Tiroteio cerrado

Ex-clientes acusam escritório de lavagem de dinheiro

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6 de fevereiro de 2002, 10h53

Acusado por grandes empresas ex-clientes de sacar ilegalmente milhões de reais que lhes pertencem, o escritório Graça Wagner Advogados, outrora reconhecido por sua especialização na área tributária, não resistiu. Formalmente, a banca ainda existe, mas como Graça Wagner Ltda., e não mais com a razão social de escritório de advocacia. Os ex-clientes alegam que seu titular, o jurista José Carlos Graça Wagner, está fora do Brasil.

Na Justiça, uma liminar determinou o bloqueio de sete imóveis em nome de companhias com holdings pertencentes a familiares do jurista. A decisão foi solicitada por três ex-clientes – a fabricante de bombas e compressoresSulzer Brasil S.A. e as livrarias e editoras Martins Fontes e Cultura – que acusam a banca de ter sacado, sem que soubessem, valores que lhes pertenciam.

A Sulzer alega apropriação indevida de pelo menos R$ 800 mil. No caso das duas livrarias, a soma é de R$ 400 mil. Os valores, segundo as empresas, estavam depositados em ações judiciais que questionavam tributos.

Mais do que isso, as empresas dizem que os imóveis adquiridos com os recursos levantados ilegalmente estariam sendo transferidos para empresas com holdings no Uruguai. O objetivo das transferências seria esvaziar o patrimônio do escritório e de seus sócios.

Além da ação judicial, as livrarias Cultura e Martins Fontes entregaram ao Ministério Público Estadual uma representação criminal na qual acusam o escritório de usar uma estrutura com off-shores uruguaias para ocultar bens e lavar dinheiro. A organização, argumentam, caracteriza formação de quadrilha.

O escritório Graça Wagner refuta todas as acusações. Segundo o procurador do escritório, José Eduardo Graça Wagner, filho de José Carlos, o escritório foi vítima de desvio de valores realizado por ex-associados, sem o conhecimento dos sócios da banca. José Eduardo Graça Wagner declara que o escritório é idôneo e sempre agiu legalmente.

Na defesa da banca e de seu pai, ele dispara acusações para todos os lados. Diz que a liminar obtida pela Sulzer e pelas livrarias pode ter sido “comprada”. Em outras acusações, envolve membros do Judiciário, de partidos políticos e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Em entrevista ao Valor, ele acusou a jornalista, autora da matéria, de ter recebido R$ 22 mil para escrever esta reportagem. Em conversa telefônica, gravada com a sua anuência, fez ameaças expressas à integridade física da jornalista: “Se você não falar exatamente o que eu estou falando eu te quebro a cara”.

Em um pedido de inquérito policial, constam transcrições de gravações em que ele teria feito ameaças semelhantes ao ex-associado Oscar Eduardo Gouveia Gioielli, advogado que trabalhou no Graça Wagner, a quem ele acusa de ter desviado recursos do escritório.

A liminar que determinou bloqueio de valores declara indisponíveis sete imóveis pertencentes à Stilco Empreendimentos Brasil e à Imetil Empreendimentos Brasil. As duas empresas têm, respectivamente, 99% da Stilco S.A. e da Imetil S.A. Com sede em Montevidéu, Uruguai, essas sociedades anônimas possuem, como sócios, filhos ou noras do tributarista José Carlos Graça Wagner.

Na ação, a Sulzer solicita a devolução de mais de R$ 800 mil em depósitos judiciais que teriam sido levantados pelo escritório Graça Wagner sem autorização do cliente. A empresa pediu o bloqueio dos bens da Stilco e da Imetil como forma de garantir o pagamento do valor.

Ao conceder a liminar, o juiz Claudio Teixeira Villar, da 28ª Vara Cível de São Paulo, chegou à conclusão de que a prova apresentada pela Sulzer “leva à conclusão de que o escritório não prestou contas à sua cliente, vendeu as propriedades para pessoas jurídicas dirigidas por seus próprios parentes, tudo com o nítido propósito de fraudar o credor”.

A decisão foi dada num processo que representa somente uma peça num grande quebra-cabeças. Ainda fazem parte das discussões documentos enviados ao Ministério Público e um pedido de instauração de inquérito policial no qual o ex-associado Oscar Eduardo Gouveia Gioielli declara ter sido ameaçado de morte por José Eduardo Graça Wagner.

A ação judicial na qual foi concedida a decisão que tornou os bens indisponíveis foi movida inicialmente pela Sulzer e, mais tarde, as livrarias Cultura e Martins Fontes entraram como parceiros na autoria do processo.

Ex-cliente do Graça Wagner, a multinacional Sulzer alega que contratou o escritório para acompanhar ações judiciais que contestavam a cobrança de tributos.

Nas discussões que envolvem pagamento de impostos, as empresas muitas vezes optam por depositar em uma conta judicial os valores em disputa. Como os processos podem tramitar durante muitos anos, os depósitos evitam um grande desembolso de caixa no caso de o Fisco ganhar a ação. Se a empresa é que tiver sucesso na discussão, ela poderá levantar, ao final do processo, os depósitos atualizados monetariamente.


Além de afirmar que os saques foram indevidos, a Sulzer diz que as empresas Imetil e Stilco foram utilizadas para ocultar bens em nome do escritório Graça Wagner ou de seus sócios. Esse seria um artifício para fazer com que, caso sejam condenados na Justiça, o escritório ou seus sócios não tivessem patrimônio suficiente para saldar as dívidas.

A multinacional e as livrarias sustentam que José Carlos Graça Wagner e sua esposa teriam vendido à Imetil do Brasil , de uma vez só, em contrato de 18 de junho de 2001, um total de oito imóveis. Parte deles foi declarada indisponível pela liminar. Quem representa a Imetil é uma das noras de Graça Wagner. Os ex-clientes dizem que a Imetil e a Stilco têm sede no mesmo endereço em que funcionava o escritório Graça Wagner.

Associado antigo quer a abertura de inquérito

O ex-associado do escritório Graça Wagner Advogados, Oscar Eduardo Gouveia Gioielli, pediu a instauração de inquérito policial porque declara ter sido ameaçado por José Eduardo Graça Wagner.

No pedido, Gioielli diz ter se desligado do escritório Graça Wagner em 28 de setembro de 1999. E afirma que o escritório levantou indevidamente depósitos em ações movidas pela Ceil Comercial Exportadora Industrial Ltda., que comercializa a marca de cosméticos Revlon. Gioielli diz que houve levantamento de R$ 2,7 milhões sem autorização do ex-cliente. A retirada teria acontecido em 30 de junho de 1999. Cinco meses depois, a Ceil teria descoberto o levantamento indevido.

Em 11 de dezembro, a Ceil notificou os advogados do Graça Wagner e anulou os poderes dados ao escritório para representá-la nas ações.

Em resposta à correspondência em que a Ceil exigia a devolução de valores supostamente retirados indevidamente, Gioielli teria respondido, via fax, que não era responsável pelos saques. Gioielli alegou que o único advogado do escritório com poderes para levantar o dinheiro era o tributarista José Carlos Graça Wagner.

O fax enviado por Gioielli foi usado em ação proposta pela Revlon contra o escritório de José Carlos. Gioielli diz que, com isso, passou a sofrer pressões de José Eduardo Graça Wagner para assinar ação indenizatória contra a Revlon. O pedido de inquérito gerou parecer do Ministério Público favorável à abertura de um processo criminal, segundo a advogada Alexandra Lebelson Szafir, que representa Gioielli no processo.

O procurador do escritório Graça Wagner, José Eduardo, diz que não houve retirada indevida ou ilegal de valores no processo da Ceil. Ele alega que o escritório possuía uma procuração da empresa, documento imprescindível para fazer os levantamentos.

“A Revlon devia R$ 7,5 milhões para o escritório”, diz. Segundo ele, a Revlon teria admitido a dívida e fez um acordo dando quitação do assunto. “Inclusive por isso é que se pode comprovar que não há mais ação nenhuma em andamento da Revlon”, declara José Eduardo.

A Ceil não quis comentar o assunto. A empresa moveu ação para cobrar do escritório Graça Wagner o que declarava ser um levantamento indevido. Em janeiro de 2000, chegou a obter liminar que bloqueava algumas contas bancárias. A ação foi, porém, encerrada com acordo que prevê confidencialidade.

Livrarias alegam ter recebido informação falsa

As livrarias Martins Fontes e Cultura declaram ter tido seus depósitos judiciais levantados indevidamente em abril de 1997. Elas alegam saques sem autorização de R$ 349,32 mil e R$ 87,14 mil, respectivamente.

Numa representação criminal entregue ao Ministério Público Estadual, as livrarias alegam que o escritório dava informações erradas a respeito do andamento de processos judiciais que tinham sido contratados com o Graça Wagner Advogados.

O diretor da Martins Fontes, Alexandre Martins Fontes, conta que o escritório Graça Wagner acompanhava, em nome da livraria, um processo tributário que teria finalizado em 1997. “Mas, até 2001, sempre que perguntávamos sobre essa ação, o escritório nos informava que ela ainda não tinha tido decisão”, diz ele. “Depois descobrimos que o processo, na verdade, havia terminado. Os valores depositados na ação tinham sido levantados em 1997 pelo escritório Graça Wagner”, diz.

“É inadmissível que uma empresa seja traída ou roubada por profissionais contratados para representar seus interesses”, declara o diretor da livraria.

A representação da Martins Fontes e da Cultura foi enviada ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). As livrarias pedem quebra de sigilo bancário e fiscal do escritório e a prisão preventiva de todos os envolvidos em supostos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

O promotor José Carlos Blat, do Gaeco, confirma o recebimento da representação e diz que o assunto está em investigação preliminar. Segundo ele, foram enviados ofícios à Justiça Federal com solicitação de informações. “Ainda não recebemos todos os dados pedidos”, declara. “Queremos verificar outras ações judicias nas quais houve atuação do escritório Graça Wagner.”


José Eduardo Graça Wagner nega que as empresas Imetil e Stilco estariam sendo usadas como forma de ocultar bens. “Manter empresas no Uruguai ou em qualquer país do exterior é perfeitamente legal”, diz. “Não há problema na venda de bens pelos sócios do escritório às empresas uruguaias. Tudo isso foi feito antes da ação judicial e antes que houvesse uma decisão declarando os bens indisponíveis.”

José Eduardo diz que a Stilco e a Imetil foram criadas por uma questão familiar, como uma forma de organizar a divisão do patrimônio entre os herdeiros do advogado José Carlos Graça Wagner. “O escritório e os sócios têm bens suficientes para pagar todos os valores que estão sendo alegados por ex-clientes do escritório. Não é preciso tentar atingir outras empresas.”

José Eduardo diz que o escritório quer pagar todas as dívidas supostamente pendentes. “O escritório chegou a entrar com uma ação de consignação e pagamento no qual propôs o parcelamento da dívida com a Sulzer. Houve, inclusive, o depósito da primeira parcela do acordo”, lembra. Segundo ele, o pagamento das parcelas não teve continuidade porque a Sulzer moveu a ação judicial na qual obteve a liminar que declarou indisponíveis alguns bens da Stilco e da Imetil.

Também teria havido tentativa de acordo com as livrarias Cultura e Martins Fontes. Segundo José Eduardo, as duas empresas foram chamadas para discutir o assunto, mas não teriam comparecido. José Eduardo diz que as dívidas com as duas livrarias realmente existem.

Mas, segundo ele, as supostas apropriações indevidas de valores pertencentes às livrarias não foram realizadas com conhecimento do tributarista José Carlos Graça Wagner, titular do escritório, nem dos sócios em São Paulo. José Eduardo sustenta que houve, dentro do escritório, suposto desvio de dinheiro sem conhecimento dos sócios.

Procurado, o escritório Inglez de Souza, Aith, Gentil Leite Advogados, que representa a Sulzer e as livrarias, não quis fazer comentários sobre as ações judiciais ou sobre a representação.

O escritório Graça Wagner, diz José Eduardo, tem 46 anos e nunca fez nada fora da legalidade. Segundo ele, o advogado Oscar Eduardo Gouveia Gioielli, ex-associado do escritório, teria se apropriado indevidamente de valores muito maiores do que os seus honorários.

Para tentar provar o que diz, José Eduardo pediu à OAB em São Paulo a formação de uma comissão para investigar as contas bancárias e ligações telefônicas realizadas dentro do escritório. “Eu ofereci a quebra de sigilo bancário do escritório”, diz ele. O objetivo, diz José Eduardo, é provar que os sócios do escritório são inocentes das acusações de se apropriar indevidamente de recursos de ex-clientes.

O presidente da OAB, Carlos Miguel Aidar, diz que o documento enviado por José Eduardo Graça Wagner é como um pedido de certificado de idoneidade. A solicitação foi analisada, mas foi recusada porque a investigação pedida não faria parte das atribuições do órgão. Aidar deixa claro que a recusa do pedido não teve nenhuma relação com o julgamento da idoneidade do escritório. O que a OAB concluiu, diz, é que atender o apelo do escritório não está entre os objetivos da Ordem.

Um pedido semelhante foi enviado por José Eduardo ao Ministério Público de São Paulo. O promotor Arual Martins diz que a solicitação foi encaminhada à Central de Inquéritos Policiais, órgão do MP que ainda deve analisar o assunto.

A advogada Alexandra Szafir, que representa o advogado Oscar Eduardo Gouveia Gioielli, diz que as acusações sobre desvio de recursos dentro do escritório são infundadas. Ela conta que essas alegações nunca foram feitas anteriormente. “Não há nenhuma acusação formal sobre esse assunto. São alegações absurdas. Por que, mesmo depois de tanto tempo, o escritório Graça Wagner nunca tomou nenhuma ação relativa à cobrança de honorários?”, questiona Alexandra. Gouveia Gioielli deixou o Graça Wagner Advogados em 1999.

Para a advogada, as acusações de José Eduardo não merecem nenhuma credibilidade. “O escritório está sendo acusado de ter feito levantamentos ilegais não só por um ex-cliente. Mas por várias empresas. É estranho quando muitos clientes diferentes fazem a mesma acusação.”

Alexandra conta que houve, por parte de José Eduardo, somente um pedido de instauração de inquérito policial para investigar suposta lavagem de dinheiro e sonegação fiscal cometidas por Gouveia Gioielli. Nesse pedido, José Eduardo teria apontado uma conta pessoal do ex-associado Gouveia Gioielli.

“Ele só não sabia que o meu cliente registrou todos os valores da conta na declaração de Imposto de Renda”, diz a advogada. “Os documentos foram apresentados e não se teve mais notícia sobre esse pedido.”

A advogada diz que todas as acusações de José Eduardo contra Gouveia Gioielli serão alvo de ação judicial por calúnia. “Absolutamente nada que ele fizer contra o meu cliente passará em branco”.

Fonte: Valor Online – Marta Watanabe

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