Vida pública

Moralidade é requisito básico para exercício de função pública

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24 de agosto de 2002, 19h54

Com a redação atual dada pela EC 4/94, dispõe o artigo 14, parágrafo 9º da Constituição Federal que: “Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato…..”

Ou seja, a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, deverá também ser considerada a vida pregressa do candidato.

Releva notar que, in casu, não se trata de criar hipótese de inelegibilidade, esta sim, objeto de lei complementar. Trata-se de conferir aplicabilidade à salutar norma constitucional que manda tomar em conta, nas inelegibilidades, também a vida pregressa do candidato.

E não há se cogitar da necessidade de definição legal de vida pregressa para aferição de seus efeitos na órbita eleitoral. Posicionamento em contrário configuraria excesso e má interpretação, uma vez que a Constituição, em diversos artigos exige probidade para o exercício de qualquer função pública, em franco repúdio à improbidade (artigo 5o LXXIII, artigo 14, parágrafo único; artigo 15, V e artigo 37, parágrafo 4o), bastando apenas emprestar eficácia aos princípios constitucionais que repudiam a improbidade. Ademais, tratando-se de conceito jurídico genérico, deverá ser considerado pelo Judiciário, de forma objetiva, diante do fato concreto.

Frise-se que a moralidade é inerente ao cargo público, razão pela qual não se pode deixar de questionar quanto à capacitação moral do candidato que pretende alcançá-lo.

Supor que o povo, por si só, exclui da vida pública os governantes que lhe são nocivos é utopia, até porque aqueles se utilizam das mais diversas artimanhas para ludibriar o imaginário coletivo. Normas existem, basta apenas colocá-las em prática.

Exigir o trânsito em julgado das decisões que reconhecem a prática de ato de improbidade com conseqüente dano ao erário ou de ato criminoso contrário e incompatível com o exercício do cargo que se almeja é o mesmo que desconsiderá-las, e assim não só fragilizar o Judiciário como onerar ainda mais a sociedade obrigando-a a fazer vistas grossas ao já comprovado. A sociedade não pode ser submetida a uma situação dessas!!! Na hipótese o interesse público deve prevalecer sobre o privado.

Compartilhando do dizer de Djalma Pinto: “Todo cidadão tem direito ao governo honesto, esse, efetivamente, o reconhecimento do constituinte ao atribuir magnitude constitucional ao princípio da moralidade, que precisa ser melhor avaliado entre nós”.

Sob o mesmo prisma, com lucidez inquestionável pondera a ilustre Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha:

“A moralidade administrativa não é uma questão que começa e termina na qualidade dos homens, mas na qualidade do sistema jurídico, político e administrativo vigentes em determinada sociedade estatal. Afinal, sabe-se que o Estado não é uma organização de santos. E porque não o é, cogita-se dos sistemas jurídico, político, econômico e administrativo para se aperfeiçoar as formas de convivência social. Fosse o Estado uma sociedade de santos, não precisaria ele desses sistemas.

No exercício da liberdade humana não se promovem milagres, menos ainda o da transformação da essência do homem; produz-se apenas o Direito, suficiente para que, no exercício daquela liberdade, se concretize o ideal de Justiça pensado e buscado em determinada sociedade de homens dotados do bem e do mal. Homens são os mesmos em todos os lugares: têm as mesmas necessidades, as mesmas aspirações, o mesmo ideal de ser feliz. O que muda de um para o outro lugar é o sistema de normas de convivência por eles concebido e praticado para o atingimento de seus objetivos.” (in Princípios Constitucionais da Administração Pública, fls. 185).

Por outro lado adverte o mestre Canotilho:

“… além de constituírem princípios e regras definidoras de diretrizes para o legislador e a administração, ” as normas programáticas” vinculam também os tribunais, pois os juízes ” têm acesso à Constituição”, com o conseqüente dever de aplicar as normas em referência ( por mais geral e indeterminado que seja o seu conteúdo) e de suscitar o incidente de inconstitucionalidade, nos feitos submetidos a julgamento dos atos normativos contrários às mesmas normas.” (Direito Constitucional, fls. 193)

E mais:

“….a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”, pois, ” na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima de lei fundamental. Consequentemente, deve dar-se primazia às soluções hermeneuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a “actualização” normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência (in Direito Constitucional, págs. 233 e 235, ed. 1992, Livraria Almedina).

Efetivamente. Permitir-se que candidatos incapacitados e descomprometidos com a moral, a ética e o interesse público lancem suas eloqüentes campanhas visando convencer pelo discurso, nestes casos em franca dissonância com suas ações pregressas, sem nenhuma restrição e prévia seleção, consiste verdadeira omissão.

É hora do Judiciário, de forma enérgica, isenta e destemida, como poder de seu tempo, interpretar as Leis e extrair da Constituição Federal os princípios que lhe são inerentes, visando suprir as falhas que residem na aplicação das normas que disciplinam o acesso ao poder.

Caso contrário, será assim que se degradarão as instituições e se corromperão os fundamentos da ordem constitucional democrática. Mas, aos que assim não entendam, que reste a reflexão….

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