Ditadura tecnológica

Brasil corre risco de ter desenvolvimento tecnológico barrado

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14 de fevereiro de 2002, 14h52

A Constituição Federal, já no artigo primeiro, traz como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio fundamental, pétreo, da garantia ao respeito à soberania. Esta é a prerrogativa dos Povos de se auto-regular com independência e sem submissão a quaisquer interesses, que não os nacionais.

O exercício pleno do direito à cidadania é incontestável. O próprio presidente Fernando Henrique tem, reiteradamente, repetido: “Soberania não se discute, se exerce. Soberania não se negocia, se exerce”. (O Estado de S. Paulo -15/12/2001).

No entanto, o modelo econômico brasileiro então adotado assegura a prevalência ao domínio da especulação financeira em detrimento da garantia constitucional da prevalência do social sobre o capital (artigo 5º, XXIII, art. 170, III CF), política essa voltada a assegurar o atingimento das metas de superávit acordadas com o FMI para o pagamento dos encargos da dívida.

Sabemos que o crescimento da receita necessária ao pagamento dos juros da dívida adveio das vendas externas, apesar das conhecidas barreiras alfandegárias impostas pelos países de primeiro mundo, que prejudicam a competitividade de nossos produtos como soja, açúcar, suco de laranja e algodão.

Na contramão da política econômica adotada pelos EUA, de assegurar aos produtores crédito a custo zero, para nós o FMI insiste em sua orientação para manter os juros nas alturas, onerando a produção industrial.

Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, “a desaceleração do crescimento industrial foi forte ao longo de 2001”.

“A indústria vinha crescendo desde o quarto trimestre de 2000 em torno de 6,5%, uma forte recuperação das agruras de 1999, ano da desvalorização. As expectativas para 2001 eram otimistas, mas o ânimo de empresários e consumidores foi contido pela crise energética, pelas incertezas do desempenho americano e sobretudo pela inversão de tendência na política monetária.

O Banco Central estava sinalizando para uma queda lenta, gradual e aparentemente segura. A experiência mostra que a economia brasileira reage muito bem à melhoria nas condições do crédito. Impressiona a rapidez da reversão. No segmento de bens duráveis e bens de capital (à exceção dos itens ligados à energia) a mudança de rumo foi dramática e isto mostra a importância do elevado custo do crédito e da decepção de expectativas provocadas pelo anúncio do racionamento.

Não há dúvida de que o ano foi salvo pelo desempenho das exportações. As vendas externas resistiram à trajetória recessiva da economia mundial e permitiram o crescimento das receitas e do lucro nos setores mais tradicionais como o agrobusiness e as commodities industriais.

O ano da graça de 2002 começou com manifestações de otimismo moderado. Nada parecido com a euforia do início de 2001. O mercado torce para que o Banco Central reencontre o caminho abandonado em meados do ano passado, voltando a reduzir os juros. As previsões de inflação para fevereiro e março são favoráveis. Algumas projeções indicam deflação.

Além disso, são claros os sinais de uma certa liberalidade fiscal, nada que comprometa as metas de superávit acordadas com o FMI” (Carta Maior, POLÍTICA ECONÔMICA, FMI insiste para Brasil manter juros nas alturas).

Na questão da política econômica adotada por FHC, “de exportar ou morrer”, exemplarmente, o Governo Federal está optando pelo exercício do direito pleno à soberania, ou seja, preparando-se para iniciar sua maior ofensiva para derrubar as barreiras comerciais às exportações de produtos agrícolas do país, sendo que nos próximos meses, cinco ações poderão ser iniciadas pelo Itamaraty na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra países que adotam regras que prejudicam a competitividade de produtos como soja, açúcar, suco de laranja e algodão (O Estado do Paraná – 13/2/2002).

No entanto, com relação às chances de permitir que o país atinja o desenvolvimento tecnológico, através da defesa intransigente do direito à ‘propriedade intelectual’, o Brasil também não pode renunciar à sua soberania no campo do conhecimento.

Não deve aceitar submeter-se aos critérios e conveniências do primeiro mundo. Uma manobra está em andamento na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e poderá aniquilar as chances de desenvolvimento tecnológico do terceiro mundo.

Os países em desenvolvimento perderão o poder de deliberar sobre questões de mérito em patentes e ficarão à mercê da ditadura tecnológica do primeiro mundo.

Veja texto divulgado sobre esse assunto no Jornal O Estado do Paraná

O imperialismo tecnológico

(Nelson Brasil de Oliveira, vice-presidente da Abifina – Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina):

“Está em curso, no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), uma manobra norte-americana que poderá aniquilar as chances de desenvolvimento tecnológico do terceiro mundo. Trata-se de agrupar os centros nacionais de decisão de patentes em três grandes entidades, sob domínio respectivamente dos EUA, União Européia e Japão.

A primeira, e mais grave, conseqüência disso é que os países em desenvolvimento perderão o poder de deliberar sobre questões de mérito em patentes, ficando inteiramente à mercê da ditadura tecnológica do primeiro mundo.

A situação brasileira já não é das melhores nessa área. Além do sucateamento progressivo do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), temos uma política equivocada de desenvolvimento tecnológico, que acaba facilitando a apropriação de nossa produção científica pelos países de primeiro mundo, inclusive mediante financiamentos e bolsas de estudo concedidos por governos de países desenvolvidos e instituições de fomento à pesquisa.

Entregamos o resultado de nossa pesquisa científica a preço de banana, como se fosse uma “commodity” qualquer, para que o primeiro mundo a converta em tecnologia e nos venda produtos cobrando royalties.

Na contramão do primeiro mundo, que aposta na capacidade empresarial como o grande agente do desenvolvimento tecnológico, o Brasil inventou a moda de centralizar na universidade os mecanismos de apoio à tecnologia. Aqui se faz apologia do sistema patentário como incentivo aos pesquisadores universitários, ignorando-se que 80% das patentes registradas no mundo constituem propriedade de empresas privadas, e que não mais que 2% delas são registradas por pesquisadores acadêmicos.

E, mais ainda, que os titulares de 96% das patentes registradas no mundo são residentes nos países desenvolvidos. Título patentário não é “maná” caído do céu, que vai enriquecer da noite para o dia seu titular. Além disso, há elevados custos envolvidos no registro e na manutenção da patente industrial. Os países em desenvolvimento necessitam, antes de mais nada, de salvaguardas legais para evitar o uso abusivo das patentes registradas no primeiro mundo, que formam a quase totalidade desse universo.

Infelizmente, o INPI não cumpre esse papel. Embora a lei determine que o órgão seja custeado por sua própria arrecadação, o Tesouro Nacional retém esses recursos com evidentes propósitos políticos. O saldo é desastroso: para examinar cerca de 16 mil pedidos de patente/ano, o órgão dispõe de 80 técnicos, o que dá uma média de 200 processos/ano por examinador, contra 79 na Europa (EPO), 92 nos Estados Unidos (USPTO) e 117 no Japão (JPO).

Grosso modo, o INPI necessitaria duplicar de imediato seu contingente de especialistas, admitindo técnicos de nível superior com formação nas diferentes áreas tecnológicas, que deveriam ser selecionados por concurso público específico para a Carreira de Ciência e Tecnologia e treinados durante não menos de dois anos.

O mercado de trabalho brasileiro não dispõe, hoje, de profissionais com perfil técnico adequado para imediata contratação, o que desqualifica a estratégia de terceirização de serviços adotada pela instituição. Em vez de lutar junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Administração pela realização dos concursos públicos para atender essa necessidade, o INPI optou pela acomodação, aparentemente recepcionando as intenções imperialistas da OMPI.

Esta organização, por meio das contratações de serviços e outras regalias oferecidas a especialistas dos países em desenvolvimento, procura cooptar autoridades e profissionais ligados à propriedade intelectual no terceiro mundo, “convencendo-os” a tornar tais instituições públicas meros escritórios de busca e certificação.

O Brasil não pode renunciar à sua soberania no campo do conhecimento, aceitando submeter-se aos critérios e conveniências do primeiro mundo. Temos de tudo, em matéria de legados materiais; falta-nos apenas a vontade política para enfrentar de forma autônoma as pressões que nos distanciam do almejado acesso ao primeiro mundo”.

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