Don Juan virtual

TJ-RS não admite viagem de mãe e filha para encontrar internauta

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25 de setembro de 2001, 17h58

Um encontro heterodoxo, de mãe e filha, com o mesmo homem, pelo qual ambas teriam se apaixonado, foi bloqueado pela justiça gaúcha.

A pretexto de oferecer tratamento psicológico “alternativo”, o sedutor, que vive no Rio Grande do Norte, convencera as duas a visitá-lo em Natal. O oficial de justiça alcançou-as já no saguão do aeroporto para informar da decisão no pedido feito pelas avós da garota, que tem 12 anos de idade.

O episódio ocorreu em dezembro passado. A mãe chegou a recorrer. Em vão. O Judiciário de Porto Alegre suspeita que o internauta potiguar faça parte de uma rede de aliciamento à prostituição ou exploração de menores.

A hipótese foi formulada pelo desembargador Sérgio Chaves, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao negar o recurso da mãe que insistiu em levar a filha para Natal ao encontro de seu namorado virtual. O TJ-RS sugeriu que o Ministério Público investigasse os propósitos do internauta.

As mensagens sobre sexo foram definitivas para o TJ-RS negar o pedido da mãe. Em uma delas, o internauta defende a exclusividade do relacionamento sexual ou a “depravação compartilhada”. Também faz declarações sexuais para mãe e filha.

A menina ficou com a mãe depois da separação. Ela prometeu manter a filha em tratamento psicoterápico. Mas o internauta chegou a sugerir que a mãe suspendesse as consultas, exames médicos e remédios da filha para fazer um “tratamento alternativo” pela Internet e depois ao vivo. Advertia: “Ninguém estranho deverá ler as minhas cartas”.

Mas a advertência feita pelo internauta de nada adiantou. De acordo com notícia divulgada pelo site Espaço Vital, os avós da garota tiveram acesso às mensagens e foram à Justiça para tentar impedir a viagem. Conseguiram.

Inconformada, a mãe entrou com recurso de Apelação para tentar nova viagem. Alegou constrangimento diante das pessoas que estavam no aeroporto. Mas o TJ-RS manteve a decisão que visa “preservar a integridade física, mental e moral da neta, que se encontra em clara situação de risco”.

O advogado especialista em Internet, Renato Opice Blum, considerou a decisão do TJ-RS acertada, mas chamou a atenção para um aspecto. No acórdão não foi abordado como os avós tiveram acesso às mensagens. A única forma de acesso seria com autorização judicial. “Caso contrário, significaria violação de correspondência”, disse. “E toda prova conseguida de forma ilícita, não é válida”, acrescentou.

Para o escritor e especialista em direito criminal Luiz Flávio Gomes, a mãe não deveria ter envolvido a garota no relacionamento. Ele considerou a decisão do TJ-RS “prudente e cautelosa”. O criminalista classificou as mensagens do internauta como “cantada pouco sofisticada, que precisam ser investigadas”.

A pena prevista para aliciamento de menores, no artigo 228 do Código Penal, é de três a oito anos de prisão.

Veja a decisão do TJ-RS que negou pedido da mãe

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo nº 599.060.241

Relatório

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – Relator – Trata-se da irresignação de xxxx com a r. decisão que determinou a expedição de mandado proibindo a mãe de viajar para fora do Estado em companhia da menor, nos autos da ação cautelar inominada que lhe movem xxxx e xxxx, visando a guarda e responsabilidade da menor xxxx, filha da agravante.

Sustenta a agravante que, em decorrência da decisão na hora do embarque, no Aeroporto Salgado Filho, a mãe e a filha enfrentaram situação de constrangimento frente à proibição de que a menor embarcasse, com sua mãe, para passarem o final de semana na cidade de Natal – RN. Aduz que o acordo foi homologado na presença do Ministério Público, na audiência do dia 02.12.98, quando foram extintas a ação cautelar e a ação principal. Diz ser inadmissível que, por uma simples petição ao mesmo Juiz, nos processos extintos, as mesmas questões fossem rediscutidas, postulando novamente a proibição de a pequena xxxx viajar à cidade de Natal, impedindo os contatos dela com o namorado da agravante e determinando seja a menina submetida a exames sobre a condição mental, revigorando a determinação de impedir a menor de acompanhar a mãe em viagem fora do Estado.

Assevera que, com a celebração do acordo e extinto os processos, com julgamento do mérito, verificou-se a coisa julgada, sendo defesos às partes rediscutirem o que ficara acordado. No mérito, em síntese, que a declaração do neurologista Dr. Edilson Prola Filho deve ser impugnada, pois é tendenciosa e realizada com o único objetivo de favorecer os agravados, não espelhando a realidade dos fatos, pois tal médico é amigo e colega de trabalho do agravado xxxx. Diz que os únicos especialistas que podem atestar sobre o quadro psíquico da menina xxxx devem ser psiquiatras ou psicólogos, nunca um neurologista, pois neurologicamente a menina nada possui. Pugna pela reforma da decisão.


O recurso é hábil, tempestivo, está bem instruído e foi recebido pelo signatário somente no efeito devolutivo ante a gravidade da situação, que requer cautela, tendo sido dispensado do preparo ante o pedido de assistência judiciária gratuita.

Os agravados apresentaram as suas contra-razões dizendo que as decisões terminativas em ações de alimentos e naquelas que tratam da guarda e segurança de menores não fazem coisa julgada material, podendo ser revista sempre que ocorrerem alterações no estado de fato, conforme dispõe o art. 471 do Código de Processo Civil e também o art. 153 do ECA.

No caso em tela, foram levados ao Juízo dados importantes sobre a segurança e bem estar da menor xxxx, e o julgador a quo apenas impediu que a menor fosse levada para fora do Estado e afastada do tratamento psicológico por profissional habilitado.

Aduzem reconhecer os direitos da agravante em relação à filha, mas a influência do misterioso namorado do Rio Grande do Norte é, induvidosamente, negativa e irresponsável, pois procurou afastar xxxx do tratamento psicoterápico, oferecendo-lhe tratamento alternativo via Internet, sob a condição de que ela abandonasse toda a assistência médica que mantinha em Porto Alegre, como comprova o teor do e-mail juntado.

Dizem que os contatos por computador, nesse estilo, podem sugerir o início de uma prática criminosa de exploração contra menores. Requerem seja negado provimento ao recurso.

A Drª Procuradora de Justiça lançou parecer opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Voto

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – Relator – Preliminarmente, cumpre focalizar a regularidade formal do decisum.

Tenho, pois, que razão assiste a ilustre Drª Procuradora de Justiça quando refere que tal decisão, de cunho protetivo, foi lançada em sede de execução do acordo entabulado, que se pode processar nos próprios autos.

Com efeito, o acordo entabulado e que pôs fim ao litígio, previa, expressamente, que a mãe de xxxx se comprometia a não mudar de residência para outro Estado, pelo prazo mínimo de seis meses, lapso de tempo no qual se comprometia a manter a criança em tratamento psicoterápico, embora previsse, também, a possibilidade da mãe viajar com a filha, livremente, desde que por prazo não superior a vinte dias.

Essa viagem, que foi impedida por decisão judicial, tinha a finalidade de propiciar encontro da criança e sua genitora com o namorado desta, estreitando os vínculos, já prolongados, entretidos pela internet, relacionamento este que ensejou o próprio ajuizamento das ações cautelar e principal atingidas pelo acordo entabulado.

Portanto, poderia o julgador, nos próprios autos do processo findo, lançar decisão emergencial, a pedido da parte e com anuência do Ministério Público, buscando o cumprimento do acordo homologado. A decisão, pois, é válida e não afronta a coisa julgada.

No mérito, porém, destaco que a questão posta é muito delicada. De um lado, está a filha dos agravados, que busca refazer sua vida afetiva, a partir de um namoro virtual, iniciado e consolidado via computador, meio, aliás, que é utilizado para alcançar à criança uma “terapia alternativa”. De outro, a preocupação dos avós com a neta, a partir de uma conduta pouco madura demonstrada pela genitora da criança, que é a ora agravante.

Interessa, pois, aqui preservar o interesse da infante, que é o de receber um atendimento médico-psiquiátrico responsável, com base cientifica, na companhia da sua mãe, mas recebendo o apoio afetivo e também a proteção dos avós.

É certo que uma viagem de lazer, da mãe com a filha, para o nordeste do país é muito gratificante e, a rigor, não poderia trazer qualquer prejuízo para a criança.

No entanto, subsiste a situação excepcional – nada convencional – do envolvimento da genitora da criança com o internauta (e deste com a criança, também) e a insistente proposta de misterioso tratamento alternativo, que tem como condicionante a suspensão da terapia médica, onde refere a fl. 91, datada de 20 de setembro de 1998, expressamente:

“Teu papel na terapia é neutro. Mantinha-se como mãe, continue demonstrando o quanto ela é importante… Continue paciente, combine com xxxx a suspensão das consultas, exames e remédios. Preciso saber se ela topa fazer uma “terapia” tendo a mim como terapeuta. Será (acredito) a melhor “terapia por correspondência do mundo”, e o sucesso será visto rapidamente.

Caso xxxx aceite, avise-me imediatamente, a fim de que eu possa enviar a primeira “carta terapêutica” (Só enviarei quando confirmado que ela decidiu interromper consultas, exames, remédios, e iniciar a terapia por correspondência). Ninguém deverá ler minhas cartas para xxxx, a menos que ela tome a iniciativa de mostrar…”


Ora, isso, por si só, estaria mesmo a reclamar pronta providência de parte do julgador.

No entanto, a preocupação dos avós vai além e a conduta do internauta galanteador pode estar encobrindo até propósitos criminosos, que vão de aliciamento à prostituição e até à corrupção de menores, já que xxxx é uma menina que já conta doze anos de idade e inclusive foram encaminhadas fotografias ela, como se vê dos seguintes trechos da correspondência direcionada para a menina, em 11 de setembro de 1998 (fls. 88/89), in verbis:

“Tuas mensagens me fizeram explodir de emoção, querida e maravilhosa xxxx. Foi como se estivesse ouvindo a tua voz, doce como o canto de um pintassilgo. Parece que te conheço há centenas de anos. Um dia a gente começa e no outro termina. Digamos que a gente começa quando aquele esperminha e aquele óvulo se unem e formam uma célula, etc… etc…

Curioso, linda xxxx, que se pudéssemos juntar todos os programas genéticos de todas as pessoas do mundo, perceberíamos que todas tem algo em comum: o desejo de serem felizes e viverem o mais que puderem. Está ligado ao instituto de sobrevivência. Pois então, maravilhosa xxxx, um dia a gente nasce com este programa já pronto para rodar pelas estradas da vida. Daí vão surgindo às dificuldades, os probleminhas, os problemões… as briguinhas dos adultos, as brigonas também… os coleguinhas chatos, as coisas que a gente quer comprar e às vezes o dinheiro não dá.

Há coisas que adulto faz melhor com adulto… e crianças com crianças. Eu, por exemplo, tenho necessidade de ter uma linda adulta pendurada no meu pescoço. Também tenho vontade de ter uma linda mocinha, de preferência de 12 anos, abraçada a mim, dia e noite. Ela de um lado e a xxxx de outro, pois a gente faz o mesmo com a nossa adultona gostosa, num redemoinho de carinho que nos levará a sonhos por toda a vida. Te amo, xxxx como se te conhecesse há centenas de anos”.

Dois dias após, outro e-mail, desta vez destinado para xxxx, mãe de xxxx, onde consta detalhes sobre o caráter libidinoso do relacionamento entretido pelo internauta com as agravantes, como se vê a fls. 90/91, verbis:

“Parece que mexi contigo com minha última mensagem. Impedistes xxxx de se pronunciar? Agora eu a amo, e a opinião dela é da maior importância para mim. (…) Apenas provoquei você falando sobre “paciência” e parece que deu certo… Sei que a qualquer momento pode surgir uma bela gata no cio, que de tão fogosa me faça apaixonar, aí eu, no dia seguinte, comunicaria a você… e seria uma desagradabilíssima maneira de chegar a porra nenhuma. (…) Sou pela exclusividade no relacionamento sexual, querida xxxx ou pela depravação compartilhada.”

Como se percebe, a “terapia alternativa” sugerida pelo internauta está a encobrir seu propósito claramente libidinoso, senão até criminoso.

O fato singular posto nos autos estava a reclamar, mesmo, a pronta e incisiva providência adotada pelo ilustre julgador de primeiro grau, tendo nítido caráter de proteção à criança.

A situação retratada nos autos é inusitada e grave, parecendo-me conveniente que o Ministério Público providencie numa investigação dos propósitos deste internauta pois pode ele integrar uma ampla rede de aliciamento à prostituição ou exploração de menores.

Isto Posto, nego provimento ao recurso.

Des. José Carlos Teixeira Giorgis

De acordo

Des. Luiz Felipe Brasil Santos

De acordo

Des. José Carlos Teixeira Giorgis

Presidente

Negaram Provimento, Unânime”

Apelação Cível nº 599.060.241 de Porto Alegre

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