Dívida pendente

Devedor não pode ser cobrado em horários de lazer

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1 de abril de 2002, 9h26

A cobrança de débitos em atraso constitui exercício regular de um direito. Aquele que está em débito tem que pagar e o credor tem o direito de cobrar o que lhe é devido. Todavia, o exercício de qualquer direito tem limites, inclusive o direito de cobrar.

O Código de Defesa do Consumidor, instituído por determinação da nova e social Carta Magna de 1988, trouxe indiscutíveis avanços relativamente ao respeito devido àquele que adquire produtos ou serviços.

Até bem pouco tempo, imperavam técnicas de guerrilha na cobrança: ligações noturnas, cobranças em horário de descanso, lazer, no local de trabalho, ligações para o cônjuge, para os pais etc… Tudo para constranger o devedor a pagar. Não interessavam os caminhos e vexames a que fosse exposto o devedor. Imperava, acima de tudo, o direito de reaver os créditos.

Apesar dos avanços legislativos algumas empresas ainda correm o risco de enfrentar as proibições legais e disputar uma peleja processual. Ocorre que, mesmo em débito, não pode o consumidor ser tomado pelo tormento da cobrança em horários de descanso, lazer, no local de trabalho; o procedimento constitui crime previsto na lei n.º 8.078/90, art. 71, Art. 71.

“Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”. Pena – Detenção de três meses a um ano e multa”.

Dos estudos de Alexandre de Moraes (1) sobre a Carta Magna merece destaque:

“No restrito âmbito familiar, os direitos à intimidade e vida privada devem ser interpretados de uma forma mais ampla, levando-se em conta as delicadas, sentimentais e importantes relações familiares, devendo haver maior cuidado em qualquer intromissão externa.” (Direito Constitucional; pg. 74)

O Código de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto (2), esclarece ainda mais:

“Permitida é a cobrança, desde que não interfira no trabalho, descanso ou lazer do consumidor.

Os vocábulos trabalho e descanso referem-se, respectiva e fundamentalmente, aos locais onde o consumidor exerce sua profissão e tem sua residência. Por lazer, entende-se os momentos de folga do consumidor: fim de semana, férias, compromissos sociais (festas de aniversário e casamento, por exemplo).

Por conseguintes continua lícito enviar cartas e telegramas de cobrança ao consumidor no seu endereço comercial ou residencial. O que se proíbe é que, a pretexto de efetuar cobrança, se interfira no exercício de suas atividades profissionais, de descanso e de lazer”.

“Uma vez que o procedimento do cobrador (o próprio fornecedor ou empresa de cobrança) cause danos ao consumidor, moral ou patrimonial, tem este direito à indenização. É a regra do artigo 6o, VII”

“Se o consumidor perdeu o emprego, ganhou antipatia dos seus vizinhos, foi envergonhado publicamente, teve sua reputação ferida, viu seu casamento afetado, em todos estes e em outros casos de prejuízo, faz jus à reparação. Aliás, igual é o tratamento do Direito norte-americano” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, pg. 333/334)

CDC

Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

É igualmente injustificável que a perturbação seja imputada a falha no sistema informatizado da empresa: “Exemplo típico de não justificabilidade do engano é o que ocorre com as cobranças por computador. A automação das cobranças não pode levar o consumidor a sofrer prejuízos. Mais ainda quando se sabe que, na sociedade de consumo, o consumidor, em decorrência da facilidade de crédito, não tem um único débito a pagar e a controlar. E isso dificulta sua verificação rígida.

Assim, os erros atribuídos ao manuseio pessoal do computador são imputáveis ao fornecedor. Consideram-se injustificáveis, pois lhe cabe o dever de conferir todas as suas cobranças, em especial aquelas computadorizadas.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, pg. 337)

No mesmo caminho ainda segue o atual Código Civil: “O ato ilícito (CC, art. 159) é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano a outrem, criando o dever de reparar tal prejuízo. Logo, produz efeito jurídico, só que este não é desejado pelo agente, mas imposto pela lei.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 1o volume. São Paulo. Saraiva, 1998)

Conseqüência do ato ilícito. A obrigação de indenizar (CC, art 159, 2a parte) é a conseqüência jurídica do ato ilícito (CC, arts. 1.518 a 1.553). O Código Civil, ao prever as hipóteses de responsabilidade civil por atos ilícitos, consagrou a teoria objetiva em vários momentos, como nos artigos 1.519, 1.520 e 1.529, substituindo a culpa pela idéia de risco-proveito.” (3)

Foi nesse diapasão que uma instituição bancária, no mês de fevereiro de 2001, teve de pagar indenização por danos morais ao consumidor cobrado em horário de descanso, na residência, em pleno fim de semana. Expediu notificação extrajudicial para a cobrança de débito que já havia sido quitado, sendo que a indevida carta foi apresentada pelo oficial do cartório num sábado à tarde. (Processo n.º 4628/01, 16a Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal – Fortaleza/CE, transitado em julgado)

No caso vertente, o consumidor já havia efetivado o pagamento da parcela dias antes. Mas o banco não tomou as devidas cautelas para fazer cessar a cobrança.

É importante que o consumidor seja alertado sobre seus direitos, mas, sobretudo, que solicite, através de advogado, a tutela do Poder Judiciário. A sociedade organizada, cidadã, pode inibir atuações infelizes e criminosas das empresas de grande poderio econômico.

Notas de rodapé:

1 – MORAES, ALEXANDRE. Direito Constitucional. 9a ed. Atualizada com a EC n.º 31/00 – São Paulo : Atlas, 2001.

2 – Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover .. [et al.] – 6a ed. – Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1999.

3 – DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 1o volume. São Paulo. Saraiva, 1998

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