Escolha no STF

Luiz Flávio Gomes critica método de escolha para ministros do STF

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2 de abril de 2002, 12h38

O ministro Néri da Silveira deixará o Supremo Tribunal Federal no dia 24 de abril. Noticia-se que a vaga já está assegurada em favor do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, homem de confiança do presidente da República.

O que está em jogo em tudo isso não é sua capacidade técnica para ocupar uma das cadeiras da Suprema Corte. Quem o conhece minimamente, com certeza, jamais poderá colocar em dúvida a sua competência jurídica. Há, em suma, reconhecimento geral de que em sua atividade é um Homo habilis.

Diferentemente do que já ocorreu em outras ocasiões (recorde-se que até um médico já foi nomeado para o STF), o problema não é técnico. Tampouco de legalidade (sua nomeação, se ocorrer, seguirá todos os trâmites legais, seguramente). A questão é de legitimação. E como se legitima um ministro do STF? Pela sua ética, preocupação diuturna com a preservação dos direitos humanos fundamentais e, sobretudo, pela sua atuação absolutamente independente.

E pode ter atuação ética e independente o juiz que é escolhido “criteriosamente” pelo presidente da República, sobretudo por se tratar de jurista fiel à sua ideologia ou às suas convicções? Pode. Só para citar dois exemplos recentes da história da nossa mais alta Corte de Justiça: Celso de Mello e Marco Aurélio. O primeiro fazia parte do governo que o nomeou. O segundo, dizia-se, foi “posto no cargo” por ser primo do Collor. Ambos, entretanto, revelam, diariamente, não só uma apreciadíssima qualidade técnica senão também total autonomia no exercício das suas funções.

O que existe de mais grave na composição do STF é a forma empírico-primitiva da seleção dos seus membros. Quem escolhe o juiz é o presidente da República, com o aval do Senado Federal. Esse modelo brasileiro, da “cooptação” unilateral, embora vigente em praticamente toda a América Latina, é retrógrado, está ultrapassado e cria o risco de uma magistratura subordinada aos interesses do nomeante (cf. Gomes, L.F., A dimensão da magistratura no Estado Constitucional e Democrático de Direito, São Paulo: RT, 1997).

Nas democracias modernas vigora outro sistema: indicação pluralista, paritária e seqüencial de vários nomes (o que é feito pela própria Corte Superior ou pela Câmara dos Deputados ou ainda pelas entidades de classe: Ministério Público e Advocacia), aprovação pelo Senado e escolha final (segundo lista tríplice) do Presidente da República.

Na reforma do Judiciário, que está em andamento, há a previsão da “quarentena”, isto é, por um certo período ninguém que tenha ocupado altos cargos no Executivo pode ser nomeado ministro do STF. Isso já representa um avanço, mas não é tudo. O ideal seria modificar radicalmente o modelo brasileiro de seleção dos juízes das Altas Cortes.

De qualquer modo, nenhum sistema garante (100%) que o juiz será efetivamente independente. Os magistrados gozam de algumas garantias extras (vitaliciedade, inamovibilidade e irruditibilidade de vencimentos) exatamente para que o sejam. Aliás, tudo que a cidadania ética espera de um juiz, no Estado Constitucional e Democrático de Direito, é sua atuação não subordinada a interesses menores, partidários ou mesmo de grupo.

Seja Gilmar Mendes, seja qualquer outro jurista, o fundamental é superar todos os obstáculos que o arriscadíssimo modelo brasileiro de cooptação unilateral apresenta. Juiz não pode ser vassalo nem longa manus de ninguém. A sua principal preocupação, principalmente quando não concursado, deve residir em sua persistente legitimação, que depende (muito) da sua atuação independente assim como do seu engajamento ético.

A maior revolução da ciência jurídica neste princípio de novo milênio está na superação do formalismo positivista (obediência cega e obtusa da lei). Do método abstrato da mera subsunção estamos passando para o método concreto da ponderação, da razoabilidade, da proporcionalidade. O que mais importa, assim, não é a beleza do ordenamento ou do sistema jurídico (não queremos mais um Palácio jurídico), senão suas conseqüências práticas e reais (busca incessante do justo em cada caso concreto).

Que o próximo ministro do STF não seja um magistrado do tipo funcionário técnico-burocrático. Leia-se: um funcionário a mais! Que saiba bem distinguir o direito (ius) constitucionalmente enraizado do mero e insípido texto legal (lex), que é elaborado (muitas vezes) por um legislador despreparado tecnicamente e que (em geral) só tem compromisso com sua reeleição (não com a preservação da filosofia constitucional ou mesmo com a construção de uma nação eticamente orientada).

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    é mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, professor doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madri (Espanha) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG.

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