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Juiz não aceita ar-condicionado velho oferecido como penhora

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7 de fevereiro de 2002, 9h10

Depois de perder definitivamente ação movida por um aposentado, a Federal de Seguros resolveu oferecer um ar-condicionado velho para penhora. Detalhe: o ar-condicionado velho serviria para quitar uma dívida de R$ 5 mil. O juiz da 50ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Marco Antonio Ibrahim, não aceitou. Mandou a seguradora pagar os R$ 5 mil devidos ao segurado e multa de 20% sobre o valor do débito.

Ibrahim lembrou que o aposentado é um beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita e a seguradora “demonstrou seu evidente menoscabo pela função jurisdicional, confiante quiçá em que os processos de execução, Brasil afora, podem se arrastar por anos mercê do emperramento da máquina judiciária”.

“Parece atentatório à dignidade da Justiça que diante destas circunstâncias a Seguradora venha oferecer um velho aparelho de ar-condicionado à penhora”, disse o juiz em sua decisão.

Para ele, a intenção da seguradora foi fazer uma “manobra acintosa e protelatória”, já que nem se deu ao trabalho de apresentar a nota fiscal do aparelho.

O juiz determinou ainda que a Superintendência de Seguros Privados – Susep – tome as providências administrativas diante da resistência da seguradora em pagar o seguro.

Veja a decisão

Estado do Rio de Janeiro

Comarca da Capital

50a Vara Cível

Termo de Conclusão

Proc. nº 2001.001.022528-7

Nesta Data, Faço Conclusão Destes Autos ao DD. Juiz de Direito Dr. Marco Antonio Ibrahim

Rio de Janeiro, 14/1/2002

Sônia Gomes Rocha da Conceição

Mat. 01/6260

Exeqüente: Rosires de Souza Pedroso

Executada: Federal de Seguros S/A

Decisão

Após sentença deste Juízo condenando a Federal de Seguros S/A, ora executada, a pagar valor de seguro obrigatório devido à parte requerente, sobreveio acórdão da colenda 18a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, por voto da lavra da exemplar Desembargadora Cássia Medeiros, confirmou, à unanimidade, a decisão condenatória de 1o grau.

Pois mesmo diante do trânsito em julgado do referido acórdão a devedora não se dignou a honrar o pagamento de sua dívida, o que ensejou o início da execução forçada e ainda depois de citada por Oficial de Justiça, ao invés de pagar ou, ao menos, garantir o Juízo com o depósito da quantia reclamada (pouco mais de cinco mil reais) a ré preferiu nomear à penhora um velho aparelho de ar condicionado…

No universo do mercado, o bem indicado à penhora pela devedora (fls. 79) constitui ativo que não goza de fácil liquidez, sendo certo que nem há informação sobre seu estado de uso, ou mesmo de funcionamento, e sequer se pertence, de fato, à executada. Colhe observar, outrossim, que a mais tosca estimativa do faturamento da empresa devedora, que é uma Seguradora, vem de revelar que o valor em cobrança se mostra praticamente inexpressivo.

A execução do acórdão da 18a Câmara Cível não passa de R$ 5.027,00 e parece atentatório à dignidade da Justiça que diante destas circunstâncias a Seguradora venha oferecer um velho aparelho de ar condicionado à penhora, data maxima venia.

Convém frisar que o credor é um senhor aposentado, beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita e a devedora com, rara insensibilidade, demonstrou seu evidente menoscabo pela função jurisdicional, confiante quiçá em que os processos de execução, Brasil afora, podem se arrastar por anos mercê do emperramento da máquina judiciária. Parou mal ! Vislumbro na conduta processual da Seguradora devedora, manobra acintosa e protelatória, dês que a executada nem se deu ao trabalho de apresentar a Nota Fiscal do aparelho que, bem de ver, foi descrito de forma lacônica e displicente como sendo da inexistente marca Splint Currir (sic) e, mais, com preço evidentemente superestimado (R$ 9.800,00)

Com base no art. 600, II do CPC imponho à exeqüente multa equivalente a 20% do valor atualizado do débito que poderá ser exigida pelo credor nestes mesmos autos.

No mais, a penhora de dinheiro tem a preferência legal e só em casos especialíssimos deve ser desconsiderada. Se é verdadeiro que a execução se deve fazer pelos meios menos gravosos para o devedor, não menos verdade é que, nem por isso, haver-se-á de impor ao credor meio tortuoso de liquidação para satisfação de seu crédito.

Considerando o diminuto valor em cobrança e considerando, ademais, a ordem de preferência legal, determino a penhora de 1% (um por cento) da renda bruta da parte executada até o montante do valor da execução. A penhora, assim determinada, não será gravosa à devedora, valendo notar que não se cuidando, in casu, de penhora de estabelecimento comercial prescinde-se da nomeação de administrador.

A incidência sobre o faturamento da executada equivale a dinheiro e deve preceder à penhora sobre bens de difícil comercialização, como dois elevadores situados na sede comercial da empresa. Artigos 655, 677 e 678 do CPC. O princípio de que a execução deve se feita pelo modo menos gravoso para o devedor inserido no artigo 620 do CPC deve ser conjugado com o direito do credor de título de dívida líquida e certa. Agravo provido. (TJ-RJ – Ac. unân. da 3a Câm. Cív., publ. em 29-4-99 – AI 98.002.05690 – Rel. DES. CARLOS LAVIGNE)

Expede-se Mandado, nomeado o 4o Depositário Judicial para a arrecadação. Faça-se constar do Mandado que desde já fica autorizada a nomeação de preposto com remuneração diária equivalente a 20% do valor do salário mínimo. Após a arrecadação, os valores penhorados serão depositados em conta judicial no Banco do Brasil à disposição deste Juízo.

Dada a resistência da Seguradora em cumprir uma determinação judicial de pagamento de indenização derivada de seguro obrigatório, oficie-se à SUSEP para que tome as providências administrativas que couberem.

Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2002

Marco Antonio Ibrahim

Juiz de Direito

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