Caso Tim Lopes

O retrato do abandono das vítimas criminais no Brasil

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23 de agosto de 2002, 13h23

No dia 7 de agosto de 2002, a TV Globo divulgou o resultado das investigações do caso do assassinato do jornalista “Tim Lopes”. As conclusões da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro apontando culpa, também, por parte da vítima espelham a triste realidade das vítimas criminais no Brasil.

Estamos num país em que o criminoso pode quase tudo. Vivemos uma realidade onde as polícias são mal remuneradas e não se entendem. As agências estatais de controle da criminalidade não conseguem atingir nem 1% dos crimes ocorridos e estão, na maioria dos casos, brigando entre si e mais preocupadas com a forma do que com seus principais objetivos. Nessa realidade já tanto escrita e reescrita, uma verdade não pode se calar. É a que trata do destino da vítima criminal no Brasil.

Aqui no Brasil, o descaso do Estado com a vítima já começa com a desconfiança que a polícia tem na vítima. Aliás, o primeiro suspeito de um crime acaba sendo a própria vítima. Se teve um carro furtado, a pergunta era por que deixou o carro ali, por que não tinha seguro; se sua casa foi furtada, por que não tinha vigia, por que você viajou; se um trombadinha assalta uma mulher, por que você andava com bolsa?

Vítimas afirmam que inúmeras vezes foram mais maltratadas por policiais de que pelos criminosos, aliando-se a isso uma constante indiferença: por que não colocou um ferrolho na porta? (E o arrombamento foi pela janela); como pode ir veranear sem deixar um vigilante tomando conta da casa? Por que não guardou uma relação de suas jóias e pertences? Você não foi o único assaltado; temos uma quantidade enorme de queixas a apurar etc (1). Urge uma reflexão imediata por parte das autoridades quanto ao tratamento prestado à vítima nas delegacias de polícia, secretarias criminais e nas promotorias de justiça. Vítima não é testemunha. As vítimas não devem continuar a serem tratadas como objetos de direito, e sim, sujeitos de direito.

Sem embargo do tratamento humano e digno para a pessoa, o mau atendimento à vítima, não poucas vezes, leva ao fracasso da investigação e repressão à delinqüência, já que a informação preliminar pode derivar duma obtenção por forma errônea, precipitada ou decorrente da situação na qual a vítima foi colocada que a inibe ou impede de direcionar fatores relevantes para a persecução penal.

Aliás, isso é muito comum hoje em dia, em vista da total ineficiência estatal para a securidade social, levando ainda, em número considerável, pessoas a não comparecerem sequer para comunicarem os fatos dos quais foram vítimas (2).

A vítima é incentivada no Brasil a não procurar a Polícia, por conta do próprio tratamento que recebe quando procura ajuda do Estado. É um mal exclusivo da Polícia? Claro que não. Procure um promotor, ele te manda na Polícia; procure um juiz, ele te manda no promotor; procure o policial militar; ele te manda no delegado; procure o delegado e você será encaminhado ao promotor etc..

Além do “empurra-empurra” que o Estado faz com a vítima criminal no Brasil, você ainda encontra a desconfiança da Polícia na vítima, o que só serve para acarretar mais impunidade em nosso país. Esse sofrimento causado pelo descaso do Estado é chamado de vitimização secundária.

A sociedade civil deve buscar participar de forma imediata no problema das vítimas. O Estado deve fomentar, através de subsídios, a criação de organizações não governamentais que dêem assistências às vítimas criminais. Vários países, entre eles, Estados Unidos, Nova Zelândia, Inglaterra e Portugal, possuem organizações que prestam grande assistência às vítimas, inclusive em nível jurídico, psicológico e social.

A sociedade para atingir o valor básico de dignidade da pessoa humana, também deve zelar pelos direitos das vítimas. Isso pode ser feito promovendo a criação de entidades, tais como as associações de proteção às vítimas existentes nos Estados Unidos, subsidiando-as com fundos provenientes das multas aplicadas no sistema criminal brasileiro.

O descaso para com a vítima passa não só pelo fato de que os crimes, em sua grande maioria, têm como sujeito ativo pessoas de parcos recursos materiais, impossibilitando efetiva reparação, mas também porque a própria vítima desconhece a importância da reparação como fator de prevenção criminógena e não raro dispensa essa reparação (3).

Recentemente tivemos o advento da Lei Federal 9.807/99 que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas (4). Muito tímida no trato da questão das vítimas, a referida lei vem sendo mais aplicada na proteção das testemunhas.

O assassinato de Tim Lopes e seu tratamento pelo Estado retrata a realidade das vítimas criminais em nosso país. Não foi só com “Tim Lopes”. Acontece todo dia, em todos os Estados e com nossos amigos, colegas, conhecidos, desconhecidos, próximos ou não, etc…

Por fim, é de se registrar que tive a oportunidade de publicar recentemente uma pesquisa dobre o tema pela Editora Mandamentos de Belo Horizonte (MG), com o título Vítima e Direito Penal. Os interessados em conhecer melhor a situação da vítima criminal em nosso país poderão naquela obra encontrar subsídios para uma melhor compreensão da matéria.

Referências Bibliográficas

(1) Essas expressões demonstram que a vítima é interrogada ou inquirida indiferentemente ou sem qualquer contemplação como se fosse culpada pela violência sofrida. Responsabilizar a vítima pelo que sofreu amplia enormemente a agonia psíquica, como se fosse uma nova agressão. LEÃO, Nilzardo Carneiro. Violência, Vítima e Polícia. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 11, Brasília, Ministério da Justiça, janeiro-junho de 1998, p. 89.

(2) PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. O impedimento a vitimização secundária pela polícia e justiça. Disponível na Internet: http://www.direitopenal.adv.br.

(3) FELIPETO, Rogério. Reparação do dano causado por crime. Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 143.

(4) Sobre essa lei ver: MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Comentários à Lei de proteção das vítimas, testemunhas e réus colaboradores, São Paulo, RT 773, 2000, p. 425-443.

Bibliografia Sugerida:

CALHAU, Lélio Braga. Vítima, Direito Penal e Cidadania. Boletim do ICP – Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais, 3, Belo Horizonte, ICP, maio de 2000.

Vítima, Justiça Criminal e Cidadania – O tratamento da vítima como fundamento para uma efetiva cidadania. Revista Brasileira de Ciências Criminais 31, São Paulo, RT, 2000.

REVISTA DIREITO PENAL. Disponível na internet: http//www.direitopenal.adv.br. [13.08.02]

SOCIEDADE BRASILEIRA DE VITIMOLOGIA. Disponível na Internet: http://www.sbvitimologia.hpg.ig.com.br.

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