É intensa a polêmica que ronda os projetos de lei que visam à introdução do interrogatório on-line ou tele-interrogatório no sistema processual penal do País. Parece-nos que, entre nós, a primeira tomada de depoimento de um acusado nesta modalidade ocorreu em 1996, numa vara criminal de São Paulo, com uso de um sistema rudimentar, por assim dizer.
A "audiência" do réu realizou-se por e-mail, mediante digitação das perguntas e das respostas, sem som e imagem em tempo real. Atualmente, contudo, o teledepoimento é colhido de forma mais avançada, por meio de videoconferência, permitindo total interação entre o magistrado e o interrogado e os demais sujeitos processuais, com tecnologia audiovisual.
A respeito do tema, há especialmente duas iniciativas legislativas tramitando em conjunto no Congresso Nacional: o projeto de lei nº 2.504, de 23 de fevereiro de 2000, do deputado Nelson Proença, que é bastante sucinto, e o projeto de lei nº 1.233, de 17 de junho de 1999, de autoria do deputado Luiz Antônio Fleury, de São Paulo. Esta última proposta modifica a redação dos artigos 6º, 10, 16, 23, 28, 185, 195, 366 e 414 do Código de Processo Penal, alterando os critérios para realização do inquérito policial e possibilitando a realização de interrogatórios e audiências a distância, por meio telemático, "através de um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador".
A principal modificação proposta pelo projeto de lei nº 1.233/99 seria feita no art. 185 do CPP, cujo parágrafo único passaria a dispor que "Se o acusado estiver preso, o interrogatório e audiência poderão ser feitos à distancia, por meio telemático que forneça som e imagem ao vivo, bem como um canal reservado de comunicação entre o réu e seu defensor ou curador".
Em 12 de julho de 2001, o relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara, deputado Aldir Cabral (RJ) emitiu parecer pela aprovação, com substitutivo, do projeto Fleury, e pela rejeição do projeto de lei nº 2.504, de 2000, que tramita em apenso. A proposta do ano 2000 tem artigo único e é menos complexa que a iniciativa nº 1.233, de 1999. De fato, o art. 1º do projeto Proença determina que "No Processo Penal poderá o juiz, utilizando-se de meios eletrônicos, proceder à distância ao interrogatório do réu", ao passo que o parágrafo único dispõe que "O interrogatório, neste caso, exigirá que o réu seja assistido por seu advogado ou, à falta, por Defensor Público".
Embora sua redação permita o tele-interrogatório de réus presos e soltos, cremos que o projeto de lei nº 2.504, de 2000, tem poucas chances de aprovação bicameral. A proposição principal é sem dúvida a do deputado Luiz Antônio Fleury, que, se acolhida, inaugurará mais uma fase da justiça eletrônica no País, que não é senão uma das facetas do e-gov e uma das etapas de implantação da sociedade da informação no Brasil.
A controvérsia em torno do tele-interrogatório
Todavia, a questão é bastante controvertida. Diversas são as manifestações contrárias ao tele-interrogatório, sendo menos numerosa a oposição ao teledepoimento (para vítimas e testemunhas) e à tele-sustentação, esta para advogados e membros do Ministério Público. A utilização de videoconferência para a tomada de declarações de suspeitos de crimes levanta maior repulsa entre os críticos das aplicações de informática jurídica, tendo em vista a necessidade de assegurar os preceitos constitucionais que garantem aos acusados a ampla defesa e o due process of law.
O movimento de oposição ao interrogatório on-line tem sido capitaneado em nosso País principalmente pela Associação Juízes para a Democracia, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pela Associação dos Advogados de São Paulo e por outras entidades de âmbito estadual e nacional, inclusive órgãos públicos.
Com efeito, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça manifestou-se contrariamente ao tele-interrogatório no Brasil. A Resolução nº 5, de 30 de setembro de 2002, fundada nos pareceres dos conselheiros Ana Sofia Schmidt de Oliveira e Carlos Weis, rejeitou a proposta, consubstanciada na Portaria nº 15/2002, de adoção do sistema, mesmo para a ouvida de presos considerados perigosos.
Na conclusão do parecer da conselheira Ana Sofia Schmidt de Oliveira, divulgado pela Revista Consultor Jurídico, entendeu-se ilegal o tele-interrogatório e recomendou-se a "não utilização de recursos do Funpen para aquisição dos equipamentos de videoconferência a serem utilizados em atos judiciais, sem prejuízos de outras formas de utilização, em especial nas instâncias administrativas, como para o acionamento dos órgãos de corregedoria e ouvidoria do sistema penitenciário".
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