Contratos Eletrônicos x Informáticos

Contratos eletrônicos e informáticos possuem classificações distintas

Autor

  • Rodrigo Guimarães Colares

    é diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática integrante da unidade de Direito Empresarial e da Tecnologia da Informação de Martorelli Advogados.

10 de abril de 2002, 11h52

1. INTRODUÇÃO.

O homem como ser racional é dotado de interesses, que nem sempre coincidem entre si. Para conciliá-los, necessário foi se utilizar de negócios, que na sociedade moderna passaram a ser bens juridicamente tutelados. Vieram, portanto, os contratos a regular os negócios jurídicos resultantes de acordos de vontades, de maneira a excluir quaisquer controvérsias, conciliando os interesses, havendo duas ou mais partes, criando, modificando ou extinguindo situação jurídica, baseando-se nas lições de Clóvis Beviláqua e Orlando Gomes.

Face a modernização das relações humanas e surgimento de novas espécies e meios para execução dos negócios jurídicos, os contratos sofreram muitas inovações ao longo de sua história. Foi para atender à nova e crescente demanda da informática, decorrente da implementação do novo mundo criado pela revolução digital, que surgiram os contratos eletrônicos e os contratos informáticos.

2. REQUISITOS CONTRATUAIS NO DIREITO DA INFORMÁTICA

A validade e a eficácia do contrato dependem de requisitos que o legislador brasileiro atribuiu como essenciais à validade do ato jurídico, mas que igualmente devemos imputá-los aos contratos, presentes no art. 82 do Código Civil vigente: capacidade das partes, licitude do objeto e forma prescrita ou não defesa em lei.

Primeiro requisito contratual, de ordem subjetiva, é a capacidade civil das partes. Para contratar, devem as partes ter atingido a idade mínima de 16 anos. Entretanto, o contrato firmado em que uma das partes tenha entre 16 a 21 anos é anulável, caso não esteja assistido de seu tutor, por se tratar de sujeito relativamente incapaz de realizar negócios jurídicos. Assim, perfeitos estarão aqueles contratos firmados entre partes capazes, não eivados de erro, que atendam ainda aos requisitos de licitude objetual e de forma.

O contrato como meio de realização de negócio jurídico deve ter seu objeto lícito e possível. Não pode, portanto, ser o objeto perpetrado de ilicitude nem de impossibilidade, como é o caso de se contratar a venda da Internet. A Internet, como sabemos, não é um objeto único, mas um enorme corpo, dividido em organismos que se subdividem em um número incomensurável de células, representadas por cada computador a ela ligado; assim impossível é sua compra e venda, pois impossibilium nulla obligatio est.

Por fim havemos de destacar o requisito formal do contrato: deve atender, quando houver, a forma prescrita ou não defesa em lei. Existindo forma especial prescrita em lei a ser seguida pelo contrato, denominamos de contrato típico. Quando não houver, tratar-se-á de contrato atípico. Os contratos, mesmo que atípicos, não podem seguir formas que sejam proibidas por determinação legal.

Maria Helena Diniz divide os requisitos contratuais em subjetivos – relativos às partes contratantes; objetivos – aqueles que dizem respeito ao objeto da estipulação contratual e requisitos formais – atinentes ao contrato em sua forma de exteriorização. No entanto, esses requisitos, de uma forma geral, encontram-se subentendidos nos três requisitos do art. 82 do Código Civil Pátrio vigente.

Cumprindo esses requisitos, estaria o contrato apto à consecução do seu fim, ao seu escopo, aquilo que nele fora estipulado, regulando os interesses das partes, pronto a produzir seus efeitos. Assim também devem estar presentes esses requisitos nos contratos eletrônicos e nos contratos informáticos.

3. CONTRATOS ELETRÔNICOS E CONTRATOS INFORMÁTICOS

No mundo dos bits, os contratos vieram a regular negócios jurídicos que têm por fim bens ou serviços de informática. Da mesma forma, surgiram contratos versando sobre objetos mais variados concebíveis, que passaram a ser celebrados pelos novos meios de comunicação e informáticos. Contratos Informáticos e Contratos Eletrônicos são modalidades contratuais que ganharam terminologias novas, mas que pertencem, na verdade, a classificações distintas.

3.1. CONTRATOS INFORMÁTICOS

Primeiramente, os Contratos Informáticos são aqueles que têm por objeto bens ou serviços de informática, celebrados por qualquer que seja o meio, informático (Internet, Intranet, EDI, teleatendimento, etc) ou não. Eis que apresentam em seu escopo, fim último objeto da estipulação contratual, bem ou serviço de informática.

Estão inseridos como contratos informáticos, portanto, os contratos de licença de uso de software – que têm por fim regular a utilização legal de cópia de programa de computador; os contratos de cessão de direitos patrimoniais de programa de computador; as licitações que envolvem contratação para desenvolvimento de software ou mesmo a licitação de contratação para licença de uso de software pré-existente (software de prateleira); os contratos de suporte e manutenção de programa de computador – que visam dar assistência aos usuários que contrataram licença de uso de determinado software; os contratos de transferência tecnológica; etc.


Mister faz-se frisar o fato de que o programa de computador, daquele que compramos em loja, na verdade não está sendo comprado. Ao pagarmos pelo programa de computador o que está havendo, de fato, é uma contratação de licença de uso de software, e nesta contratação, como em toda outra, prevalece o que há estipulado no corpo do instrumento. Não há, portanto, operação de compra e venda, não havendo transação mercantil ou circulação de mercadoria, sendo inconstitucional a cobrança de ICMS atualmente feita pelo Estado de Pernambuco. O que incidiria sobre o programa de computador, assim, seria o ISS – Imposto Sobre Serviços, caso estivesse o software em sua lista de serviços tributáveis encontrada em Lei Complementar específica, o que não ocorre no presente momento. Este estudo será abordado com mais propriedade em trabalho específico.

Conforme se observa, os contratos informáticos podem se revestir sob a natureza de Direito Público ou Privado, dependendo das partes que estão contratando. Claro exemplo de contrato informático de natureza jurídica de Direito Público é aquele firmado por meio de licitação para aquisição de bens ou serviços de informática.

Desta forma sendo, basta que o objeto daquilo que se está pactuando seja um bem ou um serviço de informática, que estará caracterizado o contrato informático, olvidando-nos, portanto, do meio pelo qual ele esteja sendo celebrado. É o contrato informático classificação quanto ao objeto contratual.

3.1.1. SHRINKWRAP AGREEMENTS

Terminologia originalmente adotada nos Estados Unidos da América, os shrinkwrap agreements são aqueles contratos informáticos, de adesão, encontrados dentro de caixas lacradas de programas de computador, geralmente relativos à sua licença de uso.

Segundo a doutrina predominante, o momento do aceite nos shrinkwrap agreements ocorre quando o usuário rompe o lacre invólucro da caixa, motivo pelo qual se argumenta que seja necessária a exposição desses contratos externa à caixa.

Entretanto, há aqueles que entendem haver aceitação apenas depois de rompido o lacre e ser dado um tempo para leitura e reflexão das cláusulas estipuladas no contrato de adesão de licença de uso do programa de computador.

3.2. CONTRATOS ELETRÔNICOS

Denomina-se Contrato Eletrônico aquele celebrado pelo meio eletrônico, informático, independe de qual seja o objeto contratado. Envolve, assim, na sua consecução, algum meio ou sistema informático, tal como Internet, EDI – Eletronic Data Interchange, mais utilizado no comércio entre empresas (business-to-business ou B2B), central de teleatendimento e telemarketing, etc.

A Internet é um meio especial de contratação eletrônica, pois nos provê uma gama de serviços pelo qual se pode contratar. Assim, pode ser pactuado um contrato eletrônico por e-mail, WWW (World Wide Web), ICQ, bate-papo e outros novos canais de comunicação que nela venham a surgir.

Citamos como contratos eletrônicos os contratos de compra e venda pela Internet – quando compramos um CD ou livro pela WWW; os contratos de e-banking – aqueles que envolvem transações bancárias pela Internet ou por teleatendimento; o pregão eletrônico – que é uma modalidade de contratação pública, recentemente instituída em nosso ordenamento jurídico pátrio, feita pela Internet; etc.

Do exposto, vemos claramente que assim como os contratos informáticos, podem os contratos eletrônicos apresentar natureza jurídica de Direito Público, quando o poder público for parte, ou Direito Privado, quando ambas as partes foram de direito privado. É o pregão eletrônico um autêntico contrato eletrônico de natureza jurídica de Direito Público.

Contrato eletrônico, dessa forma, é classificação quanto ao meio em que se celebra o contrato.

3.2.1. CLICKWRAP AGREEMENTS

Um tipo de contrato eletrônico comumente encontrado na Internet é o que a doutrina norte-americana chama de Clickwrap Agreement. Estes, na verdade, são contratos de adesão presentes em páginas na web, cujo aceite se dá quando o usuário clica em um botão com dizeres do tipo “I AGREE”, “ACEPT”, “ACEITO”, “SIM”, ou qualquer outro que indique a afirmativa de aceitação por parte do contratante. A partir daí, caso estejam presentes os três requisitos de validade dos atos jurídicos presentes no art. 82 do Código Civil, estará o contrato firmando vontade entre as partes.

De qualquer forma, o clique em botão que vise indicar expressamente afirmação por parte do contratante não é condição sine qua non para a aceitação, pois depois de ter se dado chance de leitura do contrato para contratante, e este executar atos que indiquem aceitação do mesmo, está se perfazendo o ato de aceite tácito.

Pode o clickwrap agreement aparecer de várias maneiras: estar presente na mesma página em que se encontra a oferta, com o botão de aceite em seguida; em outra página levada por um link visivelmente presente na página onde está a oferta; ou mesmo dentro de uma caixa de texto, presente na página principal da oferta.


Encontramos ainda clickwrap agreements nos programas de instalação de programas de computador, momentos antes de aceitarmos que estes sejam instalados, para que se tenha a certeza de ter sido dada ao usuário a oportunidade de leitura do contrato de licença de uso.

Outras formas de apresentação de clickwrap agreements podem surgir, pois sua forma não é prescrita por lei.

Alguns dizem ser necessário e imprescindível aos clickwrap agreements alguma espécie de mecanismo que só permita o click do botão de aceite após ter sido feita leitura de todo o texto do contrato. No entanto, tal afirmativa nos parece ser infundada, pois da mesma forma que alguém pode assinar um contrato sem lê-lo, pode clicar e aceitar um clickwrap agreement sem tê-lo lido. O que nos parece requisito essencial é a oportunidade de leitura integral do texto do clickwrap agreement, de forma visível, na página da oferta.

O valor dos negócios jurídicos regulados pelos clickwrap agreements, como nos sugere Joseph B. Darby III, geralmente é baixo, indo até US$5.000,00. Contratos para valores que giram em torno de US$500.000,00 devem ser assinados na maneira tradicional, com papel e caneta, devido à volatilidade dos documentos no meio eletrônico, onde se encontram.

3.2.2. O PROBLEMA DA CAPACIDADE CIVIL NOS CONTRATOS ELETRÔNICOS.

Problema corriqueiro encontrado nos clickwrap agreements e em outros tipos de contratos eletrônicos é quanto à verificação de capacidade da parte contratante. Enquanto que uma empresa legalmente constituída oferece um serviço ou produto seu à disposição na Internet, de forma à contratação se dar por meio virtual, não se tem segurança quanto à capacidade da outra parte que está com ela contratando.

É comum encontrarmos nos clickwrap agreements disposições do tipo “a pessoa que aceita estes termos está declarando ser maior de 21 anos e capaz para contratar”, mas de nada adianta tal assertiva caso venha um menor de, por exemplo, 14 anos a fechar este contrato. Isto porque os menores de 16 anos se encontram destituídos de qualquer capacidade civil para manifestação de sua vontade, nulo sendo o contrato.

Pode, no entanto, o responsável pelo mesmo vir a aceitar futuramente os termos ali avençados, por achar ser de seu interesse. De outra forma, caso, por exemplo, chegue fatura em seu cartão de crédito relativo a transação feita na Internet pelo seu filho menor de 16 anos, pode o interessado pleitear na justiça o não cumprimento daquela obrigação de pagar, por não ter sido o agente contratante e este ser seu filho, absolutamente incapaz de validar atos jurídicos de natureza civil, havendo erro quanto ao sujeito contratante e neste sentido errore veritas… non amittitur.

Anuláveis ainda são aqueles contratos em que uma das partes não tenha sui juris, ou seja, prerrogativa de exercer todos os atos da vida civil.

Se por um lado o contrato eletrônico encontra sua maior virtude na agilidade com que permite a efetuação de transações e negócios jurídicos, por outro é contaminado pela insegurança em relação às partes que contratam.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nada impede que um contrato venha a ser, ao mesmo tempo, eletrônico e informático, por se tratar de classificações diferentes. Assim o será quando for o contrato firmado por meio eletrônico e tenha como objeto bem ou serviço de informática.

Fiel exemplo de contrato eletrônico e informático é o que serve de instrumento de licença de uso de programa de computador, quando acordado diretamente pela Internet, por um clickwrap agreement. É o caso de se pagar pela licença de uso de programa de computador, fazendo-se o download de sua cópia diretamente no site da empresa de software, utilizando-se, para a transação, do cartão de crédito. É o que podemos chamar de contrato eletrônico e informático, de execução no meio virtual.

Tanto os contratos eletrônicos como os informáticos são modalidades contratuais atípicas ou inominadas, por não receberem da ordem jurídica regulamentação própria. Pode, de outra forma, um contrato eletrônico dar vez a um contrato nominado, quando perfazer-se de negócio expressamente disposto no Código Civil e com lei específica, como ocorre no contrato de compra e venda celebrado por meio virtual.

5. BIBLIOGRAFIA.

a. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 3, 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

b. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 14ª ed.

c. GOMES, Orlando. Contratos. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense.

d. VELHO, Adriana Haack. A Validade do Documento Eletrônico. http://www.ibdi.hpg.ig.com.br/artigos/adriana_haack/002.html em 05 de abril de 2002.

e. STEWART, Christian. Internet Law: Clickwrap agreement on Web site can help protect seller. http://www.amarillonet.com/stories/070300/bus_070300-19.shtml em 06 de abril de 2002.

f. DARBY III, Joseph B. Adventures in Clickwrap. http://www.cpuniverse.com/newsite/archives/2000/jun/law.html em 06 de abril de 2002.

g. ROHRMANN, Carlos Alberto. A Assinatura Digital. http://home.earthlink.net/~lcgems/AssDg.html em 07 de abril de 2002.

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