Hyperlinks

Empresa alega possuir patente sobre hyperlinks da Internet

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

15 de fevereiro de 2002, 13h31

Imagine se todo e qualquer movimento na Internet, passo a passo, possa vir a ser cobrado pela empresa BT Group plc, que tem como subsidiária a British Telecommunications.

À primeira vista, isto pode soar bizarro, mas poderá acontecer se uma ação judicial, iniciada em 2000 em White Plains, Nova Iorque e noticiada pela Reuters em 07/02, for julgada favorável à companhia.

No que já está sendo chamado de ‘uma das mais importantes disputas sobre patentes da história’, a BT está levando o provedor de acesso Internet americano Prodigy à uma Corte distrital americana buscando ‘royalties’ e alegando ser a inventora do hyperlink.

De forma simples, o hyperlink é o texto, normalmente em cor roxa ou azul, sublinhado ou em negrito, que permite o transporte de uma página para outra ou de um site para outro. É parte de um documento hipertexto que conduz o usuário a outro documento hipertexto.

Portanto, a empresa alega que é detentora da propriedade intelectual de cada hyperlink utilizado hoje na Internet e, para que se dê o uso correto desse recurso, será necessário o pagamento de uma taxa de licença à BT.

Em outras palavras, caso seja vitoriosa na ação, cada provedor de Internet norte-americano terá que pagar à BT pel utilização dessa tecnologia.

A patente já teria expirado na Inglaterra, portanto os provedores ingleses não terão que recolher qualquer taxa. Nos EUA, a patente deve perdurar até 2006.

História

A patente original é parte de uma tecnologia chamada Prestel – um antigo sistema de computadores conectados entre si que a empresa de correios (‘Post Office’) estaria desenvolvendo, da qual fazia parte a BT, segundo apurou a Dot Life da BBC News.

A Prodigy, que possui 3.6 milhões de usuários, provém serviços de acesso à Internet desde 1984 e que pertence à segunda maior empresa telefônica dos EUA, a SBC, argumenta que a linguagem utilizada na patente é muito vaga para ser aplicada à atual tecnologia de hyperlinks.

Conforme o representante do escritório de patentes inglês, estas são vagas por natureza. “Se eu patenteei uma máquina voadora, a patente poderá igualmente ser aplicada a helicópteros e aeroplanos, mesmo que eles sejam completamente diferentes”, explicou o diretor do UK Patent Office, Stephen Probert.

“Parece absurdo que a patente para uma tecnologia possa abranger outra, mas patentes podem ser qualquer coisa, menos ‘precisas’, e muitas vezes abrangem coisas que sequer foram inventadas”, disse.

A Prodigy quer provar que a patente é inválida, pois a invenção não é original. Conforme o USA Today, o provedor possui uma evidência em vídeo: uma gravação em preto-e-branco datada de 1968, em que o pesquisador de Stanford Douglas Engelbart aparentemente demonstra como funciona o linking entre hipertextos.

Engelbart possui um currículo invejável na área de computadores, tendo sido a segunda pessoa a se conectar à ARPANet.

Entendimento

De acordo com o noticiado pela CNN, uma Juíza Federal portando um laptop advertiu que será difícil provar que uma patente requerida em 1980 – quando a WWW (World Wide Web) era apenas uma fagulha nos olhos de Tim Berners-Lee e a BT era ainda parte dos correios – possa ser aplicável aos computadores modernos. Ela demostrou compreender que o ato de se comparar um computador de 1976 a um de 2002 é como querer comparar um mastodonte a um jato.

“A linguagem é arcaica”, disse a Juíza distrital norte-americana Colleen McMahon. “É como ler inglês medieval.”

Mas Albert Breneisen, advogado da BT, insiste: “A estrutura básica do linking está acobertada pela patente.” Antes da tecnologia da BT, ele disse, um usuário de computador tinha que conhecer e escrever o endereço completo de outra página que desejasse visitar.

Semântica

Na audiência preliminar que ocorreu na segunda-feira, 11/02, advogados de ambas as partes discutiram sobre o significado de palavras tão simples como ‘central’, utilizada em ‘computador central’, por exemplo, e sobre como se daria a aplicação de frases mais complexas contidas no corpo da patente aos dias de hoje.

A BT tenta persuadir a Juíza a interpretar de maneira mais genérica a linguagem utilizada – até mesmo para incluir um mouse de computador, por exemplo, como se fosse um keypad mencionado na patente. “Ele possui teclas,” disse de maneira esperançosa um dos advogados da BT, Robert Perry. “E na patente original utilizamos o termo ‘por meio de terminais remotos’, que hoje se traduzem em PCs, computadores pessoais”.

Quando argüiram a respeito da palavra ‘terminal’, o advogado da Prodigy, Willem Schuuman, tentou demonstrar que os terminais ‘burros’ de antigamente não podem ser equiparados aos modernos sistemas desktop.

Consciência tecnológica

O advogado especialista em tecnologia, Ben Goodger, acredita que o caso pode se desdobrar na interpretação da linguagem contida na patente. “Os termos que a patente abrange compreendem a tecnologia que tinham em mente naquele tempo. A questão é quando as palavras e termos são suficientemente precisos para que possam abranger a tecnologia utilizada na Internet,” disse Goodger.

A Juíza McMahon disse temer que os jurados, que já gastam tempos preciosos da vida tentando entender os seus próprios computadores – muitas vezes sem sucesso – possam não estar plenamente aptos a compreender o contexto da utilização da tecnologia nos anos 70, quando mainframes do tamanho de carros continham em si um menor número de recursos que a maioria dos handhelds (dispositivos portáteis) de hoje em dia.

“Estou pensando nas seis, oito, 10 pessoas que não têm sequer uma pista sobre os avanços da tecnologia, e se tentarem entendê-los poderão ficar amedrontadas”, disse a respeito dos jurados, ainda em procedimento de seleção.

O advogado da BT aposta que os jurados que utilizam ‘clicks’ em seus computadores todos os dias estarão aptos a perceber como este ato está relacionado com a patente. Trata-se de uma patente antiga, mas possui terríveis semelhanças com certas coisas que são utilizadas na Internet”, alegou.

Em certo ponto da audiência, a Prodigy referiu-se a um artigo de procedência alemã versando sobre tecnologia, e que este seria anterior à existência da invenção da BT. A Juíza solicitou que Schuuman descrevesse o conteúdo do artigo, mas sem sucesso. “Eu apenas leio alemão quando estou cantando Bach”, justificou a Julgadora.

De qualquer sorte, desde que a controversa causa tornou-se pública no final de 2000, a BT tem sido alvo de um fogo cruzado vindo de programadores e desenvolvedores de software, que tradicionalmente vêm atacando criadores de qualquer espécie de patente que possa limitar o avanço da tecnologia.

Caso seja bem sucedida no ‘caso-teste’ contra a Prodigy, a BT poderá buscar medidas semelhantes contra outros provedores de acesso Internet, requerendo o pagamento da licença pela utilização da patente, valor que poderá, por sua vez, repercutir sobre a ‘navegabilidade’ dos consumidores.

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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