Denúncia

Leia relatório da comissão da OAB-SP sobre investigações do Gradi

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15 de agosto de 2002, 20h56

O vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, João José Sady, enviou ao coordenador geral das comissões da entidade, relatório sobre a investigação das denúncias que envolvem o Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (Gradi).

No relatório, mostra como aconteceu a participação dos presos no trabalho do Gradi e o possível conhecimento do comando da Polícia Militar sobre o assunto.

Leia a íntegra do relatório da comissão de Direitos Humanos

Exmo. Sr. Dr. Coordenador Geral das Comissões da OAB-SP

Nos últimos dias, a imprensa vem noticiando fartamente a vasta polêmica em torno de um conjunto de questões entrelaçadas, que se iniciaram com a chamada “operação castelinho” e seus sucessivos desdobramentos.

A complexidade de tal cenário tende a encobrir o papel desempenhado por esta Comissão de Direitos Humanos em fatos tão polêmicos. Por tais motivos, peço vênia para apresentar de modo formal e escrito a V. Exa., um resumo sobre o tema, contendo tudo o que já foi exposto verbalmente e que é de pleno conhecimento do Presidente Carlos Miguel Castex Aidar:

1- Os juízes da Corregedoria dos Presídios da Comarca da Capital, há quase dois anos, vinham liberando presidiários, que cumpriam pena em regime fechado, a deixar o cárcere para viver aqui fora em regime de semi-liberdade, com a finalidade, agora tornada conhecida, de serem ativados em operações de investigação policial.

2 – Conforme consta dos ofícios e certidões expedidas, tais meliantes eram entregues ao órgão denominado de Grupo de Repressão e Análise de Delitos de Intolerância – GRADI. Passavam, então, a residir, oficialmente, no quartel de cavalaria onde se situava a base daquela unidade policial, com autonomia para entrar e sair no horário que desejassem, bem como dormir fora da unidade, sem qualquer escolta.

3 – Tais regalias eram deferidas em troca de que estes indivíduos efetuassem trabalhos de infiltração em grupos criminosos, para obter informações que possibilitassem a prisão dos meliantes. O apogeu da atividade de tal grupo, resultou na denominada “operação castelinho” apresentada à imprensa como grande vitória das forças policiais contra o crime organizado.

4 – Conforme relatório apresentado por tais servidores públicos ao Juiz Corregedor da Polícia, aquela unidade, juntamente com os seus colaboradores presidiários, infiltrou-se em certa quadrilha que lhes confessou larga série de crimes, bem como, o projeto de praticar assalto no aeroporto de Sorocaba, no dia 5 de março de 2002.

Registre-se que a maioria destes elementos era constituída de fugitivos escapados às prisões e que deveriam ter sido imediatamente detidos.

5 – Ao invés de efetuar a prisão dos meliantes, os agentes, teriam colaborado com a organização e execução do delito em perspectiva. Utilizaram-se de viaturas policiais descaracterizadas, foram ao local do crime, associaram-se aos criminosos, ajudando-os a planejar e executar o delito, em seus menores detalhes. Tudo foi conduzido de modo que, com quarenta e oito horas de antecedência, os agentes policiais tinham pleno conhecimento de quem e quantos eram os delinqüentes, de onde sairiam, com quais armamentos, etc..

6 – Novamente, ao invés de simplesmente efetuar a prisão dos meliantes, os agentes organizaram um comboio para transporta-los, composto de um ônibus, uma D-20 e uma Ranger. Tal cortejo era capitaneado pelos agentes e seus colaboradores presidiários, que viajavam numa viatura policial (parati de cor prata) descaracterizada que, liderando o grupo, conduziu-os a uma emboscada, na qual foram eliminados fisicamente por tropas policiais, com o uso de força letal, em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas.

7 – Os referidos fatos foram apresentados à comunidade sob outra versão e com outras roupagens. Para esconder a realidade, foi produzido inquérito policial militar que espelha a versão oficial. Não está claro se o instrutor do inquérito agiu de má fé para forjar o resultado ou se foi enganado pelo falso testemunho dos maus policiais.

No entanto, investigações desenvolvidas pela Subcomissão de Segurança Pública da Comissão de Direitos Humanos vieram a revelar este conjunto de fatos aqui reportado e que, mais tarde, veio a ser corroborado pela descoberta do relatório reservado encaminhado pelo GRADI ao Juiz Corregedor da Polícia, no qual, a verdade sobre os fatos, escondida da população, era descrita minuciosamente como acima noticiado.

8 – Reunindo em sigilo uma comissão de juristas de nomeada, esta Comissão colheu o parecer unânime no sentido de que todos estes atos foram indubitavelmente ilegais. Os juízes teriam violado a lei ao deferir esta vida de prazeres e aventuras à “James Bond”, aos presidiários que cumpriam pena em regime fechado.

As autoridades policiais violaram a lei porque a infiltração em quadrilhas só é permitida quando praticada por agentes policiais e, ainda assim, tal autorização legislativa só veio a ser editada após os fatos aqui narrados. A Comissão de Direitos Humanos deu imediatamente notícia desta conspiração criminosa ao Presidente da Seccional, também em caráter sigiloso, na medida em que inexistiam, até então, quaisquer provas que corroborassem este cenário. Dali por diante, ficamos no encalço de obter provas dos acontecimentos, tais como, as autorizações e os relatórios acima referidos que só muito mais tarde é que chegaram às nossas mãos.


9 – A operação secreta foi descrita ao povo com outra roupagem, restando obscuro se as autoridades foram enganadas por seus subordinados ou se mentiram deliberadamente para a opinião pública. No entanto, o conúbio entre polícia e criminosos, praticado nas sombras, acabou por levar esta unidade ilegal ao desastre. O conluio desabou ao aflorar o desentendimento entre os co-autores de tais delitos.

Com efeito, o GRADI utilizava quatro presidiários para tais infiltrações. Numa equipe, ativavam-se Marcos Massari e Gilmar Leite Siqueira e, em outra, Ronnie Clay Chaves e Rubens Leôncio Pereira. Num certo dia, os agentes do GRADI devolveram estes dois últimos ao cárcere afirmando que haviam tentado praticar um assalto, aproveitando-se daquela boa vida que desfrutavam.

10 – No ato de entrega dos presos, as autoridades penitenciárias constataram que estes apresentavam lesões generalizadas e os encaminharam ao Juiz Corregedor dos Presídios que promoveu exame de corpo de delito, colheu o depoimento dos presos que formalizaram a acusação de tortura e remeteu o material ao GAECO que, mais tarde, veio a instaurar investigação por tal delito contra os mencionados agentes do GRADI.

11 – O Juiz Corregedor dos Presídios, que já vinha suspeitando da existência de irregularidades naquelas operações, aproveitou o episódio para encerrar de vez tais atividades, devolvendo os presidiários ao cumprimento de suas penas. Assim, Ronnie e Rubens, foram remetidos ao presídio de Tremembé, enquanto que, Marcos e Gilmar, foram encaminhados ao Centro de Ressocialização de Itapetininga.

12 – Todo esse cortejo de crimes parecia que haveria de remanescer encerrado nas trevas silenciosas da conivência. No entanto, em curto período de tempo, em fins do mês de julho, numa rápida sucessão de acontecimentos, a verdade começa a vir à superfície: A) o inquérito policial militar que concluía por dar suporte à versão oficial, foi entregue à Comissão de Direitos Humanos, que elaborou análise minuciosa e oficiou ao Comando da Polícia Militar e à Secretaria de Segurança, demonstrando enorme elenco de falhas e incongruências, formalizando interpelação que, até hoje, não foi respondida;

b)a imprensa revela que está em andamento a investigação sobre o crime de tortura e que os presos colaboradores haveriam afirmado que a “operação castelinho” teria sido uma encenação que culminou com o assassinato dos meliantes, sendo que, em face de tais notícias, a CDH oficiou à Polícia Militar requerendo a investigação de tais acusações, sem que tenha, até hoje, recebido qualquer resposta;

c) a Comissão de Direitos Humanos atende ao apelo de um dos presos supostamente torturados e vai entrevistá-lo sigilosamente na prisão, dele recebendo depoimento escrito, sob forma de carta, tomando conhecimento de assustadora versão dos fatos onde se revela que:

1 – os ocupantes do ônibus foram exterminados sem que tivessem oferecido reação;

2- agentes do GRADI haviam se organizado em quadrilha que instigava o cometimento de seqüestros, para mais tarde, “desvendar” o cativeiro, eliminar fisicamente os seqüestradores, apoderar-se do resgate e liberar os seqüestrados, fazendo galas de proficiência ante seus superiores hierárquicos;

c) o Comando da Polícia Militar e o Secretário de Segurança teriam ciência de tais crimes, bem como, de que os ocupantes do ônibus no caso “castelinho” haveriam sido assassinados após se renderem aos policiais;

d) a Comissão de Direitos Humanos recebe sigilosamente, relatório preparado pela Ouvidoria da Polícia informando que os agentes do GRADI estavam envolvidos em diversas operações suspeitas, sendo que, em conjunto, os seus integrantes, respondiam a 176 inquéritos por homicídio;

e) a Comissão de Direitos Humanos recebe provas das autorizações ilegais de saída e das ilegais atividades de infiltração;

f) o jornal Diário de São Paulo obtém, por outras vias, cópia da carta que aquele preso nos entregou e começa a publicar excertos em fac-símile;

g) o jornal Folha de São Paulo, não obtém o mesmo documento, mas, descobre que a OAB/SP dispõe de todas estas provas e não as está a divulgar, nem tomar medidas legais.

13 – Ante o aflorar de provas, a CDH consulta a comissão de juristas e entidades já mencionadas, recebendo a opinião unânime de que toda a documentação até ali reunida deveria ser imediatamente divulgada à imprensa e apresentada por representação formal ao Procurador Geral da Justiça, subscrita pela OAB/SP, acompanhada de tais juristas e outras entidades.

A CDH consulta, então, o diretor de plantão naquela sexta-feira e recebe a orientação de acolher e implementar tal sugestão designando ambos os atos para terça-feira consecutiva, de modo a que houvesse tempo para submeter a decisão final ao Presidente da Seccional. Na segunda-feira, o mesmo é colocado a par de toda esta sucessão de acontecimentos e ratifica tais escolhas, presidindo a entrevista coletiva e subscrevendo a representação.


Tal representação, de modo contido, afirma que os elementos de prova coligidos e os indícios apresentados, configuram, ao menos, uma base suficiente para que se investigue este conjunto de acusações, sendo que, obviamente, nem a OAB/SP e nem as demais entidades estão a subscrever as acusações dos presos e a acusar as autoridades sob suspeita.

O Procurador Geral de Justiça recebeu referido material e subscreveu tal entendimento, instaurando investigação e apresentando representação no mesmo teor ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo Presidente deu a público também partilhar de tal entendimento. Os dois juizes corregedores, ocupavam cargos de confiança e foram devolvidos às Varas de que são titulares, sendo que serão nomeados novos corregedores e Desembargador Relator que irá comandar a investigação quanto aos Juízes e o Secretário de Segurança.

14 – Neste cenário já complicado, a CDH é, então, procurada por dois dos outros presos que colaboravam com o GRADI e que, supostamente, teriam participado da tortura cometida contra o subscritor da tão falada carta que fez fervilhar a imprensa.

Tais presidiários são ouvidos em sigilo na presença do Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Corroboram todas as acusações contidas na carta daquele que supostamente ajudaram a torturar, inclusive quanto à ciência e conivência das mencionadas autoridades em relação às práticas delitivas imputadas aos agentes do GRADI e ao Secretário de Segurança e pedem nossa intervenção para garantir sua segurança dentro do cárcere, alegando que por saberem de tais fatos e possuírem provas dos mesmos, estariam prestes a serem assassinados.

15 – As assustadoras revelações, foram corroboradas pela exibição de informações até sobre os orifícios de bala em vítimas por eles especificadas e que só poderiam ser do conhecimento de quem esteve presente quando da produção dos ferimentos e que foram por nós comprovadas no exame dos laudos necroscópicos. Nesta encruzilhada, a CDH esclareceu aos presidiários que a missão legalmente atribuída à OAB para a defesa dos direitos humanos, não inclui substituir a ação das autoridades legalmente constituídas, mas, ao contrário, limita-se a intervir no sentido de que as autoridades cumpram com seus deveres legais.

Assim, exortamos os denunciantes a que colaborassem com o Ministério Público dizendo somente a verdade, confessando os crimes que nos afirmaram haver cometido, denunciando os eventuais cúmplices e fornecendo sem barganhas as provas que alardeiam possuir.

Imediatamente, comunicamos a disposição dos presos ao Promotor que coordena as investigações, bem como, ao Procurador Geral da Justiça. Igualmente, cientificamos o Secretário de Estado da Administração Penitenciária e o diretor da unidade prisional quanto aos temores dos detentos e transmitimos ao Ministro da Justiça o pleito dos denunciantes em obter proteção federal para suas vidas. 16 – Em face destas nossas providências, o Ministério Público retira os presos da prisão na qual estavam alocados e passa a tomar-lhes o depoimento. Na mesma tarde, contudo, exsurge nova revelação: chega ao nosso conhecimento, relatório circunstanciado preparado pelo coordenador do GRADI, confirmando as acusações dos presos quanto à detalhada encenação da mencionada “operação castelinho” e que será entregue ao Ministério Público nesta segunda-feira.

Enquanto isto, contudo, a questão explode na mídia, uma vez que o Sr. Secretário de Segurança inicia campanha de agressão contra a OAB/SP e contra o Coordenador desta Comissão, com o claro objetivo de desfocar os acontecimentos, dando-lhes um conteúdo político ao ponto de caracterizá-los como mera divergência com o coordenador da CDH com a Seccional. Sua estratégia é muito clara:

I Continua a não negar e nem esclarecer a utilização de presos para operações ilegais de investigação e o caráter burlesco da mencionada “operação castelinho”. Afirma que não irá apurar os fatos e não responde aos questionamentos por nós apresentados formalmente.

II Promove clara manobra diversionista, ao omitir da opinião pública o fato de que a investigação a seu respeito surge da assertiva de três dos quatro presidiários colaboradores do GRADI no sentido de que tal unidade consistia um grupo de crime organizado nos moldes da tão alardeada “scuderie” existente no Estado do Espírito Santo.

III Procura fazer com que a opinião pública esqueça que a divulgação dos documentos e a entrega da representação foi ato conjunto dos juristas Hélio Bicudo, Dalmo de Abreu Dallari e José Carlos Dias, juntamente com o Centro Santos Dias, Comissão Teotônio Vilella, Associação Juizes para a Democracia. Para tanto, expede declarações insistindo em queixar-se nominalmente, apenas e tão somente,quanto à OAB/SP.


IV Intenta desqualificar as acusações investindo pessoalmente contra minha pessoa, através de acusações que sabe mendazes. Esconde a verdade ao afirmar que enviei ofício elogiando sua transparência no inquérito. Esconde a verdade ao divulgar que teria recuado de acusação que não lhe dirigi.

Esconde a verdade ao centrar seus ataques na queixa de que a carta do preso foi entregue à imprensa sem sua prévia oitiva, omitindo que: a) a imprensa já a estava divulgando em parcelas nos três dias anteriores; b) a carta integrava um dossiê de cento e tantas páginas que foi encartado com a representação ao Procurador Geral, sendo que, cumprindo o dever de transparência entregamos cópia de tudo à imprensa em geral.

17 – Enquanto o Secretário de Segurança esbraveja inutilmente, as provas vão se acumulando e o cenário das investigações em curso evidencia um segmento de fatos já comprovados: sentenciados que cumpriam pena em regime fechado, passaram a viver em liberdade, para ativar-se ilegalmente em infiltrações policiais, culminando com a omissão em prender criminosos foragidos e, ao contrário, organizando tais indivíduos para sair armados em comboio, pilotados por uma viatura policial até o local de emboscada onde foram eliminados fisicamente.

Continua, ainda, sob investigação a hipótese de que o GRADI, ligado diretamente ao gabinete do Secretário, tenha se transformado numa quadrilha do crime organizado, praticando larga série de delitos, dentre os quais, a chacina a sangue frio dos ocupantes do ônibus do caso castelinho, após haverem se rendido pacificamente.

Mesmo em face de vastas evidências que reforçam tal possibilidade, o Secretário omite-se em investigar os fatos dentro do âmbito de sua administração e seguidamente nega a verdade de fatos já de pleno conhecimento público.

A insistência em não investigar, em negar-se à transparência, só faz com que venha a vicejar ainda mais a suspeita quanto ao desempenho funcional.

Assim, ainda que a investigação em curso venha a revelar eventual inconsistência dos indícios de crime organizado, isto não haverá de apagar o fato de que se tivesse confessado desde o início que o episódio do castelinho foi uma cilada organizada pela polícia para os bandidos, não teria produzido tamanha crise de credibilidade em época tão imprópria e de modo tão injusto para com tantos eminentes homens e mulheres de honradez ilibada que ocupam cargos equivalentes no mesmo governo que ele integra.

18 – Relato, pois, este conjunto de fatos, de sorte a reiterar que esta Comissão de Direitos Humanos pautou-se rigorosamente pela obediência estrita às finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil, inscritas no inciso I do artigo 44 do Estatuto: “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Bem se pode ver do teor desta exposição que tais fatos foram mantidos no mais absoluto sigilo pela Comissão ao longo de certo tempo, por motivos extremamente justificados.

Os fatos elencados na representação foram mantidos sob reserva até que se reunissem provas quanto aos mesmos e, quanto aos indícios, somente foram revelados aqueles já noticiados pela imprensa, continuando somente a nível interno aqueles outros igualmente explosivos e ainda não devidamente comprovados.

Renovando minhas homenagens de sempre registro minhas respeitosas saudações

São Paulo, 12 de agosto de 2.002João José SadyConselheiro Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos

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