Justiça moderna

Abolição do banco dos réus é absolutamente imprescindível

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12 de agosto de 2002, 16h05

Se não queremos que a Justiça do terceiro milênio persista em algumas práticas medievais e abomináveis, além de flagrantemente inconstitucionais, não há outro caminho que enaltecer e elogiar a iniciativa da publicação (ainda no prelo) do documento intitulado Abolição do banco dos réus no recinto dos tribunais, de divulgação (auguramos que seja ampla) absolutamente imprescindível.

Como diz seu compilador (e, com certeza, idealizador), Elias Mattar Assad (ex-presidente da APACRIMI), tudo nasceu numa Palestra inaugural da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas, proferida pelo saudoso Doutor Élio Narezi, no princípio da década de 90. Em seguida foi lançada uma campanha denominada Quem inventou o banco dos réus?

O propósito, justo e digno de todos os encômios, consiste em abolir o banco dos réus de todos os recintos judiciais. Nada mais inadiável, mesmo porque, nenhuma lei impõe esse macabro ritual de humilhação ao acusado. E se houvesse lei, seria inconstitucional, porque claramente violadora do princípio da presunção de inocência, da ampla defesa etc.

Como salientei em meu livro Estudos de direito penal e processo penal (São Paulo: RT, 1998, p. 114), a presunção de inocência, para além de delinear incontáveis regras probatórias, também deve ser entendida como regra de tratamento, que conduz à inexorável exigência, no Estado Constitucional e Democrático de Direito, de que ninguém pode ser considerado (tratado) como culpado, antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5º, inc. LVII).

Dentre tantas outras formas de se violentar essa regra constitucional (abuso na utilização de algemas, considerar processo em andamento como antecedente criminal etc.), uma delas consiste precisamente na admissão do famigerado “banco dos réus”!

A campanha lançada contra essa prática medieval e infame não deve nunca deixar de ser intensificada, até que todos os juízes do nosso país tomem consciência da injustiça da formalidade.

Em princípio, o fato de o acusado ocupar o seu banco específico poderia não ser nada sério. Na verdade, entretanto, as implicações são numerosas.

Em primeiro lugar sobressai o aspecto degradante e vexatório: o acusado é presumido inocente pela Constituição e o costume forense (nem sequer lei existe!) manda que ele venha a ocupar justamente o banco dos “réus”!

Esquece-se, de outro lado, que pelo princípio da presunção de inocência o acusado entra no processo com placar favorável: um para o ele e zero para a acusação, cabendo a esta, dentro do devido processo legal, comprovar, sem nenhuma margem de dúvida (para além da dúvida razoável) a culpabilidade daquele.

Distanciar o acusado do seu defensor, ademais, significa impossibilitar ou dificultar que ambos possam estar permanentemente em contato, para o efeito do exercício pleno do direito de defesa, tal como prevê (uma vez mais) a Constituição brasileira (CF, art. 5º, inc. LV), a Convenção America de Direitos Humanos (art. 8º), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14) etc.

Se o acusado não tem a possibilidade (física) de se comunicar com seu Defensor no momento dos atos judiciais, não só a auto-defesa fica tolhida, como também debilitada resulta a própria defesa técnica. No momento das reperguntas, na eventualidade de que o acusado esteja afastado do seu defensor, como pode ele auxiliar este último para o esclarecimento da verdade?

Nem isolamento, nem distanciamento e muito menos expulsão sumária da sala de audiências. O juiz que arbitrariamente, ao arrepio do art. 217 do CPP, determina a saída sumária (ou impede o ingresso) do acusado na sala não pratica algo digno de aplauso. Pelo contrário, é um violador dos direitos fundamentais do acusado. Mesmo porque, nesse caso, já não se trata sequer de discutir o bando dos réus, senão o direito do réu de ter (pelo menos) assento em um banco no momento da audiência.

Remarque-se: o direito de o acusado estar presente (right to be present) nos atos judiciais é sagrado. E mais que isso: não só estar fisicamente presente, senão processualmente presente (o que significa ter a possibilidade de interferir no resultado da prova, em busca da verdade real).

Não sabemos quem inventou o banco dos réus. Mas já estamos sabendo quem o está abolindo! Os sensatos, os constitucionalistas, os dotados de uma ética humanitária etc.

Que o banco dos réus, que espelha inexorável testemunho da amarga e muitas vezes preconceituosa praxe forense, não tenha vida longa. Para a consecução desse nosso augúrio, seguramente, vai contribuir sobremaneira este trabalho de Elias Mattar Assad, um incansável batalhador (e justamente por isso sonhador) em favor dos direitos fundamentais. Só lutam pelos direitos alheios os que sonham! Quem já perdeu essa capacidade não sabe o que é lutar, tampouco sonhar!

“As coisas (só) andam bem para as pessoas que fazem melhor o caminho para elas andarem bem” (John Wooden).

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    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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