Quatro a dois

Pedido de vista de Velloso adia julgamento sobre intervenção em SP

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14 de agosto de 2002, 18h43

Em julgamento que mostrou clara tendência contra intervenções federais motivadas pelo não pagamento de precatórios, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a apreciação da matéria quando quatro ministros já haviam se manifestado contra o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que defendeu a intervenção no Estado de São Paulo. A suspensão se deu com o pedido de vista do ministro Carlos Velloso.

O voto do presidente do STF foi acompanhado, parcialmente, pelo colega Ilmar Galvão. A platéia que estava presente no julgamento aplaudiu o ministro Marco Aurélio depois que ele terminou de ler o seu voto. Os ministros Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Maurício Corrêa e Nelson Jobim votaram pela não intervenção no Estado.

Dos cinco ministros que ainda vão votar, o decano, Moreira Alves, já se manifestou, anteriormente, contra a intervenção. Dois outros, de perfil conservador – Carlos Velloso e Sydney Sanches – devem seguir o mesmo caminho. Confirmada essa contabilidade, mesmo que Celso de Mello e Sepúlveda Pertence votem como o relator, a questão já estará decidida.

A argumentação básica contra a intervenção girou em torno da inviabilidade de se decretar intervenções para forçar o pagamento de dívidas que esgotariam os tesouros estaduais. O ministro Gilmar Mendes rebateu a afirmação de que levar em conta a inviabilidade da intervenção foge ao plano jurídico. “A intervenção é um ato político”, afirmou, acrescentando que o princípio da razoabilidade, invocado por ele, é uma das teses mais sofisticadas do direito.

O pedido de intervenção federal em São Paulo foi feito pelo não pagamento de precatórios alimentares. Somente em São Paulo, a dívida com precatórios alimentares chega a R$ 2,6 bilhões, de acordo com os valores fixados nos orçamentos estaduais de 1997 a 2001.

O presidente do STF, ministro Marco Aurélio Mello, recentemente afirmou no Senado que “o Estado deve ter uma postura exemplar e não pode transformar-se, como se transformou nos últimos anos, em caloteiro oficial”.

Depois que o ministro Marco Aurélio apresentou seu relatório, seguiu-se a sustentação oral do advogado dos requerentes, Antônio Sandoval Filho, para quem os créditos são de natureza alimentar e se referem aos orçamentos de 1998, “portanto deveriam estar quitados em 31 de dezembro de 1998”.

As ações judiciais foram propostas em 1992 e em 1987 por servidores estaduais, sendo que, no processo encabeçado por Leonice Duarte Cunha, segundo o advogado, os requerentes têm a receber aproximadamente R$ 74 mil, que deverão ser divididos entre 123 interessados. O valor mais alto a ser pago é de cerca de R$ 2.700,00.

Sandoval Filho afirmou que no orçamento de 2002, a dotação para Precatórios é de R$ 735 milhões, mas que ainda não foram pagos os Precatórios alimentares relativos ao ano de 1997. “Portanto, recursos existem, o que não existe é vontade política para pagar”, alegou.

Quem falou em defesa de São Paulo foi o procurador-geral do estado, Elival da Silva Ramos. Segundo Ramos a Intervenção Federal é uma medida de caráter excepcional. Ele repudiou a afirmação de que o governo paulista pouco se importa com o Poder Judiciário, pois, segundo ele, o mesmo tem se esforçado em resolver o problema. A solução estaria dificultada pela atual situação financeira do estado, que tem sua receita vinculada a outras obrigações com relação à saúde, educação, segurança pública, entre outros.

Ele afirmou que as intenções de pagamento revelam-se nos projetos de lei no Congresso Nacional de autoria de parlamentares paulistas, como o do deputado Arnaldo Madeira, e também na disposição em se conversar com o ministro Marco Aurélio sobre o problema.

O procurador-geral também declarou que a atuação do governo tem sido eficiente e que nenhum interventor federal poderia fazer melhor na administração do pagamento dos Precatórios.

VOTAÇÃO

O ministro Marco Aurélio iniciou seu voto mencionando todos os estados brasileiros que atualmente são alvo de pedidos de intervenção federal, além de indicar o número de processos contra cada um. (veja abaixo o relatório)

Ele foi pela procedência da ação, para que fosse decretada a Intervenção no estado de São Paulo. O presidente do STF entende que a intervenção visa, acima de tudo, a supremacia da Constituição Federal. “O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais. Sentenças que, sob o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis”, argumentou ele, dizendo também que o exemplo no cumprimento das decisões deve vir de cima.

Marco Aurélio também responsabilizou os governos de São Paulo pela má-administração dos recursos financeiros, como no caso da desapropriação para se fazer obras, “não se preocupando os governantes com a necessidade de conciliá-las com as dotações orçamentárias e, destarte, com os créditos abertos para tal fim”.

Segundo a votar, o ministro Gilmar Mendes abriu dissidência no julgamento e indeferiu o pedido de Intervenção Federal em São Paulo. Ele levou em conta as informações prestadas pelo estado, ao julgar que a limitação econômica alegada não pode ser desconsiderada. O ministro julgou que o atraso do estado no pagamento dos Precatórios alimentares não configura dolo.

Ele citou precedente julgado pelo STF, na Intervenção Federal nº 20, julgada em 1954, na qual a Corte entendeu que, para se justificar uma Intervenção, é preciso que haja uma postura de resistência do estado em não pagar os Precatórios. O voto foi do, à época, ministro Nelson Hungria.

“Enquanto o Estado se mantiver diligente na busca de soluções para o cumprimento integral dos créditos, não estarão presentes os pressupostos necessários à Intervenção”, julgou o ministro Gilmar Mendes.

A ministra Ellen Gracie indeferiu o pedido, por entender que “os princípios constitucionais repousam nos princípios da igualdade democrática, da igualdade de oportunidade no pagamento e no respeito à precedência cronológica de registro destas requisições de pagamento”.

Gracie não vê a intervenção federal como solução para o caso dos Precatórios. Para ela, “decretar Intervenção em um estado da federação, há menos de dois meses da realização de eleições, que recolocam à disposição do povo o cargo de governador, vale tão somente para agravar a atual situação de desequilíbrio econômico, financeiro e orçamentário”.

Assim como o ministro Gilmar Mendes, a ministra acredita que um eventual interventor terá limitações semelhantes às enfrentadas pelo governo paulista, devido “à efetiva inexistência de recursos financeiros que permitam o atendimento imediato dos Precatórios”.

O ministro Nelson Jobim votou pela improcedência do pedido. Ele questionou como seriam especificadas as condições da Intervenção. “Os valores correspondentes ao total de Precatórios alimentares seriam retirados de onde? Da folha de pagamento? Do retorno de 25% do ICMS que deve o estado de são Paulo atribuir aos seus municípios?”

O ministro Maurício Corrêa divergiu também, citando em seu voto o processo de Intervenção Federal contra o governo de Minas Gerais, julgado em 1954 (IF 20). “Para justificar uma Intervenção, não basta a demora de pagamento na execução de ordem judicial, por falta de numerário. É necessário o intencional ou arbitrário embaraço, ou impedimento oposto a essa execução”.

Corrêa disse que essa não é a hipótese disposta nos processos, porque “não resultou provado que houve desobediência de cumprimento de decisão judicial pelo governo de São Paulo”.

Sexto a votar, o ministro Ilmar Galvão foi favorável em parte à Intervenção Federal (IF 2915) requerida contra o Estado de São Paulo, acompanhando o relator, ministro Marco Aurélio. “Se há um orçamento para ser cumprido, esse orçamento não é uma balela. Se há uma verba destinada ao pagamento de Precatórios, tem que ser distribuída”, disse Galvão.

Ilmar Galvão deferiu em parte a Intervenção, para que Supremo ordene ao governador do Estado de São Paulo que ponha à disposição do presidente do TJ, em um prazo razoável, os duodécimos vencidos em 2002.

Veja o número de pedidos de Intervenção Federal contra cada Estado:

Alagoas (1 processo)

Ceará (17 processos)

Distrito Federal (48 processos)

Espírito Santo (10 processos)

Goiás (10 processos)

Mato Grosso (10 processos)

Pará (11 processos)

Paraná (10 processos)

Rio de Janeiro (8 processos)

Rio Grande do Sul (176 processos)

Rondônia (2 processos)

Santa Catarina (111 processos)

São Paulo (2.822 processos)

Tocantins (16 processos)

Poucas intervenções na história de julgamentos da Corte

Até hoje, o STF aprovou somente três intervenções federais em toda sua história. No Maranhão (IF 25 – 5.4.65), Mato Grosso (IF 46 – 23.3.66) e no Rio Grande do Norte (IF 47 – 8.8.66). Das três, somente o pedido maranhense não abordava descumprimento de decisão judicial. Nesse último caso, o STF determinou que o Tribunal de Justiça local voltasse a funcionar, elegendo imediatamente um corregedor-geral, uma vez que o antigo ocupante do cargo havia renunciado.

O julgamento mais antigo trata de Intervenção Federal (IF 15) no Estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1951. Alegava-se, então, que o governo estadual não havia cumprido uma decisão judicial do Tribunal de Justiça potiguar. A Corte negou o pedido por entender que faltava respaldo jurídico.

O número de decretações de Intervenção não é maior porque o STF negou todos os demais pedidos por falta de legitimidade das partes, por incompetência constitucional da Corte, carência de fundamentação legal, pedidos de desistência dos interessados, entre outras alegações.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, o STF não era competente para analisar esse tipo de pedido. Comprovado o descumprimento de sentença pelo estado-membro, deveria o presidente do Tribunal de Justiça requerer ao presidente da República a intervenção federal.

Após a Constituição de 1988, a decretação da intervenção passou a depender de requisição do STF sempre que houver desobediência a decisões do Poder Judiciário. O decreto especificará a extensão, por quanto tempo durará a intervenção e como será executada a decisão. Também poderá ser nomeado um interventor. Caberá, então, ao Congresso Nacional, no prazo de 24 horas, apreciar o decreto (CF, art. 36, inciso I, § 1º).

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