Controle de horário

'Jornada de trabalho pode ser provada por testemunhas'.

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25 de setembro de 2001, 16h40

Trataremos no presente artigo da questão relativa à prova de jornada de trabalho em uma empresa com mais de 10 empregados, na hipótese de inexistência de controle de jornada de trabalho através de cartões de ponto. Antes, porém, é preciso fazer uma breve exposição quanto aos assuntos jornada de trabalho e remuneração de horas extras.

Antes de mais nada, há que se dizer que, por força de Lei, a jornada de trabalho não pode superar 8 horas diárias e 44 semanais, conforme dispõe o artigo 7o, inciso XIII da Constituição Federal.

Quanto ao horário para refeição e descanso, o mínimo é de 01 hora para o empregado que trabalha 08 horas por dia, ao que dispõe o artigo 71 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Para o empregado cujo horário de trabalho não exceda de 06 horas por dia o intervalo para descanso é de 15 minutos, ao que reza o artigo 74 da CLT.

Outrossim, temos que a jornada normal de trabalho pode ser, por força de acordo ou convenção coletiva da categoria, acrescida de duas horas diárias, a teor do disposto no artigo 59 da CLT.

Prosseguindo, há que se ressaltar que poderão ser prestadas horas extras independentemente de acordo ou convenção coletiva da categoria, ocorrendo necessidade imperiosa, tudo conforme constante do artigo 61 da CLT.

Quanto à remuneração da hora extra terá esta que ser superior no mínimo, em 50% à da hora normal, a teor do disposto no artigo 7O, inciso XVI da Constituição Federal.

Sendo que a anotação de horário de entrada e de saída, e de repouso, através de registro manual mecânico ou eletrônico, só é obrigatório para as empresas que têm mais de 10 empregados, em face do disposto no artigo 74, parágrafo 2º da CLT:

“Art. 74. O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho,e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.

Parágrafo 1º – O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.

Parágrafo 2º – Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instrução a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso”.

Posto isto, pergunta-se: e se a empresa com mais de 10 empregados, inobstante a obrigação legal que lhe impõe o artigo 74, parágrafo 2º da CLT ainda assim não mantiver cartões de ponto, poderá a mesma se defender através de testemunhas em caso de reclamação trabalhista proposta por ex-empregado que alega ter prestado horas extras, “pagas por fora”, e que pleiteia integração de tais horas extras sobre férias, 13º salário, FGTS e verbas rescisórias?

No entender do MM. Juiz de 1ª Instância que apreciou a questão em tela, tal não seria possível, pois que assim decidiu: “Tendo em conta o contido no artigo 74, parágrafo segundo da CLT que trata da prova pré-constituída da jornada de trabalho de empresas que contem com mais de 10 empregados, indefere-se a produção de prova testemunhal a respeito do horário de trabalho do Reclamante. Protestos da partes”. (Fls. 88)

Decisão esta que foi reformada pelo E. TRT da 2ª Região através de sua 9ª Turma por entender que a inexistência de cartões de ponto não impede a empresa de apresentar testemunha para comprovar, na justiça, o horário de trabalho cumprido por um ex-empregado pois caso não pudesse a empresa se valer de prova testemunhal a tanto, seria cerceada em seu direito de defesa garantido pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, tudo conforme se verifica de tal Acórdão:

“Poder Judiciário. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Nona Turma. acórdão nº 20010206692. Processo TRT/SP nº20000401204. Recurso Ordinário – 58ª vt de São Paulo. Relator: Antonio José Teixeira de Carvalho. Recorrentes: Gergelim Industria de Alimentos Ltda. e José Aldenis Silva de Ungria.

Jornada de Trabalho – Inexistência de Cartão de Ponto – Indeferimento de Prova Testemunhal – Cerceamento de Defesa.

A inexistência de cartões de ponto, reconhecida pelo próprio autor, não pode impedir a parte “adversa” de ouvir suas testemunhas para a comprovação do horário de trabalho cumprido pelo reclamante. O indeferimento de tal prova gera cerceamento de defesa.

Acordam os Juizes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em, por unanimidade de votos, acolher a preliminar argüida pela reclamada, para, anulando todos os atos decisórios a partir do indeferimento de fls. 88, reabrir a instrução processual, a fim de que sejam ouvidas as testemunhas de ambas as partes quanto à jornada de trabalho desenvolvida pelo autor, restando prejudicada a análise do recurso do reclamante.

São Paulo, 30 de Abril de 2001. Antonio José Teixeira De Carvalho– Presidente e Relator

Inconformados com a r. sentença de fls. 181/184, cujo relatório adoto e que julgou procedente em parte a ação, os litigantes recorrem: a reclamada às fls. 186/197 e o reclamante às fls. 210/214. A reclamada sustenta que o indeferimento de oitiva de suas testemunhas gerou cerceamento de defesa, devendo ser anulada a r. sentença e reaberta a instrução processual para que se garanta o direito a ampla defesa.

…..

O reclamante alega que restou devidamente comprovado nestes autos a existência de pagamento “por fora”, devendo ser condenada a reclamada a incorporação destes valores à sua remuneração.. Contra-razões às fls. 205/209 e 217/221. Parecer do d. Ministério Público do Trabalho opinando pela rejeição da argüição de nulidade, e pelo prosseguimento do feito quanto ao mais (fls. 223).

É o relatório.

……

Conheço dos recursos, uma vez que oportunos e regularmente interpostos.

Recurso da Reclamada.

1. Da Nulidade Processual por Cerceamento de Defesa.

A reclamada sustenta que o indeferimento de oitiva de suas testemunhas, a fim de que comprovasse o horário cumprido pelo autor, gerou cerceamento de defesa, requerendo a nulidade da r. sentença, bem como a reabertura da instrução processual, para a produção da referida prova.

O reclamante ajuizou a presente demanda alegando que, no desempenho de suas funções de ajudante de padeiro, cumpria jornada de trabalho das 5:00 às 17:00 horas, de 2ª a 6ª feira, prorrogando este horário até às 18:00 horas, em média, duas vezes por semana, bem como laborava aos domingos das 5:00 às 18:00 horas sempre com apenas 15 minutos de intervalo para refeição e descanso.

Em audiência, a presidência da MMª Junta indeferiu a produção de prova testemunhal sobre a jornada de trabalho, sob o seguinte fundamento:

Tendo em conta o contido no art. 74, parágrafo 2º da CLT, que trata da prova pré-constituída da jornada de trabalho de empresas que contem com mais de 10 empregados em seu quadro funcional, indefere-se a produção de prova testemunhal a respeito do horário do trabalho do reclamante. Protestos das partes.” (fls. 88)

Contudo, o próprio reclamante, em depoimento pessoal (fls.87), reconhece que “nunca houve controle escrito de jornada”. E o preposto assevera que “a reclamada está em fase de implantação de controle de ponto escrito para a jornada de seus empregados” (fls. 88). Portanto, não se pode penalizar a empregadora pela ausência de juntada de documentos que não existiam, sob pena de cercear o direito de prova, garantido constitucionalmente às partes.

Neste sentido, inclusive, tem sido o entendimento do C. TST.:

“Não apresentação dos cartões de ponto – Indeferimento de ouvida de testemunha – cerceamento de Defesa. A freqüência pode ser provada por meio de testemunhas, mormente quando se trata do único meio de prova pela qual pretendia a empresa confirmar as suas alegações, em face da inexistência de cartões de ponto no período suscitado. Caracterizado, portanto, o cerceamento de defesa, devem ser anulados todos os atos decisórios, a partir do indeferimento da prova testemunhal. Recurso de revista provido.” (TST, Recurso de Revista, 43103/1992, decisão proferida pela 1ª Turma, publicada no DJ de 04.06.1993, pág. 11.137, Relator Ministro Fernando Vilar)

“Cerceamento de Defesa. A inexistência de controle de ponto gera, em favor do empregado, mera presunção da verdade em relação ao horário declarado na exordial,mas admite prova em contrário e seu indeferimento eiva de nulidade a sentença. Revista provida.” (TST, Recurso de Revista, 51613/1992, decisão proferida pela 2ª Turma, publicada no DJ de 13.0.1994, pág. 11.578, Relator Ministro João Tezza).

Por isso, há que se anular todos os atos decisórios a partir do indeferimento de fls. 88, para que, reabrindo a instrução processual, sejam ouvidas as testemunhas de ambas as partes quanto à jornada de trabalho desenvolvida pelo autor.

Prejudicada a análise do recurso do reclamante.

Pelo exposto, acolho a preliminar argüida pela reclamada, para, anulando todos os atos decisórios a partir do indeferimento de fls. 88, reabrir a instrução processual, a fim de que sejam ouvidas as testemunhas de ambas as partes quanto a jornada de trabalho desenvolvida pelo autor. Antônio José Teixeira de Carvalho (Juiz Relator)”

Aliás nunca é demais lembrar que, por força do enunciado 338 do E. TST “a omissão injustificada da empresa de cumprir determinação judicial de apresentação de registro de horários (artigo 74, parágrafo segundo da CLT) importa na presunção da veracidade da jornada de trabalho alegada à inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário”.

Em suma, a não apresentação de cartões de ponto gera apenas a inversão do ônus da prova que passa assim a ser da empresa, e não a impossibilidade do empregador comprovar através de outros meios de prova, notadamente a testemunhal que o empregado não cumpria a jornada alegada na reclamação trabalhista proposta contra a empresa.

Quanto ao disposto no artigo 74, parágrafo segundo da CLT, em caso de não cumprimento, haverá para o empregador mera sanção administrativa, por parte do Ministério do Trabalho no caso, a multa prevista no artigo 75 da CLT.

Em outras palavras o descumprimento do artigo 74, parágrafo segundo da CLT importa apenas sanção administrativa para as empresas.

Poderão no entanto referidas empresas na inexistência de cartões de ponto, elidir a presunção de veracidade da jornada de trabalho, alegada na reclamação trabalhista proposta por ex-empregado, através de outras provas, notadamente a testemunhal.

Caso contrário haveria ante o entendimento do E. TRT da 2ª Região no acórdão abordado no presente, cerceamento de defesa conforme deixaram claro os MM. Julgadores de tal acórdão pois que nele declararam que, “não se pode penalizar a empregadora pela não juntada de documentos que inexistiam, sob pena de cercear o direito de prova garantido Constitucionalmente às partes”.

Direito de prova este, garantido pelo artigo 5o, inciso LV da Constituição Federal o que assim dispõe:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Em conclusão, fica ressaltado que o não cumprimento pelos empregadores do disposto no artigo 74, parágrafo segundo da CLT, qual seja, controle de horário de entrada e saída, de repouso, através de marcação de ponto manual mecânico ou eletrônico para as empresas com mais de 10 empregados, importa apenas em sanção administrativa a que se refere o artigo 75 da CLT.

Pelo que podem as empresas em Juízo provar, na inexistência de cartão de ponto o horário efetivamente cumprido pelo ex-empregado em caso de reclamação trabalhista (com vistas à percepção de horas extras e integração das mesmas ao 13º salário, férias, FGTS, e verbas rescisórias), única e exclusivamente através de prova testemunhal, pois caso não pudessem, haveria cerceamento ao direito de defesa do empregador, o que inadmissível no nosso ordenamento jurídico, em face do disposto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, supra transcrito.

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