Infidelidade virtual

Professora afirma que é impossível haver adultério pela Internet

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1 de abril de 2002, 9h31

Especula o artigo sobre a possibilidade do adultério pela internet. Aborda aspectos do Direito de Família (em face do Novo Código Civil Brasileiro) e o Direito Penal Brasileiro

O adultério é uma das causas da separação litigiosa. A Lei 6.515/77 (revogou expressamente o art. 317 CC), em seu artigo 5º, expõe dois motivos autorizadores do pedido de separação litigiosa e com fundamento na culpa conjugal.

Entre as causas para separação com base na culpa consta a grave violação dos deveres do casamento inscritos no art. 231 do CC (in verbis: a fidelidade recíproca, vida em comum, no domicílio conjugal; a mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos).

O referido dispositivo, todavia, não esgota os deveres dos cônjuges ditados pela moral conjugal conforme a afirmação do professor Carbonnier, e que consistem no dever de sinceridade, de paciência, de manter com outro cônjuge, certa comunhão espiritual, de velar pela própria honra e, enfim o respeito à personalidade do outro.

O adultério é também crime previsto no art. 240 do CP. A lei deixou ainda de se referir ao perdão e ao concurso necessário para o adultério, como fazia o Código Civil (art.319), que retirava o motivo para o desquite, e agiu com acerto.

A grave da violação do dever conjugal gera a insuportabilidade da vida em comum. É evidente que quem perdoa ou concorre para o adultério do outro, não tem como fazer tal alegação.

Entendem alguns, inclusive, que há a perda de legitimidade para o outro cônjuge argüir a culpa conjugal. Os atos de infidelidade que não constituírem adultério, pois não se tem o coito, e, eram acolhidos pela jurisprudência como injúria grave, constituem, mormente, violação dos deveres do casamento e, sua gravidade dependerá da avaliação da situação de fato.

Nelson Hungria e Magalhães Noronha já emprestam ao adultério um círculo mais amplo de conduta, não restringindo apenas na conjunção carnal, mas também nos equivalentes fisiológicos e sucedâneos: como anal, interfemural, o fellatio in ore. Muito aproximam o adultério de qualquer ato de libidinagem.

Porém, classicamente na lição de Farinacius o adultério é a profanação do leito nupcial, a violação a fé conjugal consumada corporalmente alieni tori violatio. Aliás, etimologicamente Carrara entendia que tal crime somente se operava mediante a cópula (ad alterius torum ire).

Os encontros virtuais e eventualmente sexuais por meio da Internet nada mais são que frutos da imaginação de cada um. Em face da total impossibilidade dos meios, passam a caracterizar um crime impossível. Até porque os filmes pornográficos, as revistas e até os serviços de telesexo oferecem, de certa forma, meios para satisfações sexuais sem, contudo, serem considerados como crimes contra a família.

Existe acórdão que caracterizou o adultério como crime perpetrado pela prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, desde que atentem contra a ordem matrimonial e importem em quebra do dever de recíproca fidelidade a que estão obrigados os cônjuges.

Na verdade, o flerte virtual ou mesmo sexo pela Internet, para serem caracterizados como atos libidinosos, falta um elemento primordial para fechar o tipo que é o co-réu. Não se pode cometer o adultério sozinho e, nem de forma isolada, pois é crime de concurso necessário, também chamado de bilateral e exige assim a participação pessoal de duas pessoas.

Senão, novamente, torna-se um crime impossível e nem pode ser atribuído a alguém. É imprescindível para caracterizar o adultério a cópula naturalmente concebida entre a mulher e o homem. Destarte, as relações homossexuais não podem ser consideradas como prática de adultério quando muito, conduta desonrosa.

A materialidade sob forma gravada no computador não pode corresponder ao flagrante delito até porque o co-réu poderá estar a milhares de quilômetros de distância e, até não vir a ser homem ou mulher. Apesar de que a lei 6.515/77 autorizar o pedido de dissolução de sociedade conjugal quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em violação dos deveres conjugais e torne insuportável a vida em comum. Pode ou não ser considerado tal sexo virtual uma injúria grave sendo extremamente subjetivo e variável. A decisão para dirimir judicialmente é, em última análise, do cônjuge ofendido por tal ato virtual.

É difícil a configuração da conduta desonrosa sendo mesmo expressão imprecisa e nada objetiva. É desonrosa toda a conduta que revele menosprezo ao ambiente familiar ou no meio social em que vive o casal, o uso de drogas, lenocínio, embriaguez, ócio, vício de jogo, demonstração de sentimentos perversos, recusa de pagar débitos de família e insolvência do cônjuge.

Diante do fato de haver a possibilidade de o internauta casado ter envolvimentos amorosos através de programas de computador, como o ICQ, de chats e de salas de bate-papos voltados aos laços afetivos-eróticos, pode- se configurar a infidelidade por e-mail e até por contatos sexuais imaginários com outra pessoa. Todavia, não há como se enxergar adultério, pois lhe falta o contato carnal. Mas para alguns doutrinadores poderá ser configurar a conduta desonrosa.

É de sublinhar que o laço erótico-afetivo desenvolvido pela internet é platônico e outro é pessoa desconhecida sem rosto. A Internet oferece privacidade relativa, apesar de se fazer utilização dos nicks (apelidos) tendo em vista que toda a correspondência fica armazenada na memória do computador e no provedor de acesso à rede, e mesmo com senha para bloquear o acesso ao correio eletrônico, os especialistas podem descobrir. Poderá então tal correspondência ser invadida e até ser adulterada sem que se possa evidentemente saber afinal qual sua forma original.

Então, face da não integridade e autenticidade do meio de prova, resta prejudicada a configuração da conduta desonrosa. Questiona-se se há invasão de privacidade quando os peritos especialistas irão resgatar as mensagens. Opino pela ausência desta tendo em vista que o usuário não tomou as devidas providências para a preservação de sua intimidade.

Apesar de que a infidelidade virtual poderá ser argüida como causa para separação judicial litigiosa e ainda a indenização de danos morais e materiais, desde que comprove que não concorreu para tal procedimento indigno.

Convém assinalar que o adultério não se configura sem a consumação carnal, desta forma, não há a prática de adultério se for por via correspondência epistolar, cópula onanística, coito vestibular, aberrações sexuais, cópula frustrada ou por inseminação artificial (a que alguns ousaram chamar de adultério científico) que quando muito poderá dar azo a uma infidelidade moral equivalente à injúria grave (conforme jurisprudência citada RT 470:88, 499:119, 381:257 e 453:93) ao outro cônjuge.

É curial que realcemos que pela Internet é crime impossível o adultério, mas poderemos encará-lo com injúria grave ou pelo menos conduta desonrosa. Certo é, porém que face da fragilidade do meio (computador) a prova careça de autenticidade e idoneidade para comprovar cabalmente tais fatos.

O Novo Código Civil prevê mais vezes a expressão e a censura ao adultério do que velhusco codex de 1917. Ademais prevê a possibilidade de perda de guarda de filho menor e, da perda do poder familiar (o ex-pátrio poder) em virtude do adultério ou ainda de conduta desonrosa. Parece reeditar não só uma medida retrógrada como também eivada de preconceito, pois apesar de adúlteros estes podem perfeitamente exercer a paternidade ou a maternidade com responsabilidade e respeito aos direitos do menor.

Há até a possibilidade no mínimo curiosa de que com a Reforma do Código Penal venha a desaparecer o adultério como crime. Enquanto isto, ele permaneça no âmbito cível, sendo fato incriminador e discriminador do cônjuge culpado quer para sociedade quer para seus filhos. Aguardemos que a inteligência da jurisprudência sane tal insensatez.

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