A vida na Web

Editor analisa como será a vida na Internet em 2004

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

9 de abril de 2002, 15h05

São 6:30 da manhã em algum dia de 2004. O despertador toca e você levanta da cama para enfrentar os desafios do dia. Após uma rápida ducha, você toma o café da manhã e se arrasta até o PC para verificar se nenhum e-mail chegou durante a noite.

Humm… 231 novos e-mails, mas seus filtros dizem que destes, 217 provavelmente são spams. Apesar de terem sido colocados em outra pasta, você ainda terá que se certificar que não perdeu nenhuma mensagem importante que possa ter sido desviada acidentalmente pela imperfeição do programa.

Maldição, parece que você recebeu também 5 novos anexos contendo vírus e trojans, bem como um deles possui 20 mb de tamanho – significa mais 4 dólares na sua conta de DSL.

Repentinamente, um diálogo pop-up aparece, avisando que há 2 novas atualizações de segurança do Windows que devem ser instaladas, totalizando cerca de 60 mb em tamanho (um custo de mais 12 dólares no tráfego).

Você sabe que, baixando essas atualizações, terá que reiniciar o computador, mas você está com pressa, então clica no botão “cancela” e inicia seu navegador para buscar as últimas notícias e manchetes.

Em segundos, a área de trabalho do PC revive com pop-ups piscando, e banners de propaganda animados – mas hoje em dia, você já está acostumado a esses anúncios altamente intrusivos.

Outra caixa de diálogo aparece, desta vez alertando-o de que a sua licença do Windows XP 2004 irá expirar em 10 dias. Isso lembra você que, se esquecer de renovar a licença (mais 199 dólares), não conseguirá mais fazer o boot no seu PC.

Passam pela mente saudosas memórias dos tempos em que havia alternativas ao sistema operacional da Microsoft – mas isso foi antes do governo se dar conta que o software é como o petróleo – uma mercadoria totalmente essencial para a vida da maioria das pessoas e para a saúde dos negócios.

A legislação aprovada em 2003 exige que todos os vendedores e desenvolvedores adquiram uma licença específica para trabalhar, e impõe a cobrança de um tributo de 45% sobre todas as vendas. Claro, e graças à exultação da Microsoft, isto acabou por destruir o movimento do Código Aberto, e ser um fornecedor não-licenciado de software significa estar sujeito à aplicação de uma dura multa ou até mesmo a um período na cadeia, já que essas licenças são incrivelmente caras.

Você digita “cnn.com” e entra com sua ID e senha associadas à sua assinatura mensal. Você se lembra de quando centenas de sites disponibilizavam as últimas notícias de graça? Hoje, não mais. Claro, ainda há uns poucos, mas eles constantemente são processados pelos ‘grandes nomes’, que alegam a ocorrência de violação dos direitos autorais. Apesar dessas medidas judiciais inevitavelmente não prosperarem, o custo dos processos significa a extinção desses sites independentes de notícias em poucos meses.

Operando o controle-remoto, você liga seu dispositivo que toca músicas digitais, e se surpreende com o fato de que 95% do poder de computação do aparelho é dedicado ao sofisticado sistema de gerenciamento de direitos digitais.

Após uma tentativa mal-sucedida de se proteger os CDs de cópias não-autorizadas, a indústria das gravadoras obrigou a utilização de um novo formato de mini-CD, cuja proteção ainda não foi burlada (apesar de existirem rumores que alguns russos já conseguiram).

Você não pode mais comprar músicas em CDs, e as velhas mídias CDR/RW agora custam 10 dólares cada, graças ao imposto de 9 dólares exigido pela lei anti-pirataria de 2003.

Outra advertência aparece – “A sua licença para esta gravação expirou. Impossibilitado de tocar.” Droga – mais 49 dólares se você quiser ouvir aquela música por mais um ano. Você se questiona: se essas novas medidas significam a redução da pirataria, por que a música agora custa tão caro?

Você redige um rápido e-mail a um amigo, convidando-o para um almoço. Claro que você tomou o cuidado de não usar palavras como “bomba” e “avião” na mesma mensagem, com medo de atrair a atenção da nova polícia antiterrorismo. Depois de tudo que aconteceu, cada bit de informação que entra e sai de seu PC é rastreado pelas autoridades – sob a premissa de que é de interesse da segurança (inter)nacional, e que visa a redução na prática de crimes.

É interessante como eles supostamente podem detectar até mesmo um tom não-amigável em um e-mail, mas não podem (ou não conseguem) acabar com a maré sem fim do spam, não é mesmo?

De modo inesperado, a tela de seu PC se apaga, e aparece a imagem de uma mulher nua em uma pose sedutora. Oh não, mais um daqueles porno-hacks. Talvez você devesse ter baixado os tais patches de segurança, apesar de tudo.

Por um instante um sorriso toma sua face – você está pensando nos “bons e velhos tempos”, quando a Internet era um lugar mais simples, equilibrado e seguro. Então você retorna à realidade, percebendo que ainda são 7:05am e você já gastou 264 dólares.

* Bruce Simpson é editor do tradicional site neozelandês de notícias sobre tecnologia Aardvark. O editor autorizou a tradução e publicação deste artigo.

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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