Nas terras da Panair

União é condenada a pagar ação milionária à Panair do Brasil

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23 de abril de 2002, 20h04

O juiz federal Marcelo Dolzany da Costa, da 16ª vara de Belo Horizonte, condenou o Ministério da Aeronáutica a indenizar a extinta Panair do Brasil pela ocupação de uma área adquirida em 1942 para a ampliação do aeroporto de Belém do Pará. O valor da indenização foi calculado em R$ 3,3 milhões (valores de dezembro de 1999, que serão corrigidos) e deve ser pago em dinheiro, mas a sentença ainda depende de confirmação pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, mesmo que a União se conforme com a decisão do juiz. É uma das vantagens processuais da União.

A Panair tem ações semelhantes envolvendo disputas nos aeroportos de Macapá, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador. As ampliações dessas pistas foram autorizadas pelo governo Getúlio Vargas em 1941, por decreto, como parte da estratégia brasileira nas operações da 2ª Guerra Mundial.

O terreno de Belém tem pouco mais de 150 mil metros quadrados e fica no cruzamento das duas pistas do aeroporto de Val-de-Cans. Um decreto-lei baixado à época do segundo governo de Getúlio Vargas (DL-3.462/41) autorizou a empresa a construir, melhorar e aparelhar vários aeroportos de capitais brasileiras. A Panair investiria capital próprio nessas obras e depois apresentaria os gastos como crédito junto à União para pagar taxas, impostos e outros encargos ligados aos serviços aeroportuários.

Além do aeroporto de Belém, a Panair foi autorizada a reformar e ampliar os aeroportos de Macapá, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador. Esses aeroportos também serviram como base de apoio às forças americanas no Atlântico Sul.

O juiz aceitou o argumento de que a área foi comprada com a finalidade prevista no decreto-lei 3.462/91 pois estava logo adiante de uma das cabeceiras da única pista até então existente no aeroporto de Belém. Mesmo que a Panair não tenha provado que ampliara a pista com seu dinheiro, a sentença considerou que pelo menos o terreno era de propriedade da empresa e não fora regularmente desapropriado pela União.

A Advocacia-Geral da União em Belém argumentou que a área e as obras autorizadas à Panair tinham sido entregues à Aeronáutica tão-logo encerradas, como previa o decreto-lei. A partir dessa entrega, a Panair se tornara arrendatária, e não mais proprietária. A União também alegou que a lei 5.972, de 1973, autorizou o Governo Federal a registrar em seu nome todos os imóveis ocupados por unidades militares durante vinte anos sem interrupção. Segundo a defesa, a lei reconhecera ao Governo o direito de usucapião – uma figura jurídica que reconhece a aquisição da propriedade pela posse ou ocupação contínua do bem depois de alguns anos.

O juiz não aceitou esses argumentos. Um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, assinado em abril de 1980, admitiu que alguns bens da Panair não foram incluídos no processo de falência da empresa. A pedido do general Danilo Venturini, então chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, o parecer analisava a viabilidade de um projeto de decreto-lei que autorizava a União a transigir com a massa falida da Panair. O projeto se destinava a extinguir todos os litígios relacionados com os créditos da Fazenda e os direitos e créditos alegados pela Panair.

O então procurador-geral Cid Heráclito de Queiroz aconselhou que o projeto fosse modificado apenas para ressalvar que a Panair não mais poderia alegar a existência de qualquer direito ou crédito decorrente de indenização pela ocupação de imóveis de sua propriedade por parte da administação direta e indireta. O decreto-lei, contudo, não passou de um projeto.

A sentença considerou esse pronunciamento como o indício de que a União jamais desapropriou a área comprada pela Panair em 1942. Como a empresa estivesse sob falência de 1965 a 1995, o juiz entendeu que nesse período não correu o prazo para a União alegar que tinha direito ao usucapião do terreno.

A Panair teve encerrada sua falência por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que lhe reconheceu a regularidade do pagamento e extinção de todas as dívidas que lhe levaram à quebra. O tribunal também a autorizou a retomar a posse e propriedade de todos os bens remanescentes da massa falida para pagamento dos credores. “Dentre tais bens se inclui o imóvel questionado nesta ação”, entendeu o juiz.

Marcelo Dolzany não aceitou o argumento de que a Lei dos Registros Públicos, de 1973, autorizou a União a registrar o terreno em seu nome. “Esse registro não foi efetivado no Cartório de Registro de Imóveis competente, até porque, estando em curso a ação de falência, esse bem fazia parte do patrimônio da massa falida e apenas poderia ser alienado com autorização do juízo da falência e ainda assim para quitar os débitos da massa falida arrolados naquele processo”.

Ainda que não houvesse processo falimentar, a sentença também afirma que “a transferência do imóvel para a União, nos termos do decreto nº 79.345/77, não excluiria o seu dever de indenizar, ante o princípio (…) que veda o enriquecimento sem causa”.

O engenheiro civil encarregado da perícia judicial estimou o valor da área em R$ 9,4 milhões porque avaliou o metro quadrado em R$ 51,43 e acrescentou como fatores valorização o próprio aeroporto, os melhoramentos públicos e a topografia. O valor médio do metro quadrado foi calculado com base no preço de imóveis em diferentes bairros de Belém.

A União discordou do método e apresentou um laudo do Serviço de Patrimônio da União que avaliou o imóvel em R$ 2,5 milhões. O laudo não foi aceito por outro juiz que presidia a causa, por isso a União apresentou um recurso que será julgado somente quando a sentença proferida esta semana for reexaminada pelo Tribunal Regional Federal de Brasília.

O juiz discordou em parte do laudo do perito porque deveriam ser considerados como referências de preço os imóveis nas proximidades do aeroporto para fixar um valor médio mais próximo à realidade. “É notório que os imóveis situados próximos aos aeroportos são desvalorizados no mercado imobiliário por força de inúmeras importunidades: barulho e poluição provocados pelo pouso e decolagem de aeronaves, limitação da utilização do imóvel pelo proprietário (…), riscos à segurança física de seus ocupantes em caso de sinistro aéreo na rota de aproximação e decolagem de aeronaves” fundamentou o juiz para discordar do método empregado pelo perito.

A sentença considerou o valor do metro quadrado em R$ 21,85. A indenização pelo terreno ficou em R$ 3.315.660,34.

O pedido de indenização pelas benfeitorias foi negado. Para o juiz, a Panair não comprovou se e quanto realmente gastou na construção e reforma do aeroporto. A sentença deve sair no Diário Oficial do Pará na próxima semana. Mesmo que ninguém recorra, o processo obrigatoriamente deve subir para nova análise na segunda instância em Brasília.

Com informações da Assessoria da Ajufe.

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