Dignidade imoral

Veneno: Sunda ataca o STF, os bancos e os juristas.

Autor

  • Sunda Hufufuur

    Mestre em Direito Transcendental autor da tese denominada "Entre a loucura e a Justiça fica o jurídico" vive no alto do Transimalaia entre o recôncavo da imanência e as espirais astrais do transetérico.

22 de abril de 2002, 10h00


A inutilidade sábia desta coluna é para lhe servir.

;

(Mais artigos do Mestre Sunda: http://www.hufufuur.com)

Do Alto do Transimalaia, da zona ultralunar do suprastral (essa é nova!), o Mestre Sunda Hufufuur volta seu binóculo moral sobre o Brasil, e o que vê? Vê o STF, como sempre, prestes a aprontar (ou não, como diria Caetano!) mais uma, quando julgará duas ações diretas de inconstitucionalidade: Adin 2.591, onde se pretende a desconsideração dos serviços bancários como relações de consumo, pelo que o Código do Consumidor (CDC) não mais poderá ser aplicado para a tutela dos direitos dos clientes (principalmente para o efieto de pagar indenizações aos clientes por seus abusos!) e a Adin 2.316, sobre a possibilidade de cobrança de juros capitalizados (juros sobre o próprio valor auferido com juros).

Antes de abordarmos o tema, façamos uma rápida pincelada sobre o que são os bancos no Brasil: entidades parasitárias que nada produzem no universo concreto, servindo tão somente a captar recursos de tudo vampirizando o suor alheio. Praticam os juros mais altos do planeta, tal qual seriam se a inflação não tivesse acabado. Aos mesmos não se aplicam as leis da usura, por levarem o pomposo nome de “instituições financeiras”.

Através de eficientes departamentos tributários, pagam proporcionalmente muito menos tributos que a maioria dos contribuintes. Como marca do governo FHC, foram agraciados com a medida provisória que permite a cobrança de juros sobre juros. Ainda contam também, quando há rombos imensos, com a ajuda paternal do PROER (fortunas maiores que as somas destinadas a muitos programas sociais já foram empregadas em seu socorro).

Entre as várias características que sinalizam a sua indiferença social, podemos destacar que apesar do lucro bilionário, são incapazes de criar empregos, mas, pelo contrário, reduziram muitíssimo seu quadro de funcionários com a informatização, e como reflexo superficial dessa condição predatória nós, os clientes, suportamos longas filas unicamente para que eles não tenham de pagar o magro salário de seus empregados para mais três ou quatro pessoas por agência, o que não afetaria em nada seus ganhos estratosféricos.

Não podemos confundir a idoneidade ou inidoneidade da causa com o caráter do profissional advogado que nela trabalha, mas fico a meditar sobre qual será o pensamento íntimo dos patronos na defesa do interesse anti-social e despersonalizado dessas corporações gigantescas, essa hidras impessoais que são os bancos… Onde fica o idealismo e nobreza da advocacia, aquilo que ouvimos sempre nos belos discursos de formatura?

O romantismo da profissão extinguiu-se. Repito aqui o que já disse em resposta para um grupo de conceituados juristas descontentes com algumas afirmações minhas: SE A ADVOCACIA FOSSE ROMÂNTICA, A SORTE DE GRANDES CLIENTES SERIA TRÁGICA!

A estratégia dos bancos é bem simples: afirmam que somente a lei complementar, conforme o artigo 192 da CF/88, pode regular qualquer coisa do sistema financeiro, de forma que o CDC e correlata proteção ao consumidor não se aplicariam ao bancos. Seguros da cooperação do Poder Legislativo, capilarmente entranhados que são neste poder, esperam que tal lei complementar, de muito mais difícil aprovação, jamais verá a luz.

A julgar pelo lamentável exemplo da ADIN nº4, pela qual os juros de 12% ao ano foram considerados inaplicáveis, na mais inaceitável e decepcionante atuação do STF, não podemos negar, infelizmente, que a esperança do bancos seja factível! (sobre o tema, vide o artigo “STF, a Esfinge da jurisdição” em http://www.hufufuur.com/stfesfinge.html).

Entendamos logo que muita coisa, senão a maior parte do que está reservado à lei complementar ou lei ordinária foi para afastar dos holofotes democráticos as questões cruciais. Na época da Constituinte, o país, egresso de uma ditadura, buscava o resguardo da democracia, porém, enquanto uns almejavam uma democracia genuína, outros quiseram tão somente a mera aparência, a saber, uma democracia formal.

É justamente neste ponto que, como solução astuta para a falsificação da democracia pelo poder econômico, afluíram as normas dependentes de lei complementar, lei ordinária, etc., e entre essas a lei complementar que regularia o art. 192 da Constituição. Os bancos agora reclamam a continuidade deste plano desviante impondo a espera perpétua pela lei complementar que garantirá a proteção aos clientes, licenciando-se portanto o abuso!

Sabemos que a moral nunca foi concêntrica ao capitalismo, de modo que quando essa estranha matéria penetra a neurologia bancária (O BOLSO!), os bancos postulam seus direitos antinaturais de exploração, buscando um escudo normativo contra as obrigações indenizatórias. Tal anteparo legal para os mais vergonhosos propósitos confere o ar daquela dignidade engravatada que socorre a causa do absurdo em nossos tribunais, ou seja, é quando a lei é a dignidade imoral. Somente assim podem ser qualificadas as manobras para legitimar o desrespeito ao cliente ou os escandalosos juros capitalizados.

O artigo de Arnold Wald (advogado dos bancos nesta ação e em centenas de outras) publicado em 6 de fevereiro no jornal “O Globo” (“O banco e os clientes”) reflete essa capacidade criativa dos juristas, como engenharia retórica na desconstrução do óbvio, para justificar a perfídia do abuso econômico que desarranja o Brasil. Frases de caráter perfunctório, aromatizantes intelectuais da inverdade saltam à vista tais como “o constituinte, ao determinar que o Sistema Financeiro Nacional devia ser estruturado por lei complementar, assim decidiu pelo fato de reconhecer a importância básica da política monetária no mundo moderno”.

Ora, o artigo 192 da Constituição, nada dispõe a respeito das relações entre bancos e clientes, mas simplesmente sobre o sistema financeiro. O sistema financeiro é a organização dos elementos constitutivos da política monetária do Estado bem como as entidades, seu modo de constituição e formas através das quais se operam as transações financeiras, ou seja, regula-se o modus operandi das atividades financeiras, e não a relação de balcão com os clientes!

Contrariando ainda o que o Sr. Arnold Wald afirma, no “mundo moderno” (que nada mais é que um eufemismo para “países ricos”), a relação entre bancos e clientes é amplamente tutelada pelas normas próprias da relação de consumo!

Quem, em sã consciência, não qualificaria de usura a prática de um banco ou administradora de cartão de crédito que eleve o patamar de juros a quase 300 % ao ano, como decorrência de anatocismo? Quem, logo no primeiro pensamento, não adverte o fundo temerário da pretensão dos bancos de não se submeterem ao Código do Consumidor? Eu lhes digo quem poderá de negar isso: nossos tribunais, o STF e o governo FHC, que por inexplicáveis razões, favoreceu os bancos com uma medida provisória que permite a capitalização de juros. Somente a lógica do inconfessável acode à minha mente para explicar tal fato…(*)

A ação dos bancos é infame e condenável, e não será a verve criativa dos cérebros mais potencializados o que servirá para a dissuasão das certezas que todo homem comum experimenta, de um só reflexo, ao ingressar numa relação desigual com instituições sólidas e agigantadas. O que o equacionamento jurídico busca, ao defender os bancos, neste mister, é esvaziar o socorro do direito para o indivíduo, cada vez mais anonadado pela sombra das grandes corporações. Já é hora de se abandonar, no meio jurídico, essa verdadeira prestidigitação hermenêutica, com textos que alucinam o contexto, os quais, tenho fé, serão um dia piada douta a restar como curiosidade.

Enfim, esta é mais uma das oportunidades do STF estabelecer se somos realmente um Estado Democrático ou Plutocrático de Direito. Veremos se quem vence é o povo, com o CDC, ou os tubarões…

Ah, o Exmo. Ministro Nelson Jobin, o nosso “Ministro Ocular” (sempre pede vista!), nomeado por FHC, já pediu vista…. vamos ver no que dá…

(*) Está aberto o “concurso Hufufuur” para leitores, cujos textos poderão eventualmente ser publicados nessa coluna, consistente no seguinte: o candidato terá de escrever qual a razão para que FHC tenha editado uma medida provisória permitindo a capitalização de juros. Todas as idéias serão aceitas, desde as jurídicas até aquelas fulcradas no Tarot, astrologia, decoração de porcelanas, banda larga, Felipão, sei lá… De algum lugar deverá vir a explicação..

A inutilidade sábia desta coluna é para lhe servir.

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(Mais artigos do Mestre Sunda: http://www.hufufuur.com)

Do Alto do Transimalaia, da zona ultralunar do suprastral (essa é nova!), o Mestre Sunda Hufufuur volta seu binóculo moral sobre o Brasil, e o que vê? Vê o STF, como sempre, prestes a aprontar (ou não, como diria Caetano!) mais uma, quando julgará duas ações diretas de inconstitucionalidade: Adin 2.591, onde se pretende a desconsideração dos serviços bancários como relações de consumo, pelo que o Código do Consumidor (CDC) não mais poderá ser aplicado para a tutela dos direitos dos clientes (principalmente para o efieto de pagar indenizações aos clientes por seus abusos!) e a Adin 2.316, sobre a possibilidade de cobrança de juros capitalizados (juros sobre o próprio valor auferido com juros).

Antes de abordarmos o tema, façamos uma rápida pincelada sobre o que são os bancos no Brasil: entidades parasitárias que nada produzem no universo concreto, servindo tão somente a captar recursos de tudo vampirizando o suor alheio. Praticam os juros mais altos do planeta, tal qual seriam se a inflação não tivesse acabado. Aos mesmos não se aplicam as leis da usura, por levarem o pomposo nome de “instituições financeiras”.

Através de eficientes departamentos tributários, pagam proporcionalmente muito menos tributos que a maioria dos contribuintes. Como marca do governo FHC, foram agraciados com a medida provisória que permite a cobrança de juros sobre juros. Ainda contam também, quando há rombos imensos, com a ajuda paternal do PROER (fortunas maiores que as somas destinadas a muitos programas sociais já foram empregadas em seu socorro).

Entre as várias características que sinalizam a sua indiferença social, podemos destacar que apesar do lucro bilionário, são incapazes de criar empregos, mas, pelo contrário, reduziram muitíssimo seu quadro de funcionários com a informatização, e como reflexo superficial dessa condição predatória nós, os clientes, suportamos longas filas unicamente para que eles não tenham de pagar o magro salário de seus empregados para mais três ou quatro pessoas por agência, o que não afetaria em nada seus ganhos estratosféricos.

Não podemos confundir a idoneidade ou inidoneidade da causa com o caráter do profissional advogado que nela trabalha, mas fico a meditar sobre qual será o pensamento íntimo dos patronos na defesa do interesse anti-social e despersonalizado dessas corporações gigantescas, essa hidras impessoais que são os bancos… Onde fica o idealismo e nobreza da advocacia, aquilo que ouvimos sempre nos belos discursos de formatura?

O romantismo da profissão extinguiu-se. Repito aqui o que já disse em resposta para um grupo de conceituados juristas descontentes com algumas afirmações minhas: SE A ADVOCACIA FOSSE ROMÂNTICA, A SORTE DE GRANDES CLIENTES SERIA TRÁGICA!

A estratégia dos bancos é bem simples: afirmam que somente a lei complementar, conforme o artigo 192 da CF/88, pode regular qualquer coisa do sistema financeiro, de forma que o CDC e correlata proteção ao consumidor não se aplicariam ao bancos. Seguros da cooperação do Poder Legislativo, capilarmente entranhados que são neste poder, esperam que tal lei complementar, de muito mais difícil aprovação, jamais verá a luz.

A julgar pelo lamentável exemplo da ADIN nº4, pela qual os juros de 12% ao ano foram considerados inaplicáveis, na mais inaceitável e decepcionante atuação do STF, não podemos negar, infelizmente, que a esperança do bancos seja factível! (sobre o tema, vide o artigo “STF, a Esfinge da jurisdição” em http://www.hufufuur.com/stfesfinge.html).

Entendamos logo que muita coisa, senão a maior parte do que está reservado à lei complementar ou lei ordinária foi para afastar dos holofotes democráticos as questões cruciais. Na época da Constituinte, o país, egresso de uma ditadura, buscava o resguardo da democracia, porém, enquanto uns almejavam uma democracia genuína, outros quiseram tão somente a mera aparência, a saber, uma democracia formal.

É justamente neste ponto que, como solução astuta para a falsificação da democracia pelo poder econômico, afluíram as normas dependentes de lei complementar, lei ordinária, etc., e entre essas a lei complementar que regularia o art. 192 da Constituição. Os bancos agora reclamam a continuidade deste plano desviante impondo a espera perpétua pela lei complementar que garantirá a proteção aos clientes, licenciando-se portanto o abuso!

Sabemos que a moral nunca foi concêntrica ao capitalismo, de modo que quando essa estranha matéria penetra a neurologia bancária (O BOLSO!), os bancos postulam seus direitos antinaturais de exploração, buscando um escudo normativo contra as obrigações indenizatórias. Tal anteparo legal para os mais vergonhosos propósitos confere o ar daquela dignidade engravatada que socorre a causa do absurdo em nossos tribunais, ou seja, é quando a lei é a dignidade imoral. Somente assim podem ser qualificadas as manobras para legitimar o desrespeito ao cliente ou os escandalosos juros capitalizados.

O artigo de Arnold Wald (advogado dos bancos nesta ação e em centenas de outras) publicado em 6 de fevereiro no jornal “O Globo” (“O banco e os clientes”) reflete essa capacidade criativa dos juristas, como engenharia retórica na desconstrução do óbvio, para justificar a perfídia do abuso econômico que desarranja o Brasil. Frases de caráter perfunctório, aromatizantes intelectuais da inverdade saltam à vista tais como “o constituinte, ao determinar que o Sistema Financeiro Nacional devia ser estruturado por lei complementar, assim decidiu pelo fato de reconhecer a importância básica da política monetária no mundo moderno”.

Ora, o artigo 192 da Constituição, nada dispõe a respeito das relações entre bancos e clientes, mas simplesmente sobre o sistema financeiro. O sistema financeiro é a organização dos elementos constitutivos da política monetária do Estado bem como as entidades, seu modo de constituição e formas através das quais se operam as transações financeiras, ou seja, regula-se o modus operandi das atividades financeiras, e não a relação de balcão com os clientes!

Contrariando ainda o que o Sr. Arnold Wald afirma, no “mundo moderno” (que nada mais é que um eufemismo para “países ricos”), a relação entre bancos e clientes é amplamente tutelada pelas normas próprias da relação de consumo!

Quem, em sã consciência, não qualificaria de usura a prática de um banco ou administradora de cartão de crédito que eleve o patamar de juros a quase 300 % ao ano, como decorrência de anatocismo? Quem, logo no primeiro pensamento, não adverte o fundo temerário da pretensão dos bancos de não se submeterem ao Código do Consumidor? Eu lhes digo quem poderá de negar isso: nossos tribunais, o STF e o governo FHC, que por inexplicáveis razões, favoreceu os bancos com uma medida provisória que permite a capitalização de juros. Somente a lógica do inconfessável acode à minha mente para explicar tal fato…(*)

A ação dos bancos é infame e condenável, e não será a verve criativa dos cérebros mais potencializados o que servirá para a dissuasão das certezas que todo homem comum experimenta, de um só reflexo, ao ingressar numa relação desigual com instituições sólidas e agigantadas. O que o equacionamento jurídico busca, ao defender os bancos, neste mister, é esvaziar o socorro do direito para o indivíduo, cada vez mais anonadado pela sombra das grandes corporações. Já é hora de se abandonar, no meio jurídico, essa verdadeira prestidigitação hermenêutica, com textos que alucinam o contexto, os quais, tenho fé, serão um dia piada douta a restar como curiosidade.

Enfim, esta é mais uma das oportunidades do STF estabelecer se somos realmente um Estado Democrático ou Plutocrático de Direito. Veremos se quem vence é o povo, com o CDC, ou os tubarões…

Ah, o Exmo. Ministro Nelson Jobin, o nosso “Ministro Ocular” (sempre pede vista!), nomeado por FHC, já pediu vista…. vamos ver no que dá…

(*) Está aberto o “concurso Hufufuur” para leitores, cujos textos poderão eventualmente ser publicados nessa coluna, consistente no seguinte: o candidato terá de escrever qual a razão para que FHC tenha editado uma medida provisória permitindo a capitalização de juros. Todas as idéias serão aceitas, desde as jurídicas até aquelas fulcradas no Tarot, astrologia, decoração de porcelanas, banda larga, Felipão, sei lá… De algum lugar deverá vir a explicação…

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    Mestre em Direito Transcendental, autor da tese denominada "Entre a loucura e a Justiça fica o jurídico", vive no alto do Transimalaia entre o recôncavo da imanência e as espirais astrais do transetérico.

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