Ofensa inexistente

Justiça paulista rejeita queixa-crime contra Hans Donner

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3 de agosto de 2002, 10h15

A 11ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo rejeitou queixa-crime contra o designer da Rede Globo, Hans Donner. A ação foi proposta pelo ex-designer da emissora, Cyro Del Nero, que disse ter-se sentido ofendido com as declarações do colega no jornal Folha de S. Paulo.

Em entrevista à Folha, Hans Donner se referiu ao colega como “o cara” que fazia as aberturas da Globo. Hans Donner também disse que assinou um contrato que não era legal com Del Nero. Por isso, ele entrou na Justiça.

Del Nero entendeu que o uso do termo “o cara” e a declaração sobre a assinatura de um contrato ilegal ofenderam sua honra de forma injuriosa e difamatória.

Hans Donner foi representado pelos advogados Nilson Jacob, Rodrigo de Moura Jacob e Claudia Rolemberg, do escritório Nilson Jacob, Rolemberg Advogados Associados. A defesa alegou atipicidade do crime de injúria. Segundo os advogados, chamar alguém de “o cara” não atinge a honra ou ofende alguém porque é uma expressão do cotidiano.

Os advogados alegaram ainda que não houve difamação porque Hans Donner disse que assinou um contrato que não era legal e não falso, como afirmou Del Nero na queixa-crime. “Ilegal e falso não são sinônimos. Falso é algo que não condiz com a verdade. Ilegal é algo que não é legal para determinado fim, porém lícito para outro”, definiu a defesa.

Em primeira instância, o juiz da 30ª Vara Criminal de São Paulo, Agnaldo de Freitas Filho, rejeitou a queixa-crime. Del Nero recorreu ao Tribunal de Alçada Criminal, que rejeitou a apelação. O ex-designer da emissora entrou com embargos declaratórios. O Tribunal negou o pedido do ex-designer da emissora. Mas ele ainda pode recorrer.

Leia o acórdão:

Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo

Apelação – Queixa – Crime nº 1.286.957/1 V. 7.159

Apelante/Querelante: Cyro de Oliveira Pinto ou Cyro Del Nero

Apelado: Ministério Público

Querelado: Hans Jurgen Josef Donner

Comarca: São Paulo

Preliminar – Nulidade da R. Sentença – A sentença não é nula, porquanto de forma sucinta analisou os fatos descritos na petição inicial – Preliminar Rejeitada.

Lei de Imprensa – Rejeição de Queixa-Crime – Ausência de Justa causa – Fatos atípicos – Recursos Improvido.

A r. sentença de fls. 87/89 rejeitou a queixa-crime formulada por Cyro Del Nero, RG 1.370.983, em face de Hans Jurgen Josef Donner, RG 3.550.088-FRE/RJ, com fundamento no art. 43 inciso I, do Código de Processo Penal, por entender o e. Magistrado ser atípico o fato descrito na inicial.

Houve interposição de embargos de declaração, os quais não foram recebidos.

O querelante recorre e argüi nulidade da sentença, que não teria enfrentado a questão relativa ao crime de difamação e pede seja recebida à queixa-crime, reformado, assim, o julgado.

O recurso foi respondido.

A d. Promotoria de Justiça manifesta-se entrevista pelo improvimento do recurso e a d. Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo acolhimento da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

A queixa-crime (petição inicial) transcreve entrevista concedida pelo querelado, publicada em 15/10/2000 pelo jornal “Folha de São Paulo” (fls.03/04), onde o querelante destaca as expressões “o cara” e “assinei um contrato que não era legal”, o que revela ter o querelado agido com a intenção de ofender o querelante em sua honra – animus injuriandi e diffamandi.

A r. sentença hostilizada não padece do vício apontado pelo querelante em seu recurso.

Com efeito, o d. Magistrado, ainda que de forma sucinta, rejeitou a inicial da queixa-crime por entender que os fatos ali descritos são atípicos. Aliás, no corpo da sentença o Juiz mencionou jurisprudência referente ao crime contra a honra, que expressamente refere-se a injúria e a difamação.

De outro lado, o querelante, em seu recurso, menciona “uma antiga entrevista concedida à revista Playboy, edição nº 110, do longínquo mês de outubro de 1984, de que resultou u’a medida preliminar de Pedido de Explicações (doc.6) movida pelo Suplicante, já incomodado com a repetição da mesma aleivosia (“contrato falso que me foi dado por Cyro Del Nero”…) (fls. 107). Note-se que tais expressões são totalmente diferentes daquelas descritas na petição inicial em que se reporta “contrato que não era legal”.

Rejeita-se, assim a preliminar.

Quanto ao mérito do recurso, extrai-se que as expressões descritas na inicial de forma alguma configuram crime contra a honra.

O querelado-recorrido ressaltou que ao utilizar-se das referidas expressões, constantes na petição inicial, não teve a intenção de injuriar ou difamar o querelante (fls. 43/68 e 152/168).

O parágrafo 1º do art. 44 da Lei de Imprensa dispõe:

“parágrafo 1º – A denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa para a ação penal, bem como nos casos previstos no art. 43 do Código de Processo Penal”.

Desta forma a referida lei prevê imperativa da denúncia ou da queixa pelo juiz (Parágrafo 1ºdo art. 44), quando não houver justa causa para a ação penal e nos casos previstos no Código de Processo Penal.

Assim, quando a publicação ou transmissão não constituir abuso da liberdade de informar, nas suas mais variadas facetas, quando o fato narrado não constituir crime, quando já estiver ultrapassado o período decadencial do direito de queixa ou prescricional da ação penal; quando foi manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar à condição exigida para o exigido para o exercício da ação penal, deve o juiz rejeitar uma ou outra, entendendo que não há justa causa para as mesmas.”(in”Comentários à Lei de Imprensa”, Freitas Nobre, Saraiva, 4ª ed., 1989, pp 311/312).

Ora, nas expressões retro transcritas verifica-se a inexistência de animus injuriandi ou animus diffamandi.

Daí não se vislumbrar qualquer intenção de difamação ou de injúria contra o querelante; apenas, repita-se, fez uma narração sem qualquer intenção de ofender o querelante.

Com efeito:

“Muito claro, a respeito, é o ensinamento de ondeei: : Há manifestações da imprensa que ofendem a suscetibilidade, mas não se pode dizer que sejam elas ofensivas da honra, da reputação ou do prestígio”(I Dirigi di Liberta, 1955, p. 32).

Esta ofensa precisa ser inequívoca contra a honra para configurar-se o abuso da liberdade de imprensa. E isto não ocorre na espécie, motivo pelo qual mantenho a decisão. São Paulo, 22 de outubro de 11956. O Juiz da Vara Auxiliar do Júri, Darcy Arruda Miranda.” (in “Comentários à Lei de Imprensa”, Darcy Arruda Miranda, Ed. RT, 3ª ed., p. 682, nota de rodapé).

E ainda:

“A consciência e a vontade de ofender a honra alheia devem resultar de fatos inequívocos, sob pena de ser ressuscitar, no seu intratável dogmatismo, a regra do dolo in re ipsa (Habeas Corpus nº 159.098/4, julgado em 27/04/1987, 12ª Câmara, Relator Emeric Levai, RJDTACRIM 3/176).

“Crimes Contra Honra – Calúnia e difamação – Não caracterização – ausência do propósito de ofender – animus injuriandi não evidenciado – Fato atípico – Queixar rejeitada – Arquivamento dos autos determinado”(Queixa-Crime nº 183.742-3 – Botucatu – 2ª Câmara Criminal – relator Silva Pinto – 02.10.95 – V.U).”(fls.84).

Portanto, o juiz não é obrigado a receber queixa-crime desde que considere que o fato ali narrado não constitui crime.

Do exposto, rejeita-se a – preliminar – e nega-se provimento ao recurso.

Pires de Araújo

Relator

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