Napster sobrevive

Napster: troca de arquivos de música vai sobreviver.

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  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

3 de agosto de 2002, 16h04

A notícia de que três grandes gravadoras multinacionais (majors) resolveram entrar fundo no mercado de música online não chega a surpreender, diante do imbróglio judicial que vem se arrastando em tribunais americanos contra o Napster, aquele site pioneiro de troca de arquivos musicais (swap) que consolidou definitivamente o conceito de P2P (peer to peer computing) no mercado virtual.

A decisão tomada pelos executivos da AOL Time Warner, Bertelsmann (BMG) e EMI de formar a MUSICNET, apenas reforça a tese de inexorabilidade da tecnologia: quem não se adapta, sucumbe. Embora ainda em fase embrionária, o novo empreendimento é uma tentativa de resposta ao Napster que, apesar dos agressivos processos que enfrenta na justiça norte-americana, continua alive and well. Sem querermos fazer a apologia da violação de direitos autorais protegidos – representa efetivamente uma violação de direitos o uso (download) desautorizado e sem pagamento de fonogramas musicais de terceiros – precisamos destacar, entretanto, que a era da música virtual pode ser dividida em pré-Napster e pós-Napster.

Ostentando um sólido e fiel público de cerca de 60 milhões de usuários, o site de Shawn Fanning conseguiu traçar uma linha divisória na areia, trazendo na coleira empresas que movimentam anualmente algo em torno de US$ 50 bilhões em todo o mundo: a indústria fonográfica. E isto em menos de dois anos, desde sua entrada na Grande Rede, em meados de 1999 até hoje. O Napster pôs em xeque uma estrutura de distribuição de conteúdo musical que vigorava desde os primórdios da indústria musical, no início do século XX, quando as editoras musicais que então comercializavam apenas partituras para músicos e orquestras, se beneficiaram da nascente tecnologia do fonógrafo e passaram a gravar artistas e grupos musicais com finalidade comercial.

Sem ter acesso à tecnologia nem os recursos necessários para fixar suas interpretações, o artista invariavelmente tinha que se submeter aos desígnios das grandes gravadoras para poder percorrer o caminho do anonimato ao sucesso, em sua carreira profissional. Não que o Napster tenha eliminado totalmente esse status quo do mercado, mas, ao disponibilizar para os usuários da Web uma infinidade de fonogramas musicais geralmente não mais encontrados no mercado físico e até se adiantar às gravadoras e oferecer novíssimos lançamentos de artistas célebres, Shawn Fanning não apenas criou uma nova cultura e forma de consumo de música, como também iniciou um caminho sem volta para o barateamento dos produtos musicais, especialmente o CD, carro-chefe da indústria do entretenimento no planeta.

E com isso, ajudou a movimentar o mercado de software e hardware de CDs graváveis (recordables), na medida em que todos os napsterianos não se contentam apenas em arquivar suas canções favoritas em seus discos rígidos, mas também gostam de preparar aquele disco especial para ouvir no carro, presentear a namorada e tocar em suas festas. No desdobramento final dos processos judiciais movidos pela poderosa associação da indústria fonográfica dos Estados Unidos (RIAA), estimado para o próximo mês de agosto, deverá surgir um mecanismo de recolhimento de direitos autorais para todo o material musical protegido que esteja sendo disponibilizado.

O site, na verdade, já foi obrigado a retirar do ar esse material, de acordo com a decisão preliminar emitida por uma corte de São Francisco há dois meses. No entanto, o objetivo último das grandes gravadoras de fechar o Napster e encerrar suas operações, esbarrou em dois elementos-chave da democracia moderna: a quantidade de usuários que por livre e espontânea vontade aderiu ao site, e a inovação tecnológica da qual a sociedade nunca conseguiu escapar, desde os tempos do LP (Long-Play), do minicassette, do videocassette e do próprio CD.

Cada uma dessas tecnologias, ao seu tempo, quando chegou, assustou o mercado e desencadeou intermináveis discussões jurídicas e econômicas, tal e qual estamos assistindo agora, mas pela primeira vez experimentamos uma mudança total de paradigma, em que a própria indústria que desenvolveu o mercado musical ao redor do mundo, é obrigada a se curvar diante da genialidade de um jovem de 20 anos, que garante que só desenvolveu o software do Napster pois não agüentava mais procurar incessantemente inúmeras de suas músicas prediletas sem achá-las, uma vez que as gravadoras não estão exatamente preocupadas em preservar a memória musical da história, antes, colocam na rua apenas o que realmente dá lucro.

O affair Napster ainda terá vários capítulos. Esta semana houve duas importantes audiências perante o Senado americano, em Washington, em que os dois lados se enfrentaram. Com a presença de diversas celebridades artísticas, entre elas Don Henley, ex-vocalista do grupo The Eagles e Alanis Morrisette, bem como da própria diretoria do Napster, os parlamentares tomaram os apaixonados depoimentos das partes, compondo mais uma etapa desta longa batalha que definirá, certamente, os destinos do comércio musical no Terceiro Milênio.

O empreendimento das três grandes gravadoras, apropriadamente denominado de MUSICNET e em negociações com o provedor RealNetworks, já nasce com muito pouco fôlego diante do sucesso planetário do Napster: tem pouquíssimo conteúdo, precisa resolver diversas questões tecnológicas e, principalmente, jurídicas, na medida em que cada gravadora tem seu catálogo (roster) de bandas e artistas solidamente protegido por contratos de exclusividade, e tais contratos terão que ser aditados e revistos para possibilitar a disponibilização conjunta de todo esse material.

Uma coisa é certa: a indústria musical não descansará enquanto não infringir uma derrota fragorosa ao Napster ou, pelo menos, ver bem-sucedido o seu novo empreendimento MUSICNET em escala global. Resta saber se (I) os mais de meia centena de milhões de usuários do Napster irão efetivamente migrar para o novo site, principalmente sabendo que terão que pagar pela utilização e transferência de músicas, e (II) se a criação do novo sistema ajudará a indústria musical a se livrar de práticas retrógradas e irregulares na manipulação, administração e liqüidação de pagamentos dos direitos autorais dos artistas, intérpretes e compositores mundo afora.

De que adianta as grandes gravadoras lograrem êxito em controlar a última fronteira do comércio musical no qual vêm “apanhando” feio nos últimos dois anos se com seu lobby poderoso mantiverem a mão-de-ferro com que atualmente controlam os negócios que envolvem direitos autorais no mercado?

Em nossa opinião, o Napster, que apesar do anúncio da MUSICNET continua desenvolvendo em separado com a Bertelsmann uma versão comercial do seu método de permuta de arquivos musicais em troca da desistência do processo judicial nos EUA, continuará vivo por muito tempo, pioneiro em lançar alguma luz sobre a forma como se administra direitos autorais desde a aurora da indústria do entretenimento.

Aos advogados e profissionais do Direito fica o alerta: inúmeras oportunidades de trabalho estão sendo abertas com a polêmica da música online, e isso resultará em benefício direto e aperfeiçoamento contínuo da legislação e dos usos e costumes hoje empregados para lidar com esse fascinante ramo do Direito privado no limiar de um novo milênio.

Autores

  • é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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