Reformas penais

Mudanças na legislação não resolvem problema da violência

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2 de agosto de 2002, 13h37

Durante o ano de 2000 foram debatidas e discutidas três (grandes) reformas da legislação criminal brasileira (do Código de Processo Penal, do Código Penal e da Lei de Execução Penal – veja a íntegra de todos os projetos no site www.ibccrim.com.br). No princípio de 2002, logo após a morte do prefeito Celso Daniel, foi constituída uma Comissão Mista no Congresso Nacional com o propósito de propor medidas de contenção da violência e da criminalidade: 24 projetos foram elaborados (a toque de caixa, isto é, em menos de dois meses, e, em geral, sem nenhuma preocupação científica).

O presidente da República, depois de sancionar a Lei 10.409/02 (nova lei de tóxicos), enviou ao parlamento um novo projeto de lei que pretende regulamentar inteiramente essa matéria. Esse projeto já foi aprovado pelo Senado (PL 115/02).

São essas as principais iniciativas legislativas que estão em tramitação nas duas Casas Parlamentares. O Senado já aprovou pelo menos sete projetos (70/02, 71/02, 72/02, 106/02, 107/02, 117/02 e 115/02). A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já votou (favoravelmente) o projeto (substitutivo do PL 6.295/02) que cria “foro privilegiado” para quem tenha exercido funções públicas relevantes (Presidência da República, Senador, Deputado etc.).

Tudo que já foi aprovado no Senado tem que passar (ainda) por votação na Câmara e vice-versa. Apesar disso, em breve, pode ser que todo esse pacote (ou parte dele) se transforme em lei. O fato de estarmos em ano eleitoral não altera o quadro. Aliás, o contrário. Os parlamentares se reunirão poucas vezes, mas o suficiente para aprovarem novas leis penais, com todo apelo simbólico que elas permitem. Afinal, como eles mesmos dizem: é a única arma que têm contra o crime!

Nosso propósito, nesse artigo e nos seguintes (no total são 20 artigos), é dar uma idéia (a mais clara e abrangente possível) dos rumos para os quais estão conduzindo nossa (já bastante maltratada) legislação criminal.

A primeira e fundamental indagação que todos certamente formulam é a seguinte: mais reformas para quê se os índices de violência continuam aumentando a cada dia? Por quê reformas parciais? Por quê não aprovar Códigos inteiros? Qual é a qualidade técnica das inovações em andamento? O quê se pode delas esperar em termos de redução da violência e da criminalidade? Estaria o legislador aproveitando o ano eleitoral para iludir a população com mais reformas (puramente) demagógicas?

Premissa número um: se mudanças na legislação resolvessem o problema da criminalidade, o Brasil hoje já seria um paraíso (país da tranqüilidade e da segurança). Continua, entretanto, ostentando a condição de um paraíso “penal” (país da impunidade). A década de 90 foi a mais próspera em produção legislativa penal: mais de 100 leis criminais! As mais rigorosas sempre coincidiram (não por acaso) com o período eleitoral: 1990 (primeira lei dos crimes hediondos), 1994 (segunda: tornou o homicídio qualificado crime hediondo) e 1998 (lei dos remédios falsificados). E nada disso resolveu o problema da criminalidade.

O IBGE, agora, acaba de constatar o seguinte: nessa década aumentou bastante a violência no nosso país. De 1992 a 1999 os homicídios passaram de 19,2 para cada 100 mil habitantes para 26,18 (quase 40% de aumento). Considerando-se que a média mundial é de 5 homicídios para cada 100 mil habitantes, pode-se notar a situação caótica em que nos encontramos.

Ninguém (razoavelmente informado) pode alimentar a ilusão de que mudanças na lei resolvem (da noite para o dia) o problema da violência e da criminalidade. Alguns políticos, especialmente em épocas eleitorais, prometem isso. Mas é pura demagogia!

Não sabem que o Direito penal é apenas um dos instrumentos do controle social. Aliás, o mais drástico e, por isso mesmo, o mais moroso (porque a pena só pode ser aplicada corretamente quando observadas as garantias do devido processo legal).

Conseqüentemente, não devemos depositar nele toda nossa confiança. Mesmo porque, se se quer dele fazer uso adequado devemos reservá-lo para os casos mais graves, de ataques mais intoleráveis para os bens jurídicos mais importantes (vida, integridade física, patrimônio etc.).

Autores

  • Brave

    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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