Cartel barrado

Justiça Federal barra prática de cartel no Piauí

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7 de fevereiro de 2002, 14h42

O juiz substituto da 3ª Vara do Piauí, Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, mandou os 126 postos de gasolina do Estado se absterem de cobrar preços unificados na venda de gasolina. “Induvidosamente, é sintomática a formação de cartel nesta Capital, pela prática concertada dos preços”, disse o juiz em sua decisão.

Oliveira mandou, ainda, que o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Piauí não interfira nas sociedades comerciais para acertar preços de produtos comercializados. Caso o sindicato ou postos de gasolina descumpram a liminar, terão que pagar multa diária de R$ 10 mil.

A Ação Civil Pública foi impetrada pelo Serviço de Defesa Comunitária, órgão do Ministério Público do Piauí (Decom). Segundo o procurador José Gil Barbosa Júnior, os postos de gasolina do Estado estavam praticando preços “abusivos e combinados”.

O preço do litro da gasolina teria chegado a R$ 1,92 em dezembro do ano passado. Depois que Decom entrou com a ação, alguns postos reduziram os preços para R$ 1,29.

Segundo o processo, quando a ação foi impetrada os preços estavam unificados em R$ 1,58 e R$ 1,59.

O advogado do Sindipetro, Valdeci Cavalcante, afirmou que a categoria vai recorrer para tentar provar que o Decom não é parte legítima para propor a ação. “A liminar pode ser mantida. Não importa. Os donos de postos de gasolina não praticam preços unificados”, disse.

Na opinião do advogado do sindicato, o governo deveria fixar uma tabela de preços do álcool e da gasolina. De acordo com ele, “a livre concorrência faz com que os donos de postos de gasolina baixem o preço para ficar menor ou igual ao de outro posto, mas não existe a prática de cartéis”.

Veja a decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PIAUÍ

Processo n. 2002.40.00.000681-4

Classe : 07100 – Ação Civil Pública

Autor: DECOM

Procuradores: José Gil Barbosa Júnior e Luísa Cynobellina de Assunção Lacerda

Réu: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Piauí – SINDIPETRO e Outros

Juiz Federal: Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira – 3ª Vara/PI

D E C I S Ã O:

Cuida a espécie de Ação Civil Pública, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada pelo Serviço de Defesa Comunitária – DECOM, órgão vinculado ao Ministério Público do Estado do Piauí em face do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Piauí – SINDIPETRO e sociedades comerciais listadas na inicial.

Noticia o autor que foi instaurado Inquérito Civil Público para apurar formação de cartel pelos revendedores de derivados de petróleo, consistente no acerto entre empresário do setor no sentido de uniformizar os preços praticados, inviabilizando a livre concorrência.

Esclarece, ainda, que os fiscais do DECOM lavraram autos de constatação, firmados inclusive pelos representantes das empresas, nos quais foram colhidos os preços da gasolina comum no patamar de R$ 1,58 ou R$ 1,59.

Dada a gravidade dos fatos, o autor protocolou representação à Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, ensejando processo administrativo naquele ente federal. Sobre o fato a Agência Nacional de Petróleo – ANP emitiu nota técnica consignado que “os preços praticados ao consumidor final estão praticamente iguais” e que a margem de comercialização estava muito elevada.

Enfatiza que esta linearidade de preços não se observa em outras capitais, inclusive em cidades longínquas e de difícil acesso como Macapá-AP.

Deduz que o alinhamento de preços é resultado de prévio acordo entre os revendedores e configura abuso do poder econômico das empresas.

A inicial vem guarnecida com farta documentação, em especial o Inquérito Civil Público, noticiário da imprensa, autos de constatação, nota técnica da ANP, pesquisas recentes de preços em Teresina e em outras capitais brasileiras, realizadas pela ANP.

É o relatório.

Reconheço a competência da Justiça Federal para, diante do quadro fático desenhado, aquilatar pretensa infração à ordem econômica, na dicção do art. 109, VI, da Constituição Federal.

É legítimo o DECOM valer-se das vias judiciais adequadas, em qualquer Juízo, federal ou estadual, para pugnar pela defesa dos interesses dos consumidores.

O provimento judicial buscado pelo autor é o reconhecimento do abuso orquestrado pelos revendedores de combustível, materializado na uniformidade de preços da gasolina comum e no aumento abusivo dos ganhos na sua venda.

Em primeiro plano, pertine ressaltar que os preços dos combustíveis não estão tabelados pelo Governo. Entretanto, este optou por uma política de liberação vigiada, considerando o aumento arbitrário dos lucros infração à ordem econômica, nos termos do art. 20, III, da Lei N. 8.884/94 c/c art. 10, V, da Lei N. 9.847, acrescentado pela Lei N. 10.202, de 20.02.2001.

Como bem demonstrou o autor, comparando os preços praticados em outras capitais, cujo levantamento é facilmente obtido no site da Agência Nacional de Petróleo na internet(www.anp.gov.br), a cidade de Teresina tem se notabilizado pelos preços elevados dos combustíveis. A pesquisa da ANP realizada entre 23 e 29.12.2001 revela idêntico valor de venda em todos os postos(1,93 ou 1,92), isso antes da redução de 25% dos combustíveis(fls. 132/134). As pesquisas mais recentes da ANP(13 a 19.01.2002 – fls. 127/129) dão conta da uniformidade de preços, variando entre 1,58 e 1,59.

Induvidosamente, é sintomática a formação de cartel nesta Capital, pela prática concertada dos preços, consoante robusta prova documental trazida aos autos pelo DECOM. Com efeito, há afronta ao art. 170, incs. IV e V da Constituição Federal, no qual estão albergados os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor. De igual sorte, a Carta Magna preconiza a repressão ao abuso do poder econômico com vistas à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros(art. 173,§ 4º).

Ainda que não demonstrada cabalmente a colusão entre os empresários do setor, contingência a ser objeto de apuração minuciosa no itinerário processual, revela-se plausível o paralelismo consciente, ou seja, a adesão oculta da categoria ao acordo, mesmo que inoficializado.

É importante destacar que logo que o DECOM ingressou em Juízo, alguns “postos de gasolina” reduziram para até R$ 1,29 o preço da gasolina comum, conforme amplamente divulgado nos jornais e na televisão. Isto, por si só, não retira o objeto da ação, até porque eventual majoração abusiva futura não fica descartada, de sorte que, no decorrer do processo, podem exsurgir tais fatos novos, sujeitos, porém, doravante, ao controle judicial, inclusive para fins de investigação criminal.

Destarte, neste juízo de cognição sumária, antevejo a relevância da fundamentação preambular. O perigo na demora evidencia-se na contínua lesão a uma quantidade indeterminada de consumidores vitimados com a prática abusiva. Presentes, portanto, os requisitos autorizadores do provimento precoce.

Ante o exposto, defiro a antecipação de tutela postulada para determinar que:

1. O SINDIPETRO se abstenha de intervir nas sociedades comerciais com o fito de acertar preços de produtos comercializados por seus filiados.

2. As sociedades comerciais demandadas cessem imediatamente a prática concertada de preços, ou seja, a fixação de preço único majorado para os combustíveis nesta capital, em especial a gasolina comum, bem como que apresentem a este Juízo, no prazo de 15 (quinze) dias, a planilha de custos, juntamente com os respectivos balancetes analíticos e fluxo de caixa, referente ao período de maio/2000 a janeiro de 2002.

O pedido de indenização por perdas e danos será analisado quando da sentença.

Fica cominada a multa diária de R$ 10.000,00(dez mil reais) para cada um dos demandados, inclusive o SINDIPETRO, em caso de descumprimento da presente decisão.

Requisito, outrossim, em caso de eventual inobservância desta medida judicial, que seja, sem prejuízo da multa supra-aludida, instaurado inquérito policial para apuração do delito capitulado no art. 4º, II, ‘a’, da Lei N. 8.137/90, contra os dirigentes das sociedades comerciais listadas na inicial e os dirigentes do sindicato aludido.

Intime-se o MPF e a União para manifestar seu interesse na presente demanda.

Expeça-se edital na imprensa oficial e na imprensa local, para que os consumidores interessados, se desejarem, possam integrar a lide na condição de litisconsortes ativos, nos termos do art. 94 da Lei N. 8.078/90.

Intimem-se e citem-se os réus por oficial de justiça.

Comunique-se a presente decisão à Superintendência da Polícia Federal no Estado do Piauí.

Teresina, 06 de fevereiro de 2002.

MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE OLIVEIRA

Juiz Federal Substituto – 3ª Vara/Piauí

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