Reformas penais

Elaboração de leis não deveria ficar só nas mãos de parlamentares

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8 de agosto de 2002, 12h24

Dentre os vários projetos em andamento no Congresso Nacional (no âmbito criminal), alguns são necessários ou convenientes, outros não. O que nos permite separar o joio do trigo? Eis alguns critérios: (a) aprimoramento técnico do ordenamento jurídico (mais eficiência, porém, sem esquecer as garantias); (b) adequação da legislação à era informacional e (c) modificação das leis ultrapassadas (e antiquadas), adequando-as às necessidades da vida moderna.

Lei penal boa, portanto, é a que visa a cumprir uma (ou mais de uma) dessas finalidades (e desde que não esteja em conflito com a Constituição). Por exemplo: pena de morte e prisão perpétua. Contam, neste momento, com amplo apoio popular. Mas estão proibidas pela Constituição brasileira. Logo, é absolutamente inútil (em termos práticos) qualquer discussão em torno delas. O político que promete isso (só) faz demagogia.

Nossa legislação, em muitos pontos, está (realmente) obsoleta e ultrapassada. Esse é o caso do Código de Processo Penal. É de 1942 (tem sessenta anos) e foi elaborado (e pensado) para uma sociedade agrária. Logo, acha-se em grande parte defasado, sobretudo para cumprir o que se espera de um Código moderno, que deve cumprir várias funções: (a) repressivo-preventiva (repressão pronta e eficaz ao delito), (b) reparatória (reparação dos danos em favor da vítima) e (c) confiscatória (confisco de todos os bens conquistados ilicitamente).

Por que reformas parciais? As reformas da legislação criminal brasileira têm sido (e serão) parciais por várias razões. Em primeiro lugar, porque vivemos a era da decodificação (cf. L.F.Gomes e A. Bianchini, Direito penal na era da globalização, São Paulo: RT, 2000, no prelo). Até meados do século XX as sociedades eram mais compactas e professavam valores culturais mais homogêneos. Desde a Segunda Guerra Mundial tornou-se muito complicado elaborar Códigos inteiros porque consenso praticamente já não existe em relação a mais nenhum tema.

Em segundo lugar, e justamente por essa falta de consenso que é típica de uma sociedade pluralista e divergente, composta de múltiplas culturas e subculturas, a elaboração de qualquer Código é operacionalmente inexeqüível. O recente Código Civil, aprovado após vinte e cinco anos de discussão, constitui bom exemplo. Depois de tanta demora, em alguns pontos, tornou-se obsoleto antes mesmo de entrar em vigor. Daí a tramitação de vários projetos (no momento) para adaptá-lo às necessidades atuais.

As reformas, por essas razões, para se viabilizarem, tendem a ser tópicas (parciais), mas isso não pode evidentemente significar isolamento ou perda da unidade ou homogeneidade do sistema jurídico considerado globalmente. O problema, desse modo, não reside (tanto) nas reformas parciais, senão na falta de visão de conjunto.

Os projetos elaborados por Comissões de Juristas (reforma do Código de Processo Penal, por exemplo) procuram ser mais coerentes com o ordenamento jurídico, sobretudo constitucional. Já os de iniciativa dos próprios parlamentares têm sido, em geral, nesse ponto, um desastre (exatamente porque os legisladores estão fazendo algo para o qual não contam com aptidão técnica; a preocupação central deles, em geral, é com a reeleição, não com a Constituição ou com a construção de uma nação).

A tarefa de elaborar leis é muito séria. Não deveria ficar nas mãos só dos parlamentares, que contam com legitimação democrática para isso, mas não possuem, muitas vezes, nem conhecimento nem habilitação técnica. Todas as leis aprovadas pelo parlamento deveriam passar pelo crivo de uma comissão técnica (juristas, experts em cada área etc.) antes de serem enviadas ao Presidente da República (para sanção e publicação). Essa comissão deveria mostrar ao legislador os problemas do texto aprovado.

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    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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