Abuso em cobrança

Juiz manda faculdade reembolsar alunos por cobrança indevida

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20 de abril de 2002, 14h02

O juiz da 36ª Vara Cível de São Paulo Marcos Fleury Silveira de Alvarenga condenou a UniFMU (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas) por cobrança indevida de mensalidades. Os alunos repetentes estavam sendo obrigados a pagar mensalidade integral apesar de cursarem apenas parte das disciplinas.

Alvarenga mandou o centro universitário devolver os valores pagos a mais pelos alunos. Determinou também que a faculdade se abstenha de cobrar a mensalidade integral de alunos que cursam apenas parte das disciplinas.

A sentença foi publicada em março no Diário Oficial do Estado. A instituição já recorreu ao Tribunal de Justiça paulista.

A Ação Civil Pública foi impetrada pelo Promotoria do Consumidor do Estado de São Paulo. De acordo com a ação, o Código de Defesa do Consumidor garante o direito de o aluno pagar apenas o número de disciplinas cursadas.

Em casos como esse, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido a favor do pagamento proporcional das mensalidades.

Leia a decisão

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

Processo nº 000.01.069985-6

36ª Vara Cível

Vistos.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO propõe Ação Civil Pública em face de FMU FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS – ASSOCIAÇAO EDUCACIONAL, pleiteando inicialmente a concessão de liminar inaudita altera parte determinado à ré que se abstivesse de cobrar dos alunos reprovados em mais de duas disciplinas a anuidade integral, passando a utilizar-se do critério previsto para o aluno em dependência ou adaptação, abstendo-se ainda de aplicar as cláusulas 10ª, c/c, 2ª e 11ª no tocante a cobrança abusiva, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00 por cobrança feita em desacordo com a determinação; bem como também em sede de medida liminar fosse determinado à ré que procedesse à entrega da segunda do contrato assinado ao corpo discente no prazo de 15 dias contados a partir da intimação, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00 por dia de atraso, recolhidas igualmente ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados; julgando-se a final procedente ação definitiva a medida liminar, declarando-se a ilegalidade de parte das cláusulas 2ª, 10ª e 11ª no tocante à cobrança da anuidade integral dos alunos reprovados em mais de duas disciplinas, determinando-se à ré que se abstivesse de cobrar dos alunos reprovados em duas ou mais disciplinas a anuidade integral passando a utilizar-se do critério previsto para o aluno em dependência ou adaptação (cláusula 9ª, com a fixação da anuidade no valor de setecentos reais, dividida em dez parcelas mensais , iguais e sucessivas de setenta reais, podendo ultrapassar 100% da anuidade), sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00 por cobrança feita em desacordo com a referida determinação, corrigida monetariamente, recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados, condenando-a ainda na obrigação de fazer consistente em entregar ano a ano ao aluno contratante a segunda via do contrato imediatamente à sua assinatura, sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00 por, descumprimento, recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados bem como a devolver aos alunos reprovados em mais de duas disciplinas os valores ilegalmente cobrados a título de mensalidade ou Anualidade integrais, em dobro, corrigidos monetariamente, além dos demais ônus decorrentes da sucumbência.

Para tanto, apontando a legitimidade do Ministério Público na defesa dos interesses Difusos, coletivos e homogêneos, sustentou, em síntese, a cobrança por parte da ré por serviços não prestados indicando a cláusula 11, cobrando a ré anuidade integral de alunos reprovados em mais de três disciplinas, embora só venham a cursar as matérias em que não obtiveram aprovação.

Observou que o aluno reprovado já se submetia à obrigação de freqüentar as aulas de todas as matérias em que foi reprovado. Assim, cobrar dele pelas matérias em que foi aprovado, representaria um verdadeiro bis in idem.

Por outro lado, atacou a não entrega da segunda via do contrato, dispondo que segundo o apurado no procedimento administrativo, a ré não entrega ao corpo discente cópia do contrato assinado.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 28/193.

Não concedida a liminar initio litis, contestando o feito manifestou-se a ré argüindo como questão prejudicial exceção de incompetência e ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público.

No mérito, apontou os artigos 207 e 209 da Constituição Federal, 12º, 1º do Decreto 2.306/97, a legitimar o procedimento adotado, obervando não ser verdade a afirmação de que a Faculdade cobrasse por serviços não prestados.

Quanto à segunda via do contrato de prestação de serviços educacionais, dispôs que após certas formalidades burocráticas internas, põe o contrato à disposição do aluno na tesouraria da entidade, isso, quando não o remete pelo correio.

Com a resposta juntou os documentos de 213/263.

Houve réplica às folhas 266/279.

É o relatório,

DECIDO.

Inicialmente rejeito o alegado em liminar como questão prejudicial.

Tal como apontado pelo Ministério Público em sua réplica de fls. 266/279, tratando-se a ré de instituição de ensino particular e correspondendo o ato a típica atividade administrativa interna corporis ditada pelos estatutos e regimentos do estabelecimento, não há dúvida quanto à competência da Justiça Estadual.

Por outro lado, possui o Ministério Público legitimidade ativa ad causam, considerando o objeto da ação com vista à proteção dos direitos coletivos de um grande contingente de consumidores que contrataram com a ré, direitos que estariam sendo violados pela aplicação de cláusulas abusivas.

Atua assim na defesa de interesse ou direitos transindividuais de natureza indivisível, a teor dos artigos 107 e 129, II da Constituição da República; artigos 1º, 3º, 5º caput e 21 da lei 7.47/85 e art. 82, inc. I, c/c 81, parágrafo único, incisos I a III da Lei 8.078/0.

No mérito a ação é procedente, comportando julgamento no estado consoante o disposto no artigo 330, inciso I do CPC.

Com efeito, de início cumpre destacar que a avenca pactuada entre a ré e seus alunos norteia-se pelas características da onerosidade e bilateralidade, que não são desnaturadas em face do contrato de adesão.

Com efeito, emerge da simples leitura das cláusulas do contrato firmado, a pré-determinação de seu conteúdo, sem participação de sua elaboração pela parte aderente, razão pela qual subsistem a uniformidade e a rigidez das cláusulas, uma vez que estipuladas em série, preenchendo-se tão somente os dados que qualificam a parte aderente. (Confira-se, nesse sentido GENOVESE, in “Condizioni Generalli dei Contratti”, in Enciclopédia Del Diritto, Ed. Cedam Padova, e Orlando Gomes, in “Contratos”, Ed. Forense, pg. 129)

Comprovada a existência de contrato por adesão, cumpre tecer as seguintes considerações:

Tratando-se de contrato de adesão, é de ressaltar que a teor do disposto nos artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90, alunos e ré adentram, respectivamente, nas definições de consumidor e fornecedor.

Como corolário do princípio supra exposto, nos contratos de adesão impõe-se interpretação favorável ao consumidor (art. 47 da lei 8.078/90), em tutela da boa-fé objetiva. Referido entendimento é robustecido nos casos em que se vislumbram cláusulas iníquas, ou, que elucidem gravame pecuniário excessivo.

Como bem ressalta Alberto do Amaral Junior, na obra “Comentários ao Código do Consumidor”, Ed. Saraiva, pg. 193, submete-se ao controle judicial a perquirição de eventuais cláusulas abusivas, sendo patente o caráter leonino e abusivo da cláusula 11ª da avenca (fls. 74/vº), ao determinar que o aluno retido em três ou mais disciplinas, considerado aprovado, tenha que efetivar a matrícula pagando o valor integral da mensalidade nos termos da cláusula 2ª, ou seja, uma anuidade composta de 12 parcelas iguais e sucessivas, a primeira no ato da matrícula e as demais nos meses de fevereiro a dezembro do respectivo ano letivo, embora só venha a cursar as matérias em que foi reprovado.

Nítida, pois, a cobrança por serviços não prestados.

Quanto a não entrega do contrato ao corpo discente, em que pesem as justificativas da ré, não há dúvida não só pela apurado no procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público (fls. 28/192), como pela própria afirmação da ré em sua contestação justificando que “após certas formalidades burocráticas internas, põe o contrato à disposição do aluno na Tesouraria da entidade, quando não o remete pelo correio, em porte simples”, que de fato não entrega oportunamente por ocasião da matrícula uma via do contrato aos estudantes.

Por oportuno, mencionem-se os incisos I, IV, XIII e XV, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impliquem , respectivamente, na renúncia à disposição de direitos, que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; que autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; e que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

Isto posto, julgo procedente a ação proposta pelo Ministério Público em face da FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas – Associação Educacional, declarando nulas as cláusulas 2ª, 10ª e 11ª, no que tange à cobrança da anuidade integral dos alunos reprovados em três disciplinas ou mais, nos termos da fundamentação acima exposta, determinando à ré que se abstenha de tal prática, passando a utilizar-se do critério estabelecido para o aluno em dependência ou adaptação (cláusula 9ª), sob pena do pagamento de multa no valor de R$ 2.000,00 por cobrança efetuada em desacordo com o determinado, devidamente atualizada a data da respectiva infração, a ser recolhida ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados.

Condeno também a ré, na obrigação de fazer consistente na entrega ao aluno contratante no ato da matrícula da segunda via do contrato, igualmente sob pena do pagamento da multa no valor de R$ 2.000,00 por descumprimento, devidamente corrigida, recolhida também ao citado fundo de reparação.

Condeno ainda a ré, na forma dos artigos 42, parágrafo único e 95 do Código de Defesa do Consumidor, a restituir aos alunos reprovados em mais de duas disciplinas, os valores indevidamente cobrados a título de mensalidade ou anuidade integrais, devidamente corrigidos e acrescidos dos juros legais, desde os indevidos desembolsos.

Condeno por fim a ré, ao pagamento das custas e despesas processuais.

São Paulo, 28 de dezembro de 2001.

MARCOS FLEURY SILVEIRA DE ALVARENGA

JUIZ DE DIREITO

Revista Consultor Jurídico, 20 de abril de 2002.

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