Casamento seguro

Cresce a importância do pacto antenupcial na união estável

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17 de agosto de 2002, 16h17

Cresce a importância do pacto antenupcial à medida em que a união estável é regulamentada com maior facilidade e também existe uma maior caracterização da figura do dano moral em virtude da quebra da promessa de casamento ou noivado. O presente artigo tenta desvendar mais amiúde quais relevantes questões podem ser abordadas pelo referido pacto.

Pelo pacto os noivos poderão traçar o regime de bens que quiserem. É possível tecer restrições tanto a comunhão universal como a comunhão parcial de bens, ou ainda, instituir uma rigorosa separação patrimonial.

É bom ressaltar que ele deve ser estabelecido por escritura pública e respeitar a órbita de liberdade traçada previamente pelas normas de ordem pública. Vale dizer que se uma das cláusulas se insurgirem contra direitos e deveres traçados como cogentes aos noivos, será considerada não-escrita.

O Código Civil vigente conhece quatro tipos diferentes de regime de bens: comunhão universal; comunhão parcial; separação e o do total, que fora sepultado pelo projeto do Código Civil recém aprovado (em 16.08.2001).

Como contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, durante o matrimônio (in Lafaytte Rodrigues Pereira), sendo de sua substância o instrumento público e, até seu registro em competente cartório imobiliário quando versar sobre bens e direito reais.

Trata-se também de negócio jurídico condicional posto que sua eficácia fica subordinada à ocorrência do casamento (art. 256, parágrafo único, II C.C.). Inicialmente opera-se mediante condições suspensiva, pois, enquanto o casamento não ocorrer, o pacto antenupcial não entra em vigor.

A lei concede relativa faculdade aos noivos em estipularem o que lhes aprouver aos seus bens. Eles podem optar por um dos regimes disciplinados pelo Código Civil, ou ainda combinar regras híbridas, estabelecendo, então, um peculiar regime de bens.

Liberdade de ajuste limitada, pois conforme dispõe o art. 257 do C.C., será considerada não escrita a convenção ou cláusula que prejudique os direitos conjugais, ou paternos, ou que contrarie disposição absoluta e cogente da lei.

A cláusula que elimina a necessidade da outorga uxória para alienação de bens imóveis por parte do marido é nula independente do regime de bens. Esta cláusula é indispensável, pois se eleva na necessária tutela ao patrimônio da família e, virtualmente, da prole.

Também será considerada a ineficácia da cláusula, se a convenção antenupcial preconizar o regime da comunhão universal de bens ou da comunhão parcial de bens, quando deveria forçosamente efetuar-se pelo regime de separação de bens (ex: art. 226 do C.C.).

No mesmo sentido, incide aquela convenção(1) que estipula a comunhão de aqüestos inclusive a de bens que os cônjuges viessem a adquirir por direito hereditário. Desde que a esposa tenha declarado que só desposara o marido na expectativa de vir a se beneficiar em sucessão de seu consorte, então julgado, enxergou que o referido pacto encobriria um acordo sucessório. Nesse caso, seria decretada a nulidade da convenção porque o art. 1.089 do C.C. proíbe negócio sobre a herança de pessoa vida.

De qualquer maneira, sendo nula a convenção antenupcial, será aplicado aos bens dos cônjuges o regime legal (que atualmente tendo em vista a Lei 6.515/77 é o da comunhão parcial de bens) (2).

O pacto escolhido entra em vigor com a celebração regula do casamento, sendo este plenamente válido e eficaz, não podendo ser mais modificado, em nosso atual sistema. O que no Projeto de C.C. recém-aprovado (2B)poderá ser objeto de modificação ultrapassados os dois primeiros anos de casamento e, mediante a anuência expressa do outro cônjuge.

Na escritura pública antenupcial(3) os cônjuges deverão estar presentes para assiná-la. Podem participar terceiros, parentes ou não, que façam doações aos noivos em razão do casamento a ser realizado.

A legitimação para essa escritura não é idêntica àquela para os atos civis em geral, mas à mesma legitimação matrimonial, identificando-se seus requisitos com os exigidos para contrair matrimônio.

Podem realizar pacto antenupcial os que podem casar. Desse modo, os menores e interditos podem firmar pacto com assistência dos respectivos pais, tutores e curadores.

Caio Mário da Silva Pereira ressalta a posição contrária majoritária, e a redação do Projeto de 1975, que é expresso a respeito, entendem que essa assistência não é necessária, porque se trata de interferência indevida na vontade do nubente e de certa forma um atentado à liberdade matrimonial.

Existe uma perplexidade ainda não solucionada em face da possível celebração de casamento por procuração, na hipótese de revogação, por morte ignorada pelo mandatário e, convolado tal casamento de boa-fé por parte do outro cônjuge.

Ter-se-á, in casu o casamento putativo inexistente, que alguns doutrinadores não admitem como possível. E na hipótese de celebração de convenção antenupcial? Se o casamento é nulo, invalida o pacto. Se anulável o casamento, caberá ratificar posterior do pacto? São discutíveis as soluções apresentadas quer pela doutrina quer pela jurisprudência(4).

A finalidade do pacto é exclusivamente regular o regime patrimonial dos cônjuges. Admite-se porém, o reconhecimento de filho legítimo, cujo conteúdo da declaração basta como regra geral, de si, independentemente do documento em que se encontre. Cuida-se, em última análise, de prova escrita de filiação.

Se anulável pode ser ratificada, como os negócios jurídicos em geral. Se for nula, no entanto, não admitirá ratificação, sujeitando-se o casamento ao regime legal da comunhão parcial. Por outro lado, pode ser válido o pacto e inválida alguma de suas disposições que afetam normas de ordem pública ou prejudicam direitos conjugais ou do pátrio poder. Aplica-se o princípio utilitr por inutile non vitiatur.

Na sistemática da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), trata-se de registro, conforme o estabelecido no art. 167, I, 12. Permite-se a averbação das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal nos registros referentes a imóveis e a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento.

Essa averbação tem como finalidade acautelar terceiros que contratam com o casal. Não esqueçamos, porém, que do assento de casamento deverá constar obrigatoriamente (ex vi art. 70, 7, LRP).

A importância do pacto antenupcial não existe só para regular as relações patrimoniais entre os cônjuges como também com possíveis reflexos como conhecimento ou legitimação de prole havida antes do casamento e até para criar um regime peculiar (5) dentro da esfera permitida por lei, para reger os defeitos patrimoniais do casamento.

Notas de rodapé

1. Pactum, no sentido de ser ajuste, vença, convenção, tratado. O verbo pactear é inclusive abonado por Ruy Barbosa. É facultativo, mas necessário, se os nubentes desejam adotar regime matrimonial que não exatamente o legal, visto que não há outro meio de o instituir.

2. Nelson Carneiro, um dos autores da lei divorcista disse: “que desde de 1950 vem defendendo a substituição do regime de comunhão universal de bens pelo da comunhão parcial; (…). Agora, os bens havidos durante o casamento são dois patrimônios: os bens levados pelo noivo para o casamento serão exclusivamente dele e os bens levados pela noive para o casamento serão exclusivamente dela. Isto é muito útil porque acaba com aquela classe de caça-dotes”.

2-B. Aliás, cogita-se também sobre o pacto anterior a união estável, obtendo-se uma nomenclatura confusa chamados por alguns de pré-convivencial ou pré-concubinato.

3. Não é pacto regulado pelo direito das obrigações, ressalta Carbonnier, seu caráter institucional verificado o casamento, as partes, ainda de comum acordo não podem modificá-lo e nem dissolve-lo. São intangíveis suas disposições que prevalecerão até a dissolução da sociedade conjugal, portanto vige sua imutabilidade no interesse da família e de terceiros.

4. A respeito da validade do pacto antenupcial nestas condições, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes, porém, na hipótese de inexistência ou invalidade da convenção, mesmo diante do regime de separação de bens a Súmula STF 377 admite a existência da comunhão dos aqüestos.

5. É certo inclusive pela revogação expressa pelo texto constitucional vigente, descabe o privilégio da administração do marido, e toda sorte de distinções havidas e impostas pelos arts. 233, 234, 240, 241, 247 e 251, bem como a hipótese dos bens reservados da mulher casada estipulada pela Lei 4.121/62. Não se pode alterar a ordem da vocação hereditária, aliás, a matéria sucessória é de ordem pública. Nada obsta, porém que se pactuem regimes diferentes para cada um dos cônjuges.

É nula a cláusula antenupcial que prevê o regime de bens diverso do pactuado para o caso de dissolução conjugal sem prole, pois seria institucionalizar a obrigação generandi do casamento. O marido de posse de bens particulares da mulher será responsabilizado ora como usufrutuário, mandatário e gestor sempre sendo solidariamente responsável.

A única hipótese de não incidência do regime legal previsto no art. 258 C.C. é a prevista de Lei 6.515/77 em seu art. 45, desde que o casamento se seguir a comunhão de vida existente anteceda a data de 28.06.1977 e durado por 10 anos, ou da qual tenham resultado filhos, caberá a livre escolha de regime de bens.

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