Ética e legislação

Novela global gera reflexão jurídica sobre a clonagem, diz juiz.

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2 de abril de 2002, 13h24

Aguardo com alguma expectativa para saber os rumos que essa novela tomará. Refiro-me exatamente a novela da Rede Globo (O Clone), que, a exemplo de tantas outras, deverá se arrastar por alguns meses, trazendo fatos do cotidiano, alguns verossímeis, outros nem tanto.

Normalmente centram o interesse em determinado personagem, cuja história agrada mais ao público, narrando seu drama pessoal, venturas e desventuras, até o final grandioso e feliz, invariavelmente mostrado aos expectadores no último capítulo. Algumas dessas novelas têm o mérito de apresentar fatos polêmicos e de proporcionar reflexão sobre temas relevantes.

Esse provavelmente será o caso dessa nova novela de Gloria Perez, “O Clone”, pois sem deixar de lado o aspecto romanesco, impulsionador de audiência, o título sugere debates a respeito das técnicas de reprodução assistida (inseminação artificial, fecundação “in vitro”, clonagem humana), seus aspectos éticos e suas conseqüências jurídicas.

Há questões polêmicas, sob várias vertentes; algumas provavelmente ganharão destaque. Não se sabe ainda de que forma serão abordados os problemas decorrentes. Espera-se tratamento sério e informativo sobre esse assunto, omitido na nossa legislação e para o qual nosso novo Código Civil dedicou um único dispositivo, ao presumir concebidos na constância do casamento os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga (feita em mulher casada ou convivente, com esperma de terceiro, um doador), desde que com prévia autorização do marido.

Em um dos capítulos, questão interessante surgiu: o personagem de Juca de Oliveira explicava a um grupo de alunos sobre a conservação do embrião para implantação no útero de uma mulher, quando foi perguntado sobre o destino a ser dado na hipótese de falecimento dos pais. Respondeu então que a família deveria resolver.

Pois bem. Imaginem os leitores que se cuide de fecundação homóloga, obtido o embrião com material genético do próprio casal interessado nessa forma de reprodução; portanto, sêmen do marido e óvulo da própria mulher.

Enquanto estão vivos, não há problema algum, pois o embrião poderia ser implantado. E se o marido falecer antes? Seria adequado prosseguir-se com o procedimento e permitir-se fecundação post mortem. E se ambos falecerem? Seria adequado implantar o embrião no útero de outra mulher (barriga de aluguel)? Quem decidiria a respeito disso? Os familiares? E se houver divergência? Como proceder? Quais seriam os direitos dessa criança, inclusive nas relações de parentesco e no âmbito sucessório? E se não houver interesse da família no aproveitamento, esse embrião poderia ser doado para pessoa estranha, ou seja, ser implantado no útero de outra mulher, numa espécie de adoção? Ou seria descartado? Um embrião poderia ser descartado? Não haveria ofensa ao direito à vida?

Essas e muitas outras perguntas surgem e surgirão no curso dessa história fictícia que já não está longe da realidade possível. Lembre-se que recentemente um homem e uma mulher que se divorciaram estabeleceram disputa judicial, em tribunal norte-americano, reivindicando embrião produzido por eles e não implantado.

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