Investigação na Web

Tognolli incentiva uso de sites de busca para investigação

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13 de fevereiro de 2002, 9h01

Há pelo menos dez anos o IRE (Investigative Reporters and Editors), espécie de sindicato dos jornalistas investigativos dos EUA, promove anualmente cursos sobre jornalismo investigativo via internet. Num desses cursos, há cinco anos, este repórter torceu o focinho face às dicas (hints) dadas pelos ministrantes.

Em síntese: pelo menos 10 reportagens ganhadoras do Prêmio Pulitzer referiam e tinham sido feitas, quase por completo, com a ajuda dos sites de busca Google (www.google.com) e Alltheweb (www.alltheweb.com). Na época, acreditar nisso parecia uma impossível petição de princípios.

Hoje, vem a certeza: ninguém pode investigar um caso sem antes ter passado pelo menos duas horas em um desses sites de busca. Se você lembrar da clássica frase de Albert Einstein (“toda a teoria deve ser livremente inventada”), está no caminho certo: a investigação via internet deve ser um sonho dirigido, um delírio controlado. Divagar e sempre (com “i” mesmo).

Estamos falando do caso Washington Olivetto. Como investigar o caso via net? Na semana passada, na terça-feira (5/2), noticiamos em primeira mão na Rádio Jovem que o seqüestrador Maurício Norambuena havia estado em São Paulo em 1997, depois de sua fuga de prisão de segurança máxima no Chile, e trazido para cá pelas mãos das irmãs Shannon, celebridades internacionais do terrorismo do IRA.

O caso só veio repicar na mídia neste último final de semana, na Folha de S.Paulo e sobretudo no Globo – que em chamada de primeira página no domingo (10/2) vendia a história como exclusiva. O pessoal do IRE costuma referir que, ao se fazer essas “Cars” (computer assisted reports), fica bem citar a fonte, ou seja, a página da internet de que foi retirada a informação, dando inclusive o endereço. Isso não acontece na mídia brasileira, que prefere atribuir o trabalho à obra e graça das famosas “altas fontes”.

Quem vazou?

O segredo para a investigação via net é que não há segredo: só delírio. No caso Olivetto, em livre teoria, o primeiro caminho é digitar o nome do seqüestrador (Norambuena) seguido, é óbvio, do vocábulo “and” e, em seguida, da palavra que lhe der na veneta. No caso, acha-se o passado pregresso de Norambuena digitando seu nome mais a palavra Canadá – vinda de uma livre alusão aos seqüestradores canadenses de Abílio Diniz. Fazendo isso, surgem inclusive indícios ainda não publicados na mídia: quando foragido, Norambuena mandou e e-mails conclamando rebeldes presos, em todo o mundo, a promoverem arruaças em seus presídios.

A pesquisa no Google com “norambuena and Canada” revela também que tal e-mail foi lastreado por uma junta progressista da Nicarágua (onde se encontraram os dez seqüestradores de Abílio Diniz) e por corporação que se auto-intitula “anti-imperialista” denominada “Arm your spirit”, de Toronto – onde moram os recém-libertos seqüestradores de Abílio Diniz, Christine Gwen Lamont e David Robert Spencer. As relações, na consulta à net (portanto, a investigação) são de livres-associações, como gostava de falar o tio Freud.

E se o seu delírio for mais longe, digite por exemplo “norambuena and pelicula”, e verá que Maurício Norambuena foi personagem de um filme de três horas rodado no Chile – o que certamente renderia, pelo menos, um “box diferencial” na publicação.

E por aí vai. Alguém se lembra do polêmico delegado Armando Belio, do caso Sílvio Santos versus Fernando Dutra Pinto? No auge das investigações, a Corregedoria de Polícia Civil de São Paulo, atenta a seus rigores instrumentais, não divulgava a ficha funcional do delegado. Bastou uma ida ao Alltheweb e, ainda na teoria do delírio, digitar “Belio and fuga”. Eis que surge uma reportagem do Estado de S.Paulo, de 13 de maio de 1997, revelando que Belio era investigado por supostamente ter facilitado a fuga do maior traficante do Brasil, Antonio da Motta Graça, o Curica, preso há seis anos com uma tonelada de cocaína, em Tocantins. A Corregedoria logo quis saber de onde tinha “vazado” a ficha do Belio.

Alguém se lembra do famoso “Professor Leonardo”, que pôs a bomba no avião da TAM num vôo entre São José dos Campos e São Paulo? O Instituto de Criminalística de São Paulo mantinha o caso em sigilo. Só divulgava o nome de um dos componentes de que fora feita a bomba. Bastou uma ida ao velho Google e digitar o nome do componente. Eis que surge uma página hoje proscrita pelo FBI, mas ainda vigente, em caráter intinerante (cada semana muda de endereço), chamada “The Terrorist Handbook” ou “The Anarchist Cookbook”.

Lá era dito que apenas dois tipos de bomba caseira poderiam ser feitos com o tal elemento que o professor usara. No outro dia, isso nos rende uma página no Jornal da Tarde, coisa do tipo “Saiba como a bomba foi feita”. E, em seguida, telefonemas de um chefe da Criminalística querendo saber quem havia “vazado” as investigações. Quem iria acreditar que a “reportagem investigativa” veio da internet? O estatuto da investigação via net, como se vê, é o estatuto do delírio controlado.

* Artigo publicado no site Observatório da Imprensa

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