A lei e as divergências

Não há vantagem em substituir depósito por arrolamento de bens

Autor

  • Luiz Fernando Mussolini Junior

    é advogado contador juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo professor titular em Direito Tributário no UniFECAP vice-reitor do UniFECAP mestre em Direito do Estado pela PUC/SP sócio diretor de Piazzeta Boeira Rasador & Mussolini - Advocacia Empresarial.

8 de agosto de 2002, 11h40

Há comentários de que a Lei nº 10.522, publicada em 22/7/2002, traria benefício aos contribuintes. De agora em diante, contribuintes e todos aqueles que foram forçados a fazer o depósito exigido como condicionante de processabilidade, podem apresentar seus recursos ao Conselho de Contribuintes.

O argumento é de que sendo a Lei nº 10.522 uma norma que beneficia os contribuintes, pode retroagir ao reduzir a “penalidade”, que era o depósito. Assim, quem tinha depositado o dinheiro para conseguir ter o recurso apreciado pelo Conselho poderá pedir, administrativamente, a substituição por bens da empresa.

Com o devido respeito, as iniciativas que tenham essa fundamentação não poderão prosperar.

Primeiro porque não se trata de norma tributária penal, definidora de conduta antijurídica e fixadora da sanção correspondente, essa sim passível de ser aplicada a situações anteriores à sua vigência, isto quando benéficas aos contribuintes.

Segundo porque é norma de direito instrumental administrativo tributário. Projeta sua eficácia para os eventos posteriores à sua introdução no sistema jurídico posto.

Mais que isso: não enxergamos vantagem na substituição de depósito em dinheiro pelo arrolamento de bens. Tanto uma exigência quanto outra traz constrangimento ao patrimônio do contribuinte.

Para defesa no processo administrativo, o caminho para a fruição da garantia constitucional à ampla defesa está na sustentação judicial da ilegalidade. Talvez seja o caminho mais árduo, mas, com certeza, mais seguro e proveitoso.

Está ficando delicada situação de muitos contribuintes. Mesmo depois de compensar tributos federais, recolhidos indevidamente contra obrigações tributárias, os contribuintes sofrem autuações de parte da Receita Federal.

Entre os argumentos, está o de que já teria passado o prazo prescricional para o ressarcimento. Além disso, a atualização monetária dos montantes indébitos teria sido calculada incorretamente.

Dessa forma, vencidos na Primeira Instância Administrativa, contribuintes vêem-se constrangidos a ofertar garantias (depósito de 30% do valor do “débito”, ou arrolamento de bens cujo valor seja correspondente a 100% da exação), para poder ter seus recursos encaminhados ao Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda.

A exigência fazendária busca lastro nas disposições da Medida Provisória nº 2176-79/2001. O Supremo Tribunal Federal, no exame do RE nº 210235-MG teria assumido postura de que tanto não implicaria em atingimento à garantia constitucional inserta no inciso LV, do art. 5º, da Carta Política de 88.

Sem embargo disso, alguns contribuintes ainda tentam, e com sucesso, esquivar-se da exigência de garantia para o recurso. A defesa destes contribuintes alega que as regras da Medida Provisória não têm fundamento de validade no artigo 151, III, do Código Tributário Nacional.

Com o “status” de Lei Complementar, o código estatuiu normas gerais de Direito Tributário, de observância compulsória por parte de todos os Entes Tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

Os particulares alegam que as autuações são absurdas e não se duvida mais de sua inconstitucionalidade. Por isso. os contribuintes lutam por compensações dos tributos.

As compensações obtidas destes tributos foram feitas com observância dos parâmetros temporais e quantitativos consolidados na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Isto a par de que, muitas vezes atingindo importâncias astronômicas, a exigência de garantias, em prevalecendo, além de injurídica e injusta, pode acarretar dano irreparável à saúde financeira das empresas e comprometer a própria continuidade do empreendimento.

Em “case” que recentemente patrocinamos, uma empresa recolheu indevidamente contribuições ao PIS. Ela compensou os valores correspondentes contra recolhimento devidos a título da mesma exação. A empresa teve seu proceder impugnado pelo Fisco Federal, com base em razões já superadas pela jurisprudência cristalizada pela Colenda Primeira Sessão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

A empresa defendeu-se fazendo evidência da licitude da sua conduta. No entanto, a Fazenda Federal decretou, em 1º grau, a procedência do lançamento.

Para poder recorrer da decisão ao Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (que, “em passant”, tem posição firme em favor da legalidade da compensação tal como efetivada), a empresa foi forçada a depositar aproximadamente R$ 1 milhão ou fazer arrolamento de bem imóvel de valor perto de R$ 3 milhões de reais.

Caso não fizesse o depósito, a empresa teria de correr o risco da Receita Federal não conceder a Certidão Positiva com efeito de Negativa. O documento é imprescindível ao desenvolvimento dos seus negócios sociais. Por razões óbvias, até porque participa cotidianamente de certames licitatórios, além de ver seu nome lançado no CADIN, com as nefastas conseqüências disso advindas.

Para inibir a prestação de garantia como condição de processabilidade do recurso administrativo, foi impetrado um Mandado de Segurança. Obtivemos medida liminar, houve agravo de instrumento de parte do Fisco (com efeito suspensivo não deferido em segundo grau), mas, quase que de pronto, sobreveio sentença negatória da segurança, que teve arrimo na posição já aventada do Supremo Tribunal Federal.

Com isso, formulou-se apelação dirigida ao Tribunal Regional Federal competente e pediu-se ao juízo recorrido que a apelação fosse recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo. Isso reforçaria as alegações postas inicialmente e frisando a flagrância do perigo de dano impingido ao contribuinte.

O apelo foi recebido apenas em seu efeito devolutivo. Em outras palavras: ou o particular se submetia à exigência da garantia, ou seu recurso ao Conselho de Contribuintes não seria processado. O “débito” seria encaminhado à inscrição em Dívida Ativa, passando a ser-lhe negada certificação de regularidade fiscal e tendo seu nome lançado no rol dos inadimplentes.

Uma Medida Cautelar poderia ser dirigida ao Tribunal “ad quem” (competente para o exame da apelação), para obter liminar a fim de que o apelo fosse recebido com efeito suspensivo. Daí decorreria ordem para que o recurso administrativo fosse processado sem garantia, obviando-se a inscrição do “débito” em Dívida Ativa.

A ordem liminar foi aceita, pela consideração dos riscos a que o particular ficaria subsumido, e, em especial, pelos seguintes fundamentos:

… a ressalva constante do inc. III do art. 151 do CTN – de que a suspensão da exigibilidade do crédito pela interposição do recurso atenderá aos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo – não autoriza a imposição de garantia de instância como condição para a incidência da suspensividade ali estabelecida porque, como se sabe, onde o legislador não excepcionou não cabe ao intérprete excepcionar.

… Além disso, com a edição da referida MP, renova-se a discussão sobre a eventual infringência ao princípio da isonomia, “porque muito diferente seria a situação do contribuinte que dispõe e do que não dispõe de meios para pagar o tributo que pretende discutir” (cfe. Cleide Previtalli Cais, O Processo Tributário, 2ª ed., 1996, SP, RT, item 8.3.4, p. 226).

… Outro elemento importante diz respeito à ausência de regras definidoras da forma de devolução do depósito, em caso de provimento do recurso interposto, conforme determina a alínea “a”, do § 3º, do art. 43 do Decreto nº 70.235, com a redação dada pela malfadada Medida Provisória.

… Caberia, então, questionar em que prazo e em quais condições seria o depósito devolvido. A ausência de regulamentação conhecida prejudica a legalidade da exigência…”

Por ser uma decisão monocrática, sujeita a recurso de parte da Fazenda Nacional, ela foi entendida de sólido embasamento jurídico, aliás afinado com o pensamento dos Tribunais Federais das diversas regiões.

Tudo isso foi observado para deixar claro aos empresários que há limites sistêmicos dentro do ordenamento jurídico à sanha arrecadatória e aos meios coativos empregados pelo Fisco. E também para mostrar aos colegas advogados, que militam nessa área, que ainda existem portos seguros à beira dos mares revoltos das relações entre o Estado e os particulares.

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    é advogado, contador, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, professor titular em Direito Tributário no UniFECAP, vice-reitor do UniFECAP, mestre em Direito do Estado pela PUC/SP, sócio diretor de Piazzeta, Boeira, Rasador & Mussolini - Advocacia Empresarial.

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