt, ut omnes casus qui quandoque inciderint comprehendantur”. Não é novidade para ninguém que o ordenamento jurídico positivo não têm capacidade para prever todos os casos e inovações que podem surgir ao longo dos anos. Por isso é que sempre se recomendou que ante a impossibilidade de prever todos os casos particulares, o legislador deve pairar nas alturas, fixar princípios e preceitos gerais, de amplo alcance, embora precisos e claros.

A norma jurídica do direito evoluído caracteriza-se justamente pela generalidade. Não tendo por objeto situações concretas, tem como estabelecer um padrão de conduta social, um tipo de relação jurídica que poderá ocorrer, não endereçado a ninguém em particular. A conseqüência desta generalidade é a flexibilidade da norma, assim a ordem jurídica poderá se transformar pela interpretação sem a constante interferência do legislador.

A letra da lei permanece, apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social – surgem novas idéias, aplicam-se os mesmos princípios a condições sociais diferentes. O intérprete melhora o texto legal sem lhe alterar a forma; a fim de adaptar aos fatos a regra antiga, ele a subordina às imprevistas necessidades presentes, embora chegue a postergar o pensamento do elaborador prestigioso; deduz corretamente e aplica inovadores conceitos que o legislador não quis, não poderia ter querido exprimir”. Eis a razão do scire leges non hoc est, verba earum tenere, sed vim ac potestatem – saber as leis não é conhecer-lhes as palavras, porém a sua força e poder, isto é, o sentido e o alcance respectivos.

A interpretação como se sabe, visa determinar o sentido e o alcance das expressões do direito. É sem dúvida uma das mais importantes ferramentas disponíveis na ciência jurídica. Deveria ser atualmente mais prestigiada. Como dizia Wach, Thoel e outros importantes juristas citados por Carlos Maximiliano – Pode a lei ser mais sábia do que o legislador; porquanto abrange hipóteses que este não previu. Conclui o mestre: “(…) ao invés de abandonar um vocábulo clássico e preciso, é preferível esclarecer-lhe a significação, variável com a marcha evolutiva do Direito. Termos técnicos suportam as acepções decorrentes do progresso da ciência a que se acham ligados. (…) De fato, não é possível que algumas séries de normas, embora bem elaboradas, sintéticas, espelhem todas as faces da realidade.

Por mais hábeis que sejam os elaboradores de um Código, logo depois de promulgado surgem dificuldades e dúvidas sobre a aplicação de dispositivos bem redigidos. Uma centena de homens cultos e experimentados seria incapaz de abranger em sua visão lúcida a infinita variedade dos conflitos de interesses entre os homens. Não perdura o acordo estabelecido, entre o texto expresso e as realidades objetivas. Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, envolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos. Transformam-se as situações, interesses e negócios.

Surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas idéias, a técnica revela coisas cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A ação do tempo é irresistível, não respeita a imobilidade aparente dos Códigos. Aplica-se a letra intata a figuras jurídicas diversas, resolve modernos conflitos de interesses, que o legislador não poderia prever. Se de outra forma se agisse e se ativesse ao pensamento rígido, limitado, primordial, a uma vontade morta e, talvez, sem objeto hoje, porquanto visara a um caso concreto que se não repete na atualidade; então o Direito positivo seria uma remora, obstáculo ao progresso, monólito inútil, firme, duro, imóvel, a atravancar o caminho da civilização, ao invés de o cercar apenas de garantias”. Nesse sentido, a interpretação e a aplicação do direito devem levar em consideração a realidade sócio-cultural atual, para lograr aceitabilidade ou razoabilidade.

Reiterando mais uma vez e deixando bem claro que nosso estilo não é misoneísta (ao contrário, defendemos a modernização), não há que existir receio ou temor diante de novas leis para regular matérias relacionadas com as novas áreas do direito, quando se verificar tecnicamente a sua indispensabilidade. O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando participou da audiência pública da Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o Projeto de Lei 1.483/99 em março de 2001, nesse sentido se manifestou:

“(…) Se fôssemos muito rigorosos nesse ponto de vista, sequer o Código de Defesa do Consumidor teria sido elaborado. Naquele tempo também se poderia alegar que tal ponto estava, por exemplo, no Código Civil, e outro, no Código Comercial. Algumas leis novas dispõem sobre o “franchising”, sobre incorporação, sobre loteamento. Então, a proteção do consumidor, que se consolidou no Código, poderia também não ter surgido, sob a alegação de que não precisamos de lei nova. Há uma realidade nova. A Internet é nova realidade, bem assim o comércio eletrônico, que apresenta aspectos específicos, os quais também necessitam de norma específica de proteção ao consumidor, sob pena de ele, nesse que será o comércio do futuro, ficar com uma lei antiga.”

A elaboração de uma lei é tarefa de extrema responsabilidade e seriedade. É muito comum as leis possuírem por fundamento um abuso recente. Diversos autores consagrados lembram que em regra, os “elaboradores das normas são sugestionados por fatos isolados, nitidamente determinados, que impressionam a opinião pública, embora a linguagem mantenha o tom de idéias gerais, preceito amplo”.

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