Consultor Jurídico

Presidente do STF defende redução de maioridade penal

1 de agosto de 2002, 15h09

Por Redação ConJur

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Em resumo, o senhor admite que o corporativismo muitas vezes dificulta a investigação de um juiz?

Em qualquer setor. Não apenas na magistratura. Em qualquer setor ele acaba existindo.

Ainda sobre esse assunto gostaria de saber do senhor o seguinte: se o Senhor acha que esse tipo de correção interna seria capaz de acabar, por exemplo, com a indústria das liminares dos transportes rodoviários de passageiros e das liminares das distribuidoras de combustíveis, que são denunciadas há anos, mas não se houve falar de punição de juiz envolvido com interessados em negócios escusos nessas áreas.

Porque ainda não há demonstração do desvio de conduta. A Constituição Federal assegura o ingresso em juízo para afastar uma lesão ao direito ou uma ameaça de lesão ao direito. Quando se concede uma liminar, quando o juiz concede diante dos elementos contidos no processo, o juiz o faz para evitar um dano irreparável. A presunção é de acerto e não de desacerto da liminar concedida. Agora, é claro, essa liminar fica sujeita a recurso. Que entre a parte prejudicada com a concessão da liminar com um recurso, julgando o tribunal evidentemente o merecimento do que foi decidido pelo juiz.

Ministro, como é o que o senhor vê a não intervenção no Espírito Santo?

Eu estava no exercício da Presidência da República quando se começou a falar em intervenção no Espírito Santo. Eu disse que o ato, em si, é excepcionalíssimo. Nós temos uma federação. Nós temos Estados que, sob os ângulos governamental e legislativo, gozam de uma certa autonomia.

Falei que se houvesse a representação, a titularidade é do procurador-geral da República, a primeira providência ditada pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal seria a convocação dos chefes dos poderes do Espírito Santo. Mas não houve a representação. E o Judiciário só age mediante uma provocação. A provocação aí teria que ser do chefe do Ministério Público.

O que o senhor achou da decisão de revogar essa provocação?

Não, ele não revogou. Ele apenas não formou conhecimento para apresentá-la ao Supremo.

Que visão o Senhor tem do Judiciário do Espírito Santo? O que o senhor acha que está acontecendo nas entranhas desse Judiciário, junto com os outros Poderes?

O Judiciário vem atuando e julgando os casos que são submetidos a apreciação pelo Ministério Público.

O senhor não acha que há contaminação?

Não há uma contaminação. Nós não podemos generalizar as coisas. Nós temos que admitir que, de regra, os juízes são pessoas compenetradas e querem o melhor para a sociedade brasileira.

O senhor acha que não há setores que estão contaminados?

Não sei. Eu não conheço os elementos de prova existentes contra esta ou aquela autoridade.

Nem, por exemplo, juízes que tenham se sentido ameaçados lá. O senhor também não tem conhecimento disso?

Não chegou, pelo menos ao âmbito do Supremo, nenhuma denúncia de ameaça formalizada a juiz.

Ministro, hoje qualquer brasileiro, consciente, que abrir os jornais vai ficar atordoado nas páginas políticas com aquele cruzamento de partidos, aquela promiscuidade para efeito eleitoral. Não há nenhum tipo de tema programático que junte os partidos. Há apenas o interesse eleitoral. Isso significa que aquela decisão da verticalização, que foi aparentemente correta, no sentido de que buscava dar coerência ao nosso sistema, não deu em nada. O que nós precisamos neste momento é rever esse quadro partidário. O senhor acha que estamos à véspera de mais uma grande reforma política, precisamos disso ou vamos, mais uma vez, depender de consultas ao Poder Judiciário para nortear a vida partidária do país?

O Supremo Tribunal Federal examinou essa resolução do Tribunal Superior Eleitoral e concluiu, havendo alguns votos contra, inclusive o meu, que seria uma resolução em harmonia com a Constitucional Federal. Não cabe mais discutir. A decisão foi formalizada. A surpresa foi geral. Por que a surpresa foi geral? Porque a mesma lei interpretada hoje pelo TSE foi aplicada na eleição de 98. E aí se admitiu coligação.

Que eleição foi mais legítima, a de 98 ou a de agora, porque são interpretações diferentes?

O tempo teria, se houve aí algo discrepante, afastado essa discrepância quanto às eleições passadas. Tanto que o governador do Acre foi eleito com o apoio do próprio partido, o PT, e do PSDB.

Ministro, no dia 14 de agosto o senhor vai ter que julgar seis pedidos de intervenção em três Estados por causa de precatórios. O que vai acontecer?

Márcia, esse é um assunto seríssimo. O que ocorre? O cidadão comum quando é executado tem 24 horas para liquidar o débito sob pena de ver bens penhorados. E o Estado? O Estado não pode ter os bens penhorados. A Constituição Federal prevê um mecanismo de execução que projeta para o término do exercício seguinte àquele em que é emitido o chamado precatório a liquidação do débito. Mas o Estado não vem satisfazendo esses débitos.


Eu tenho relativamente ao maior Estado do Brasil, que é São Paulo, 1.500 processos prontos de intervenção e também abrangendo precatórios alimentícios. E com pareceres do procurador-geral da República no sentido da intervenção. Eu estarei levando, na sessão do próximo dia 14, dois processos de São Paulo, dois processos da capital da República e dois do Rio Grande do Sul. E penso que fui feliz por que temos aí governadores de partidos diversos envolvidos.

Ministro, o senhor representa o principal tribunal do país. Para chegar a essa posição seu nome foi escolhido pelo presidente e aprovado pelo Senado, como todos os ministros do Supremo. O mesmo modelo acontece nos Estados Unidos, mas há uma importante diferença: nos EUA, quando o candidato, a pessoa que é escolhida pelo presidente da República é levada ao Senado existe uma grande discussão com a sociedade. Já vi muitos casos de candidatos serem reprovados nesse processo. No Brasil isso nunca aconteceu. O senhor não acha que para a gente democratizar um pouco mais a Justiça precisa começar por aí?

Teremos agora, nos próximos anos, considerado o mandato do presidente que for eleito agora em outubro, cinco vagas. O tribunal é composto de 11 integrantes. Se o próximo presidente for reeleito, ele fará maioria absoluta no Supremo. Nós devemos repensar essa forma de escolha dos integrantes do STF.

Como é que deveria ser?

E a sociedade deve cobrar do Senado Federal uma triagem rigorosa quanto àqueles indicados pelo presidente da República.

Lá cada candidato é investigado, passa por uma grande investigação.

O que é salutar. O que é a revelação de um estágio da própria democracia americana. O povo, os segmentos da sociedade, deve participar quanto à escolha de um integrante da mais alta Corte do Judiciário do país.

Ministro, isso pressupõe uma certa comunicação do Judiciário com a sociedade. No Brasil, o índice dessa comunicação é baixíssimo. A começar pela linguagem do Judiciário. Eu há pouco tempo peguei uma sentença de um juiz. Aquilo é quase uma outra língua. Imagino agora como vai ser o desafio da TV Justiça porque é preciso se comunicar numa linguagem mais adequada. Acho que estamos à véspera de uma revolução na linguagem do Judiciário.

Espero que a linguagem seja simplificada e abandone o juiz aquela redoma que, em última análise é uma autodefesa. O juiz é um interlocutor abalizado. Ele deve prestar à sociedade as informações que a sociedade precisa ter. E mais transparência.

O caso desse Elias Maluco, que está aí, é um bandido terrível, e foi solto por decisão de um juiz. Isso não está explicado. E casos como esse…

Até seria uma ótima matéria para uma mesa redonda da TV Justiça. Inaugura dia 11 de agosto. Ela estará no ar durante, pelo menos, quatro horas diárias.

Ministro, tenho aqui algumas perguntas que acho importantes. Gostaria de saber a opinião do senhor, vai ter que ser rapidamente, sobre a redução da idade penal, a exemplo do que fez a França? O que o Senhor acha da descriminalização da maconha que está acontecendo na Inglaterra?

Eu sou favorável à redução da idade penal. Não consigo conciliar o fato de um jovem de 16 anos poder participar de um certame para a escolha do presidente da República e não ser responsável penalmente. A idade foi fixada em 18 anos em uma outra época. A gama de informações que chega ao jovem hoje é muito maior. Agora, evidentemente, temos que alterar a Carta da República porque a idade penal está afixada na Constituição. Estaríamos no campo da razoabilidade ao prever essa responsabilidade. Sobre a maconha, creio que o usuário é merecedor de tratamento e não de pena.

Adianta condenar uma pessoa a 200 anos se ela só pode ficar na cadeia, segundo a lei brasileira, 30 anos? Não é pouco para determinados crimes?

Creio que um dia na cadeia já é muito tempo. Principalmente nas cadeias brasileiras. O que se dirá quanto a 30 anos. É uma eternidade.

Ministro, a lei de lavagem de dinheiro, chamada Crimes Modernos, foi criada em 98. De lá para cá, somente três casos foram julgados. Os bancos deveriam ter que informar sobre movimentação irregular de dinheiro, mas a pena para eles é apenas administrativa não é criminal. Por que essa lei não funciona realmente?

Ela precisa ser acionada. E precisa ser acionada pelo Ministério Público demonstrando o que vier a alegar na ação penal. Na primeira peça da ação penal. Para isso ele pode pedir a quebra ao juiz do sigilo de dados. Nós estamos aí atuando nesse campo. A lei tem sido acionada pelo Ministério Público.

Mas só três casos apreciados desde 98.

Eu não tenho a estatística exata dos casos que desaguaram em sentenças condenatórias. Agora, é claro que o juiz julga de acordo com as peças existentes no processo.


Ministro, recentemente, um estuprador e assassino de um garoto estava preso, confessou o crime, mas o juiz decidiu conceder a ele o benefício da liberdade temporária alegando que ele não tinha sido preso em flagrante. Ele foi solto e voltou a cometer o crime. O Senhor não acha um absurdo isso?

Cabrini, veja o que ocorre. A Constituição Federal assenta a presunção da não culpabilidade até que se tenha uma decisão final num processo condenando uma pessoa. Eu não posso presumir só porque houve a acusação que alguém seja realmente o aturo daquele crime.

Inicialmente ele confessou o crime.

Inicialmente?

Confessou que matou o garoto.

Certamente, o magistrado não viu periculosidade maior para mantê-lo, antes do término do processo, na prisão.

Uma decisão polêmica.

Uma decisão em que ele apreciou os dados do processo.

Mas se o senhor, por exemplo, fosse o pai dessa outra vítima, não teria direito de processar o Estado?

Sim. Aí cabe a responsabilidade do Estado. Mas, infelizmente, no Brasil, a responsabilidade, em geral, não apenas do Estado, engatinha. Vamos avançar no exercício da cidadania buscando responsabilizar aqueles que realmente claudicaram.

Ministro, como é que anda o preparo jurídico no país? Eu vi o resultado de um Provão, as faculdades de direito, tem algumas que a gente fica arrepiado de ver o resultado.

Quando a faculdade é benévola a vida econômica é impiedosa. O profissional do direito, por exemplo, se ele não tiver uma boa formação jurídica e também uma boa formação humanística ele não logrará sucesso. A competição é muito grande nessa área. São poucos os advogados bem-sucedidos.

Mas que observação o senhor faz do ensino jurídico no Brasil hoje? Nós estamos muito piores do que estávamos há dez anos?

Não, não estamos. Nós temos um sistema que nos dá uma segurança maior. Hoje, por exemplo, para se obter uma inscrição na Ordem dos Advogados é indispensável o exame. E esse exame tem sido rigoroso pelas diversas seccionais do Brasil.

istro, o senhor falou muito que o juiz tem que se ater às leis. Mas, como pessoa, às vezes, o Senhor não entra em conflito com o que acha que é justo.

Márcia, geralmente quando eu me defronto com conflito qualquer que tenha que ser dirimido, idealizo para esse conflito a solução mais justa, a partir da minha formação humanística. Depois é que eu vou à lei.

a lei não rege tudo?

A interpretação da lei é um ato de vontade. E eu encontro apoio para a solução que imaginei no início.

ás, o senhor consegue ser, talvez, o ministro mais criativo da história do Supremo. E mais polêmico também.

E há quem condene essa minha ótica. Essa minha faceta.

de vez em quando o senhor tem algumas sentenças controvertidas. Me lembro de uma que era caso de sedução de menor. O Senhor se lembra disso? No que o senhor pensou quando o senhor disse…

Estou, por entre aspas, porque no Brasil nós não temos crime por presunção. Era uma pessoa que tinha uma vida promíscua e saía com Deus e o mundo. Foi surpreendida pelo pai numa terceira saída com um rapaz, que já, inclusive, estava, quando veio a sentença condenatória, casado, chefiando uma família. E tivemos um curso na ação. Ela, indagada em juízo, se mantivera forçada relação sexual com ele, negou. O tipo penal prevê o constrangimento. Nós só temos o estupro quando a mulher, seja ela quem for, inclusive uma prostituta, é constrangida a ter relações.

Esse é o caso de sentença contra a letra fria da lei.

Sim. Interpretando. A decisão não foi minha. Foi do colegiado, da 2a Turma.

Que idade tinha a moça em questão?

A moça tinha idade de 14 anos, mas aparência de 18 anos.

Quando o Senhor diz que a interpretação da lei é um ato de vontade o Senhor está dizendo que essas decisões variam de juiz para juiz e a lei é apenas uma sugestão para decisão?

Por isso nós temos os colegiados. Para que cada qual dê a sua colaboração de acordo com o convencimento formado. Agora buscando, acima de tudo, a almejada justiça.