Assalto Judiciário

TV Globo tem suas contas bloqueadas em todo o país

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27 de abril de 2002, 0h21

A Rede Globo de TV teve as suas contas bloqueadas em todo o país e o saque de R$ 3,5 milhões autorizado pelo juiz José Francisco do Nascimento, da 6ª Vara Cível de Teresina, no Piauí.

Na opinião do advogado Ricardo Tosto (que não trabalha para a emissora), a antecipação de tutela em dinheiro, “é uma brutalidade que vem atingindo inúmeras empresas”. Para o especialista em direito comercial, essa possibilidade, inscrita no Código de Processo Civil autoriza “verdadeiros assaltos judiciários” (leia artigo do advogado, produzido no mês passado, ao final do texto).

A notícia do bloqueio foi divulgada pela própria emissora nesta sexta-feira (26/4). O juiz concedeu tutela antecipada no processo de indenização por danos morais movido pelo desembargador José Soares Albuquerque contra a Rede Globo e o jornalista Roberto Cabrini.

Albuquerque foi citado em reportagem exibida pelo “Jornal Nacional” em 23 de março de 2001 como envolvido em um esquema de venda de pareceres e sentenças. De acordo com a decisão do juiz Nascimento, a quantia de R$ 3,5 milhões foi estipulada como forma de garantir a indenização em caso de condenação.

A Globo informou em nota oficial que recorreu da decisão no Tribunal de Justiça do Piauí.

O recurso, segundo a emissora, não foi julgado porque quatro desembargadores alegaram questões de foro íntimo para não avaliar o assunto. Um quinto desembargador, João Batista Machado, teria dado um prazo de dez dias para Albuquerque prestar esclarecimentos. Citados pela reportagem, o genro e a filha do desembargador também são beneficiados pela liminar.

De acordo com a emissora, Albuquerque já sacou R$ 100 mil de algumas contas da empresa.

A Globo informou ter depositado hoje em juízo a quantia restante (R$ 3,4 milhões), que teria sido deixada à disposição do Tribunal de Justiça do Piauí. O desembargador não poderá movimentar a quantia enquanto não houver uma decisão final da Justiça, anunciou a emissora.

Leia a íntegra da nota divulgada pela Rede Globo

“Em 23 de março do ano passado, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem de Roberto Cabrini sobre a venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça do Piauí. Fartamente documentada, inclusive com o uso de microcâmeras, a investigação jornalística tinha como principal acusado o desembargador José Soares de Albuquerque.

Em janeiro último, o desembargador ajuizou ação de indenização por danos morais contra a TV Globo e o repórter, pleiteando uma quantia entre dez mil reais e cem milhões de reais.

Na mesma ação, ele pediu a tutela antecipada da indenização, um instrumento utilizado apenas quando há urgência na decisão. Mesmo a ação estando ainda em sua fase inicial, o Juiz José Francisco do Nascimento, de primeira instância, acolheu o pedido, autorizando o bloqueio, em todo o país, de todas as contas da emissora até o valor de três milhões e meio de reais.

E também autorizou o desembargador Albuquerque a fazer o levantamento dessa importância, ou seja, a sacar o dinheiro. De algumas contas, ele conseguiu sacar cem mil reais e ficou aguardando o levantamento dos bancos dos quais a TV Globo é cliente.

Com contas bloqueadas, o que prejudica o andamento normal da empresa, a TV Globo entrou com recurso no Tribunal de Justiça. Mas, dos desembargadores que poderiam deliberar, quatro se declararam suspeitos por motivo de foro íntimo e, logo, não analisaram o caso.

Um quinto desembargador, João Batista Machado, mesmo diante da urgência da situação, antes de julgar o recurso achou por bem dar um prazo de dez dias para que o Desembargador Albuquerque, acusado pela reportagem, expusesse os seus motivos.

A TV Globo, com o objetivo de retomar a sua vida financeira normal e fazer frente aos compromissos do dia-a-dia, decidiu hoje depositar os três milhões e quatrocentos mil reais restantes, deixando-os à disposição da sexta Vara Cível de Teresina, cujo titular é o juiz José Francisco do Nascimento.

O desembargador José Soares de Albuquerque não poderá movimentar esta quantia até que haja uma sentença judicial definitiva a respeito.

A TV Globo entrará com as ações necessárias para que o mesmo aconteça com os cem mil reais já sacados.

Central Globo de Comunicação

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2002″

Leia artigo do advogado Ricardo Tosto, escrito em março deste ano

Inversão de valores

Tutela antecipada dá dinheiro à vista para direito a prazo

Ricardo Tosto*

O direito brasileiro manda que, quando duas partes se enfrentam na Justiça, o lado vencedor só vai usufruir, permanentemente, do direito que lhe foi reconhecido, ao final do processo. Exceto, é claro, quando houver o risco de dano irreparável na demora da decisão. Havendo claros sinais de que o direito reivindicado existe, o pedido é atendido provisoriamente.

Essa construção foi amadurecida ao longo dos séculos para dar equilíbrio às relações. Tanto é que, caso a parte contrária demonstre que a decisão liminar foi indevida, ela é cassada.

A partir do ano passado, contudo, a pretexto de dar mais agilidade às disputas, o Código de Processo Civil foi alterado para permitir a chamada antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, total ou parcialmente, nos pedidos de condenação de pagamento em dinheiro.

A novidade foi introduzida com a sanção da Lei 10.352, em dezembro de 2001, que, entre outras providências, deu nova redação ao artigo 273 do CPC.

A nova lei completou a reforma iniciada em 1994, no que diz respeito à antecipação dos efeitos da tutela. Estabeleceu-se que o recurso contra a antecipação dos efeitos da tutela deverá ser recebido apenas em seu efeito devolutivo (e não mais devolutivo e suspensivo).

Bonita na teoria, essa brecha tem servido, na prática, para uma absurda injustiça. No julgamento de mérito, o vencedor que já liberou o dinheiro por conta da tutela antecipada, não o consegue de volta.

Esse mecanismo tem se revelado um instrumento de espoliação do patrimônio do réu, que se vê antecipadamente condenado, sem ao menos ser citado, nem tampouco ouvido. O que for decidido na sentença de mérito deixa de ser relevante.

Haveria equilíbrio, isto sim, se a vitória provisória da parte beneficiada pela antecipação tutela fosse caucionada com uma fiança bancária que permitisse a eventual (e possível) reversão da decisão instável.

Da forma como vem sendo praticada, depois que a parte tem acesso ao dinheiro, não se tem a menor possibilidade de reavê-lo, posto que dinheiro se gasta, se consome, pode ficar escondido no colchão, pode ser trocado por dólares, pedras preciosas etc.

Prova disso se tem nos “assaltos judiciários” a que a Petrobrás tem sido submetida ultimamente, largamente divulgado pela imprensa, bem como as instituições financeiras nas ações onde se pede a indenização por dano moral. Em ambos os casos, tem-se antecipado a tutela para valores na casa dos milhões de reais.

Passou a existir o ganho de causa moral, que deveria ser o efetivo – ao final do processo – e o ganho de causa real, engendrado às custas da antecipação da tutela, que se corporifica com a entrega do dinheiro diretamente à parte, tornando faticamente irreversível a decisão judicial.

Algumas vezes são exigidas garantias do autor da ação para o levantamento do dinheiro, ocasião em que são oferecidos bens superavaliados. Nesses casos, a fraude fica melhor estruturada, dificultando a atuação dos réus.

O “assalto” ocorre, normalmente, através do saque do dinheiro, em espécie, diretamente nas agências onde o réu tem conta-corrente.

Em suma, o caixa, o cofre, das instituições financeiras é sumariamente esvaziado por ordem judicial, muita vezes acompanhada de reforço policial a fim de que o réu, ou o banco onde ele seja correntista, não oponha óbice ao cumprimento da ordem judicial. Isto, repita-se, sem que o réu tivesse sequer conhecimento da ação.

Tais fatos, que estão se tornando comuns e usuais, estão se tornando em fator de amplo desprestígio do Poder Judiciário, e de inusual insegurança para os empresários.

Tudo isso mostra o quanto é urgente reformar o artigo 273 do Código de Processo Civil e vedar a antecipação dos efeitos da tutela, que se constitua na entrega de dinheiro. Ou seja: é preciso impedir a antecipação dos efeitos da sentença condenatória de pagamento em dinheiro.

Até porque, o elenco dos títulos executivos extrajudiciais é bastante extenso. Principalmente em razão das possibilidades previstas no Código de Processo Civil (no inciso II, do art. 585) e que mostram com clareza solar que não se justifica a amplitude dada ao artigo 273 do Código de Processo Civil.

Ricardo Tosto é advogado em São Paulo, sócio do Escritório Leite, Tosto e Barros Advogados

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