Ofensas em debates

Provedor pode ser responsabilizado por ofensas em fóruns eletrônicos

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11 de fevereiro de 2002, 11h26

São inúmeros os fóruns de debate existentes na Internet. Neles, os internautas enviam por correio eletrônico suas opiniões sobre os mais variados assuntos, sendo as mensagens levadas ao ar numa página da rede após prévia análise de seu conteúdo, ou automaticamente, independentemente de verificação. Algumas mensagens, no entanto, têm por intuito atingir a honra de terceiros. Ao publicar inadvertidamente essas mensagens ofensivas na Internet, deve o provedor responder pelos danos causados a terceiros?

Cabe distinguir aqui, primeiramente, as atividades exercidas pelos provedores. São elas: (i) de conexão, consistente no fornecimento dos meios necessários para garantir o acesso de usuários à rede; (ii) de serviço, compreendendo a prestação de serviços como correio eletrônico, armazenamento de páginas pessoais etc.; (iii) de conteúdo, caracterizada pela divulgação de informações, com a escolha do material a ser veiculado, seja ele de criação própria ou de terceiros. Quase todos os provedores exercem concomitantemente essas três atividades.

Pois bem. Quando se analisou pela primeira vez a questão da responsabilidade dos provedores pela publicação de conteúdo de terceiros, entendeu-se o seguinte: se o provedor desempenhou no caso atividade de conexão ou de serviço, limitando-se a transmitir mensagens eletrônicas sem exercer controle algum sobre o seu conteúdo, não deve responder pelos danos sofridos por terceiro atingido em sua honra, a quem caberá apenas demandar o internauta que enviou o material ofensivo. Se, porém, de alguma forma exerceu, ou se obrigou a exercer, controle sobre o conteúdo dessas mensagens – praticando, pois, atividade de “provedor de conteúdo” -, mas permitindo, ainda assim, a publicação do material ofensivo, inafastável será a sua responsabilização. Essa foi a conclusão dos tribunais norte-americanos em dois relevantes precedentes sobre o assunto: Cubby, Inc. v. CompuServe, Inc. e Stratton Oakmont, Inc. v. Prodigy Services Co.

Em Cubby, entendeu-se que nenhuma responsabilidade haveria de se imputar à provedora CompuServe, visto que esta apenas colocava à disposição dos internautas um espaço na Internet para discussão, e não tinha oportunidade para rever o conteúdo das mensagens antes de sua publicação na rede.

A provedora, no caso, figurava como uma “livraria eletrônica”, onde os internautas colocavam os “livros” de sua autoria (na verdade, mensagens) nas “prateleiras” da CompuServe. A provedora que operava o grupo de discussão agia como uma mera distribuidora de notícias, equiparando-se, pois, a uma banca de jornal. E por exercer muito pouco ou nenhum controle sobre o conteúdo dessas mensagens, não se haveria de responsabilizá-la pelas infrações causadas por seus usuários.

Anos mais tarde, contudo, no caso Stratton, diverso foi o entendimento. Isso porque a Prodigy, ao mencionar em sua política de relacionamento que se utilizaria de software para detectar o uso de palavras ofensivas, bem como de pessoal para administrar o regular funcionamento dos grupos de discussão, tinha, na verdade, se obrigado a fiscalizar o conteúdo das mensagens a serem publicadas na Internet, o que, segundo o tribunal, caracteriza controle editorial.

Ao verificar previamente o conteúdo das mensagens, a Prodigytinha o poder de censurar as de teor indesejado, restringindo, assim, a liberdade dos internautas, o que a caracterizava, no caso, como uma “provedora de conteúdo”. A existência desse poder acarreta a responsabilidade da provedora pelos danos causados a terceiros, vítimas de mensagens ofensivas inadvertidamente por ela colocadas na rede.

Foi então que o Congresso norte-americano, temeroso de novas decisões como a de Stratton, apressou-se em incluir no Communications Decency Act (CDA) uma disposição (47 U.S.C. § 230) isentando os provedores de conexão e de serviço de responsabilidade na divulgação de conteúdo de terceiros. Não obstante a quase totalidade do CDA tenha sido julgada inconstitucional pela Suprema Corte norte-americana por violação da Primeira Emenda à Constituição (que dispõe sobre a liberdade de expressão), tal disposição – conhecida como “safe harbor provision” ou “good samaritan defense” – permanece em vigor, porquanto não limita referida garantia constitucional.

O debate sobre a interpretação da “defesa do bom samaritano”, porém, tornou-se acirrado após os casos Zeran v. America Online > e Blumenthal v. Drudge. No primeiro deles, Zeran ajuizou ação por perdas e danos sob o principal argumento de que a AOL havia agido com negligência ao ter retardado, injustificadamente, a retirada do ar de mensagens de terceiros difamatórias ao autor da ação.

Entretanto, o tribunal entendeu não existir, após a edição do CDA, distinção entre as figuras de editor e de distribuidor de mensagens eletrônicas enviadas por terceiros, mostrando-se incabível a responsabilização da provedora, ainda que tivesse agido culposamente. O mesmo se deu no caso Drudge, apesar de a corte ter reconhecido que a provedora não agira passivamente como uma companhia telefônica; pelo contrário, assumira o compromisso de exercer controle editorial sobre as agências de notícias que havia contratado.

Ao introduzir a “defesa do bom samaritano” não foi intenção do legislador norte-americano isentar os provedores de responsabilidade em qualquer circunstância.

Caso contrário, estariam eles autorizados a manter na rede mensagens ofensivas mesmo depois de notificados para retirá-las do ar. Tal defesa deve ser interpretada como uma excludente de responsabilidade apenas quando ao provedor não foi dado conhecimento do conteúdo ofensivo. Uma vez notificado para retirar do ar mensagem claramente difamatória, deve o provedor atender ao pleito, sob pena de ser responsabilizado.

Nesse sentido é o Projeto de Lei n. 4.906/01, substitutivo dos Projetos n. 1.483/99 e 1.589/99. De fato, referido Projeto: (i) isenta os provedores de conexão e de serviço de responsabilidade pelo conteúdo de informações por eles transmitidas (art. 35); (ii) desobriga-os de vigiar ou fiscalizar mensagens de terceiros (art. 37); e (iii) deixa claro que responde civil e criminalmente o provedor de serviço que, tendo conhecimento inequívoco da prática de crime em arquivo eletrônico por ele armazenado, deixar de promover a imediata suspensão ou interrupção de seu acesso, competindo-lhe notificar o infrator da medida tomada (art. 38).

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    é sócio do escritório Lazzareschi Advogados, em São Paulo, Capital, bacharel em Direito pela USP, advogado especializado em Cyberlaw & Society pela Harvard Extension School, e Internet Law pelo The Berkman Center for Internet & Society - Harvard Law School.

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