Briga por pacientes

Juiz obriga Silvano Raia a devolver prontuários do HC

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8 de abril de 2002, 18h33

O juiz da 13ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, Olavo Sá Pereira da Silva, determinou que os prontuários médicos de pacientes que estão na fila de espera para transplante de fígado permaneçam no Hospital das Clínicas.

A decisão determinou que os médicos Silvano Raia e Sérgio Mies devolvam as cópias de 2.500 prontuários que foram levados do HC quando eles se transferiram para o Hospital Albert Einstein.

Hoje, há 1.700 pessoas que aguardam o transplante na fila de espera do HC. A equipe seria responsável pelo cadastramento de parte dos pacientes.

A briga na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) começou com a transferência do grupo de 14 especialistas, chefiados pelos cirurgiões, em dezembro do ano passado.

Este mês, o Ministério da Saúde autorizou a nova equipe de transplantes de fígado do Hospital das Clínicas a captar órgãos e fazer as cirurgias.

De acordo com a decisão, os prontuários devem ficar no Hospital das Clínicas, “a não ser que o paciente deseje o contrário”. O juiz afirmou que os prontuários “pertencem ao paciente e estão sob guarda do hospital público diante da prévia vinculação existente entre ele e o estabelecimento”.

Segundo o juiz, o HC é, provavelmente, o local onde os pacientes darão continuidade ao tratamento, “não havendo motivos para supor ou imaginar situações de perigo”.

Veja a decisão

Poder Judiciário

São Paulo

Décima Terceira Vara da Fazenda Pública da Capital

Processo nº 1715/053.01.027589-7

Vistos.

Silvano Mario Attilio Raia e Sérgio Mies impetraram mandado de segurança contra ato do Sr. Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Sr. Diretor do Serviço de Cirurgia Experimental do Hospital das Clinicas da faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, alegando serem médicos especializados em transplante de fígado.

Outrora exercendo parcialmente suas atividades no Hospital das Clínicas, tendo transferido todas as suas atividades profissionais do referido hospital para o consultório na Av. Brasil, diante da urgência e do exíguo tempo para a realização da cirurgia de transplante de fígado, pretendem obter os prontuários médicos dos pacientes de que são responsáveis pelo atendimento, pois sua retirada foi truculentamente impedida pelos impetrados.

A liminar foi deferida pelo Juízo e depois reconsiderada, em parte.

Prestados as informações, sobreveio parecer do Ministério Público opinando pela denegação da segurança.

É o relatório. <decido

O pedido dos autores não merece acolhida.

Na realidade, pouco há a acrescentar ao bem lançado parecer do Dr. Promotor de Justiça, que muito bem elucidou a questão. Não há motivos para o aprofundamento da análise da questão portanto.

Com efeito, não há qualquer direito líquido e certo dos impetrantes a ser reconhecida nesta impetração.

Digno de menção, inicialmente, o resumo das informações trazidas pelos impetrados:

“que o credenciamento da Equipe para realizar transplante de Fígado não é dissociado da Instituição HCFMUSP;

que até a presente data, os componentes da equipe de transplante de fígado, anteriormente dirigida pelos impetrantes, não se desvincularam do Serviço de Cirurgia Experimental da Divisão de Clínica Cirúrgica I do ICUC – HCEMUSP, continuando subordinados a instituição;

que os candidatos a transplante não são de responsabilidade exclusiva dos Impetrantes, haja vista que cabe ao receptor a opção pela Instituição onde realizará o transplante e pela Equipe que o realizará, podendo mudar sua escolha a qualquer tempo, sem prejuízo de sua posição no Cadastro Técnico.

Que os prontuários são do paciente, sendo da responsabilidade do Hospital custodiar a informação obtida contra perda, mutilação, alteração ou o uso por pessoas não autorizadas;

Que o impasse na verdade é de natureza acadêmica, o que caracterizou a ocorrência como fato <sui generis, o que não impede de refletir sobre a autonomia do paciente que deve ser salvaguardada;

Que além desses aspectos envolvendo assistência do paciente, devem ser considerados as custas operacionais advindos da extração de cópias de aproximadamente 2500 (dois mil e quinhentos) prontuários, com, em média, 80 (oitenta) folhas cada, redundando em despesas para HCFMUSP, para atuar no recebimento, conferência e controle de prontuários, acarretando dispêndio considerável à instituição.”

Conclui-se das informações prestadas que os pacientes cujos prontuários estão sob a guarda do Hospital das Clinicas procuraram o referido hospital para o tratamento de suas enfermidades, essa propriamente de médios ora impetrantes. Estes vinculam-se ao Hospital das Clínicas por uma relação estatutária, sendo servidores públicos. Embora sejam os medidos responsáveis pelo tratamento dos pacientes que para lá se dirijam, este vinculam-se a pessoa jurídica e não aos médicos, podendo estes ser substituídos por outros.

Foi, de fato, o que ocorreu. Desligados os médicos ora impetrantes (servidores) do Hospital das Clínicas, outros os substituirão e doravante responsabilizar-se-ão pelo tratamento.

Ora, nada pode induzir a conclusão de que os pacientes do Hospital das Clínicas necessariamente abandonarão o tratamento para prossegui-lo com o Dr. Silvano Raia, pois pressupõe-se que alguém enfermo procure um hospital público porque não reúne condições financeiras para tratar-se com um determinado médico em particular.

Assim, a necessária conclusão é a de que os prontuários médicos pertencem aos paciente e estão sob a guarda do hospital público diante da prévia vinculação existente entre ele e o estabelecimento, no passo que os médicos relacionam-se com o H.C. por vinculação legal (estatutária).

Portanto, os prontuários, inclusive as cópias, devem permanecer sob a guarda do Hospital das Clínicas, a não ser que o paciente deseje o contrário, pois este é o lugar onde provavelmente darão continuidade ao tratamento, não havendo motivos para supor ou imaginar situações de perigo.

Ante o exposto, Denego a segurança, cassada a liminar.

Custas na forma de lei, Isento de honorários advocatícios.

P.R.I.

São Paulo (SP), em 12 de março de 2002.

Olavo Sá Pereira da Silva

Juiz de Direito

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