Direito administrativo

A nova era do contrato administrativo e as agências reguladoras

Autor

  • Mauro Roberto Gomes de Mattos

    é advogado autor do livro 'O Contrato Administrativo'; vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público; membro da International Fiscal Association e conselheiro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social.

17 de agosto de 2002, 15h48

O traço marcante dos séculos passados era o intervencionismo do Estado na economia e, conseqüentemente, a convivência da sociedade com leis reguladoras desta intervenção.

O serviço público em geral ficou encapsulado pelo domínio do Poder Estatal, tendo o seu nascimento florescido na França, que, através de uma administração direta ou indireta, construiu o “velho” direito administrativo. As concessões do serviço público eram regradas por uma margem bem dilatada de discricionariedade do administrador, sendo certo que a natureza do contrato administrativo assumia certos contornos sempre voltados para a manutenção do intervencionismo ou da ingerência pública, com a prestação direta do Estado dos serviços essenciais para a sociedade.

O Estado passado faliu, abrindo campo para o nascimento do moderno conceito de Estado, voltado pela concepção do bem comum, com a preocupação da qualidade do serviço prestado à coletividade.

Não havia a menor dúvida de que o Estado necessitava reduzir o seu tamanho, permitindo que vários segmentos da atividade econômica, que estavam estrangulados, fossem revitalizados pelos investimentos privados e pela própria dinâmica operacional do setor privado.

Nas áreas de telefonia, energia elétrica, petróleo, vigilância sanitária, dentre outras, o Estado não conseguia mais realizar os investimentos necessários, tanto para a modernização dos citados segmentos quanto para o atendimento pleno das necessidades básicas do consumidor.

Toda vez que o consumidor ou usuário do serviço se defrontava com um serviço público relevante sendo prestado de forma deficiente e a um custo elevado para a sociedade alguma coisa estava errada.

Após a constatação deste elevado ônus para a sociedade como um todo, e visando diminuir o déficit público em face da grande e emperrada envergadura do Estado Empresário, o único caminho saudável foi a desestatização, implementada pelas inúmeras e necessárias privatizações.

Com esta evolução, necessário se fez que o Estado fosse submetido a uma completa reforma, objetivando navegar no rumo da modernização, adotando nova metodologia de financiamento da infra-estrutura, abrangendo as privatizações, as concessões e as parcerias de modo geral.

A orientação da nova política mundial foi a de incentivar a iniciativa privada a assumir a prestação de serviço de certas atividades públicas, com o firme compromisso de aportar investimentos necessários para a realização de um serviço eficiente e com economicidade para o consumidor.

No Brasil tal fenômeno se verificou também, eis que a perda progressiva da capacidade de investimento do nosso país em infra-estrutura comprometia diretamente a qualidade da prestação dos serviços públicos, causando desequilíbrios econômicos pela elevação do chamado “custo Brasil”.

Com a vinda da Lei das Concessões (n.º 8.897/95), o poder público foi dotado de instrumento legal capaz de possibilitar a elevação da qualidade de vida dos usuários e gerar empregos com a retomada dos investimentos, sanando o significativo déficit de investimentos, inclusive nos âmbitos estaduais e municipais.

Com a desvinculação do Poder Público das suas responsabilidades de executar obras e serviços públicos, para que o usuário do serviço não ficasse desguarnecido, cuidou o Estado de assumir a elaboração e execução da política regulatória de todos os setores da economia em que as empresas estatais assumiam o papel de concessionárias de serviços públicos.

Não seria salutar para a sociedade que as empresas que eram dominadas pelo setor público e, agora, passaram, através do processo licitatório, para as mãos do setor privado, ficassem sem uma regulamentação e fiscalização própria, com agilidade eficaz e permanente, tendo em vista que o serviço prestado pelo concessionário constitui atividade própria do Estado.

Se tal incumbência ficasse a cargo do Poder Executivo diretamente, a burocracia seria total, emperrando a fiscalização da qualidade e das metas traçadas pelo contrato de concessão/permissão, prejudicando o próprio processo de privatização.

Por isto é que foi imperioso que o Estado criasse as agências, autarquias de caráter especial, com competência e personalidade jurídica própria, possuindo inspiração no direito norte-americano, onde elas exercem uma administração singular, com o exercício de tutela e poder de polícia sobre o prestador de serviço público.

Portanto, cabe ao setor privado contribuir com o crescimento econômico, financiando o desenvolvimento traçado pelo Governo, bem como ser o agente executor dos serviços públicos privatizados, sob vigilância de perto das chamadas agências, que, dentro do princípio da legalidade e das metas jurídicas que elas possuem como fim, fiscalizam e regulamentam os serviços prestados.

Surge, por conseguinte, a figura da Agência Reguladora, que possui a missão de traçar metas, objetivos, regras estáveis e tudo o mais que for necessário para o aprimoramento dos serviços públicos entregues a iniciativa privada, sempre na busca da eficiência e regularidade do serviço com preços razoáveis e módicos, sem que, com isto, macule a livre concorrência.

À Agência Reguladora compete a permanente tarefa de fiscalizar a implementação das técnicas gerenciais modernas, com o objetivo que o concessionário preste serviço público com eficiência, qualidade e preços competitivos. Para isso, o Estado deverá criar e manter condições favoráveis ao desenvolvimento econômico (infra-estrutura), defendendo o mercado e as liberdades econômicas das pessoas vinculadas à prestação dos serviços públicos.

Esta é a nova era do direito administrativo, que se desenvolve atualmente com a verificação da teoria dos contratos de colaboração, que apesar de inexistir no início do presente século, segundo Arnoldo Wald, passou a ser resultado prático do “direito da crise”.

Com a abertura ampla da competição, os setores desestatizados sofrem uma regulamentação própria das Agências que estabeleceram a possibilidade da expansão dos serviços dos concessionários, sem que haja a necessidade de uma nova licitação. Aliás, a Lei de Licitação (8.666/93) é afastada do presente contexto, valendo a regulamentação própria de cada área, ex vi legis. Essa é a nova fase do contrato administrativo na era das Agências Reguladoras.

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    é advogado, autor do livro 'O Contrato Administrativo'; vice-presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público; membro da International Fiscal Association e conselheiro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social.

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