O relator do PLS nº 71/2002, senador Osmar Dias, emitiu Parecer sobre a Informatização do Processo Judicial, votando pela aprovação com substitutivo. O senador considerou tratar-se de “uma iniciativa extremamente louvável, vindo colaborar simultaneamente para agilizar os processos judiciais e para manter o sistema jurídico-legal brasileiro em sintonia com o progresso. Neste sentido, o projeto merece todos os encômios”.
Em que pese essas considerações, o relator entendeu que vários dispositivos do texto são inconstitucionais, eis que determinam a órgãos do Poder Judiciário atos de natureza administrativa; que, ao exigir que cada tribunal desenvolvesse o seu próprio sistema de cadastro e acesso, o projeto praticamente ordenaria outras tantas reinvenções da roda; que o projeto erra ainda ao determinar taxativamente que intimações pessoais serão realizadas por meio eletrônico; e, mais importante, que não pode um projeto desta natureza escapar à realidade do país e obrigar a sua implantação quase que imediata em todos os seus tribunais.
Breve histórico
A sugestão foi apresentada por meio do ofício nº 174, de 13/8/01, pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), tendo sido a primeira (Sug. nº 01/2001) a ser recebida pela Comissão de Legislação Participativa (CLP), em 5/9. Em 9/10 o relator, deputado Ney Lopes, apresentou Parecer pela aprovação.
A sugestão da Ajufe foi recebida em Plenário em 4/12/01 como Projeto de Lei nº 5.828/01, tramitando em regime de prioridade, e encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação (CCJR). O relator, deputado José Roberto Batochio, apresentou Parecer em 22/5/02 pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, e, no mérito, pela aprovação (veja notícia relacionada). Em 10/6, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados determinou o apensamento do PL nº 6.896/2002 a este. O parecer do dep. Batochio foi aprovado por unanimidade pela CCJR. O Plenário aprovou a redação final em 19/6.
A OAB/SP criticou o Projeto, entendendo que há “há equívocos jurídicos e tecnológicos“. A Ajufe apresentou a sua reação, dizendo que o projeto de Informatização do Processo Judicial “não representa qualquer violação à autonomia do advogado nem riscos à segurança jurídica“.
O Projeto foi remetido em 20/6 para o Senado Federal, onde recebeu o nº 71/2002, e encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) desde 26/06, com a relatoria.
Obtivemos o Parecer com substitutivo (que ainda não foi publicado), por meio do sr. Raymundo F. Diniz, assessor técnico do senador paranaense.
Veja a íntegra do parecer:
Parecer nº , de 2002
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2002 (nº 5.828, de 2001 na origem), que dispõe sobre a informatização do processo judicial e dá outras providências.
RELATOR: Senador OSMAR DIAS
I – RELATÓRIO
O projeto em exame, de autoria da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a utilização de meios eletrônicos nos processos judiciais.
Conforme o projeto, o envio de peças processuais por meios eletrônicos dependeria de prévio cadastramento do interessado junto aos órgãos judiciários, utilizando-se também o correio eletrônico para intimações pessoais.
Além disso, o projeto prevê a obrigatoriedade de as pessoas de direito público (salvo os municípios) disponibilizarem em cento e vinte dias serviços de envio e recebimento de atos judiciais eletrônicos, além de obrigar os órgãos do Poder Judiciário a criarem, em sessenta dias, sistemas de comunicação de dados e de controle dos cadastrados para a realização da comunicação eletrônica de que trata.
Finalmente, determina ainda a obrigatoriedade de que todas as pessoas que mantêm cadastros que contêm informações necessárias a alguma decisão judicial passem a oferecer acesso eletrônico a esses cadastros, para uso dos órgãos judiciários.
O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, sem emendas.
Nesta Comissão, não foram oferecidas emendas no prazo regimental.
É o relatório.
II – ANÁLISE
Conforme o art. 24, XI, § 1º, da Constituição Federal, compete à União, concorrentemente com os Estados, legislar sobre normas gerais de procedimentos processuais. Nos termos do art. 101, inciso II, item 4, do Regimento Interno do Senado Federal, compete à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania emitir parecer sobre “as matérias de competência da União, especialmente … [direito] processual”. O projeto em tela trata de matéria procedimental, assunto afeito ao Direito Processual, cabendo assim a esta Comissão opinar sobre seu mérito, bem assim sobre a sua constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa.
Inicialmente, cabe indicar que se trata de uma iniciativa extremamente louvável, vindo colaborar simultaneamente para agilizar os processos judiciais e para manter o sistema jurídico-legal brasileiro em sintonia com o progresso. Neste sentido, o projeto merece todos os encômios.
Em que pese estas considerações, o projeto peca na implementação deste grande conceito. Inicialmente, note-se que vários dispositivos do texto são inconstitucionais, eis que determinam a órgãos do Poder Judiciário atos de natureza administrativa; são os arts. 7º e 8º, este último chegando ao ponto de fazer a detalhada descrição de um sistema de processamento de dados a ser desenvolvido independentemente por tribunais do país. Estes dispositivos criariam uma verdadeira ingerência na autonomia administrativa dos órgãos judiciários.
Materialmente inconstitucional é o art. 11, uma vez que exige de todas as pessoas jurídicas nacionais que passem a oferecer acesso eletrônico a suas bases de dados que possam ter relevância em qualquer processo judicial – e é o mesmo que dizer todas as bases – flagrantemente violando o direito ao sigilo das informações, resguardado, entre outros dispositivos, pelo art. 5º, inc. XII da Constituição Federal.
Por outro lado, ao exigir que cada tribunal desenvolvesse o seu próprio sistema de cadastro e acesso, o projeto praticamente ordenaria outras tantas reinvenções da roda. Já existem, livremente disponíveis, soluções quiçá mais simples, que bem atenderiam à necessidade de autenticação dos documentos processuais.
Refiro-me à chamada tecnologia de chaves públicas e privadas, um mecanismo de criptografia que permite de forma simples a assinatura digital de documentos eletrônicos. O uso destas chaves permitiria a fácil autenticação dos documentos, desde que fossem assinados por seus originários ou pelos funcionários intervenientes, de forma muito mais simples e confiável do que a proposta ora sob exame.
O projeto erra ainda ao determinar taxativamente que intimações pessoais serão realizadas por meio eletrônico (art. 5º). Parece melhor facultar às partes aceitarem ou não esta facilidade, na medida de sua conveniência e de duas possibilidades.
Há que se considerar ainda que um projeto desta natureza não pode olvidar dois importantes aspectos do uso de documentos eletrônicos: o seu uso (e a sua contestação) como meio de prova e os crimes atinentes ao seu emprego. Felizmente, tanto a legislação processual quanto a legislação penal são suficientemente elásticas para abrigar estas novas formas de documentos, uma vez autorizadas a isto pela lei.
Finalmente, e mais importante, não pode um projeto desta natureza escapar à realidade do país e obrigar a sua implantação quase que imediata em todos os seus tribunais. A lei deve facultar aos tribunais a adoção destes novos procedimentos, ao mesmo tempo que dá as linhas gerais para a sua realização. Destarte, cada órgão judiciário poderá, a seu tempo, aderir aos novos meios, sem prejuízo de sua autonomia.
III – VOTO
Nestes termos, o nosso voto é pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2002, nos termos do seguinte substitutivo:
Projeto de Lei da Câmara nº 71 (Substitutivo), DE 2002
Dispõe sobre a informatização do processo judicial.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Os atos processuais poderão ser realizados por meios eletrônicos nos termos desta Lei.
§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se a todos os processos judiciais, em qualquer grau de jurisdição, bem como a feitos em fase pré-processual.
§ 2º O documento eletrônico, assinado conforme disposto nesta Lei, reputa-se original.
Art. 2º Para ter validade, o documento eletrônico deve ser assinado digitalmente, por meio de sistema criptográfico de chave pública e chave privada.
§ 1º As chaves públicas serão mantidas em repositórios públicos, sendo permitido a qualquer interessado ter acesso hábil a esses repositórios por meio da Internet.
§ 2º A manutenção, certificação e publicação dos repositórios de chaves públicas compete:
a) ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, para as chaves dos advogados;
b) a cada tribunal, para as chaves dos seus magistrados e funcionários, bem como as dos magistrados e funcionários dos órgãos judiciais de primeira instância e dos órgãos auxiliares sob sua jurisdição;
c) às Procuradorias-Gerais, para as chaves dos membros do Ministério Público.
§ 3º Os órgãos responsáveis pelos repositórios de chaves públicas poderão descentralizar a administração dos repositórios, mantida sempre a sua responsabilidade primária pela disponibilização do acesso às chaves públicas sob sua guarda.
Art. 3º Os atos processuais transmitidos por meios eletrônicos serão protocolados, com emissão de recibo circunstanciado ao transmitente, incluindo a data e a hora de seu recebimento e vinculando, mediante assinatura digital, o protocolo ao documento transmitido.
§ 1º Os atos que forem impressos para juntada aos autos serão autenticados pelo serventuário, declarando sua conformidade em relação ao original em forma eletrônica.
§ 2º O original em forma eletrônica será preservado, com suas respectivas assinaturas, assegurando seu acesso pelo juiz, pelo Ministério Público e pelas demais partes, sem qualquer custo.
§ 3º É facultada aos tribunais a extensão do acesso previsto no parágrafo anterior a qualquer interessado, por meio da Internet, salvo a processos que tramitem em segredo de justiça.
Art. 4º A publicação de atos processuais em órgão oficial poderá ser realizada por meio eletrônico, que assegure acesso público, sem ônus, de forma permanente.
Parágrafo único. Desde que assegurada a integridade e autenticidade da edição eletrônica do órgão oficial, será dispensada a manutenção dos documentos em papel comprobatórios do teor e da data de publicação dos seus atos.
Art. 5º Os meios eletrônicos não podem ser utilizados nos atos processuais e pré-processuais em que o comparecimento pessoal seja da essência do ato.
Art. 6º As cartas precatórias, de ordem e, de modo geral, todas as comunicações oficiais entre órgãos do Poder Judiciário, ou entre este e os demais Poderes, poderão ser realizadas por meios eletrônicos, utilizando-se assinaturas digitais e protocolo eletrônico.
Art. 7º Os órgãos do Poder Judiciário que estejam capacitados a receber atos por meios eletrônicos deverão publicar os métodos, endereços e outras informações necessárias à realização dessas comunicações eletrônicas.
§ 1º É facultado o estabelecimento de restrições que reduzam riscos de segurança computacional, como a vedação do uso de anexos.
§ 2º Quando o órgão do Poder Judiciário estiver capacitado para tanto, as partes e seus procuradores poderão declinar endereço eletrônico em que expressamente admitam receber intimações e outras comunicações que não exijam comparecimento pessoal, reputando-se entregue a comunicação quando enviada.
Art. 8º A redução a termo de atos processuais poderá ser realizada por meio de gravação de som ou imagem, a critério do juízo, passando o termo eletrônico a integrar os autos, nos termos do art. 3º.
Parágrafo único. Os termos eletrônicos serão assinados pelos magistrados, membros do Ministério Público e advogados participantes.
Art. 9º Os atos processuais praticados originalmente por meios não eletrônicos poderão ser disponibilizados por meios eletrônicos, para acesso público e gratuito, respeitadas as limitações à publicidade previstas em lei, preservando-se os originais em cartório.
Parágrafo único. A conservação dos autos de processos findos poderá ser realizada por meios inteiramente eletrônicos, passado o prazo para ajuizamento de ação rescisória, e após serem intimadas as partes para eventual pedido de desentranhamento de documentos.
Art. 10. Aplicam-se às provas produzidas por meios eletrônicos todas as disposições legais sobre a prova documental, cabendo ao juiz fazer a apreciação de sua fé.
Parágrafo único. A divergência jurisprudencial, para fins de fundamentação de Recurso Especial, poderá ser provada por meio de documentos publicados eletronicamente pelos órgãos judiciais.
Art. 11. O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal – passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:
Art. 305-A. As disposições deste capítulo aplicam-se às falsificações e adulterações de documentos e de assinaturas eletrônicas.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relator
Atualização: O relatório (parecer com substitutivo) do senador Osmar Dias foi oferecido à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em 16/12/02.