Cooperativa e vínculo

Obrigações do tomador na terceirização de mão de obra

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23 de setembro de 2001, 11h11

A Justiça do Trabalho tem declarado serem fraudulentas as locações de mão de obra praticadas pelas denominadas “cooperativas de trabalho” e declarado o vínculo de emprego direto com o beneficiário dos serviços, a teor do que se extrai do exame da Lei 5.746/71, e em especial dos artigos 4º e 7º da Lei nº 5.746/71, regulando o funcionamento das cooperativas no País.

Em conseqüência disso, depreende-se que a cooperativa autorizada a funcionar não é a irregular e que passou a ser conhecida como cooperativa de trabalho, mas, sim, aquela criada, visando oferecer ao cooperado uma retribuição especial e diferenciada, superior àquela que obteria caso não fosse cooperativado.

A Lei 8.949/94 acrescentou ao art. 442 da CLT o parágrafo único, estabelecendo a vedação da existência do vínculo de emprego entre o cooperado e o tomador de serviços das cooperativas, fato este que propiciou o florescimento de cooperativas de trabalho no Brasil. Não obstante, de se ressaltar que a intenção do legislador ao acrescer ao art. 442 da CLT, o seu § único, foi apenas o de reafirmar a inexistência de vínculo de emprego entre os associados de uma real cooperativa com os respectivos tomadores, mas desde que a cooperativa então tenha sido criada para prestação direta de serviços aos associados e não que vise qualquer finalidade de obtenção de lucro. Nada mais que isso!

Em se tratando de tomador privado e provado o seu respectivo comando empresarial (art. 2º e 3º da CLT), a intermediação é declarada nula, reconhecendo-se o vínculo de emprego com o beneficiário dos serviços, deferindo-se ao empregado cedido as diferenças salariais por ventura existentes entre o que recebeu da cooperativa e o valor salarial que tomador paga aos demais empregados que admitiu diretamente, a teor do art. 12 da Lei 6019/74, conjugado com o disposto nos artigos 5º (caput) e 7º, inciso XXX, da CF.

Mas se o tomador for empresa pública e em não tendo havido prestação de concurso público, segundo o En. 363 do TST, inexiste a possibilidade de reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa pública pela existência de óbice previsto no art. 37, II, e § 2º da CF, cabendo tão somente ao Poder Público responsabilizar-se subsidiariamente pelos ônus decorrentes da ilegalidade da intermediação (culpa objetiva do Estado, § 6º do art. 37 da CF), a teor do inciso IV do Em. 331 do TST, que assim já cristalizou seu entendimento: O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei nº 8.666/93). (Redação dada ao item pela Resolução TST nº 96, de 11.09.2000, DJU 18.09.2000)

Da intermediação de mão de obra por cooperativa e a fraude aos direitos trabalhistas.

O fenômeno do cooperativismo surgiu como reação a aguda exploração imposta aos trabalhadores na Revolução Industrial na Inglaterra, levando os trabalhadores a formarem sindicatos que posteriormente passaram a estabelecer uma estratégia conjunta com as cooperativas como forma de enfrentamento ao capitalismo iniciante (Caderno Sindicalismo e Economia Solidária CUT – pág. 10).

O constituinte brasileiro de 1998, em atendimento aos princípios gerais da atividade econômica que é fundada na valorização do trabalho humano a fim de assegurar a todos uma existência digna (CF, art. 170 e parágrafos), manifestou-se favorável a um posicionamento de livre desenvolvimento das cooperativas, como se observa do exame dos artigos art. 5º, inciso XVIII e 174 §§ 2º, 3º e 4º da CF, assegurando então o direito de criação de cooperativa, desde que na forma da lei, recepcionando então a Lei 5.764/71, que autoriza o livre funcionamento apenas da real cooperativa que vise, na sua essência, a prestação direta de serviços aos associados (art. 7º).

A definição do que venha a ser uma cooperativa legal , encontra-se tipificada no próprio art. 4º da Lei 5.764/71: “As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados”.

Ainda, no mesmo art. 4º, a Lei 5.764/71, o legislador brasileiro não deixa margem a dúvidas sobre quais os pressupostos legitimadores de uma cooperativa legal: I – adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; II – variabilidade do capital social representado por cotas-partes; III – limitação do número de cotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; IV – incessibilidade das cotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; V – singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; VI – quorum para o funcionamento e deliberação da assembléia geral baseado no número de associados e não no capital; VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da assembléia geral; VIII – indivisibilidade dos fundos de reserva e de assistência técnica educacional e social; IX – neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; X – prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados e cooperativados; XI – área de admissão de associados limitas às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.


No entanto, a busca da redução dos custos da produção para obter maior competitividade no mercado hoje globalizado (aí, incluída a redução dos gastos com os salários e com os encargos sociais e trabalhistas), tem motivado a que muitas empresas (mesmo as de grande porte, sejam nacionais, multinacionais e até mesmo o Poder Público – mormente Prefeituras), se utilizem de cooperativas de trabalho para obter mão de obra barata para a execução dos serviços necessários, essenciais ao atingimento das finalidades empresariais e onde o trabalhador locado presta trabalho pessoal, subordinado, participando integrativamente do processo produtivo empresarial.

A utilização desse sistema de contratação de pessoal locado, mesmo através de cooperativa, visa reduzir custos operacionais, pois que sabido que o trabalhador assim contratado não recebe o mesmo salário e vantagens assegurados aos demais empregados admitidos diretamente pela empresa beneficiária desses serviços então intermediados.

Com isso, a empresa tomadora dos serviços locados, obtém uma vantagem econômica de imediato, reduzindo-lhe os custos de produção, mas impondo ao trabalhador um prejuízo econômico atual, já que fazendo trabalho igual, recebe menos pelo mesmo serviço.

O vertiginoso crescimento desse tipo de intermediação de mão de obra locada por intermédio de cooperativa teve início a partir da inclusão do § único no art. 442 da CLT (que trata da questão do contrato Individual do trabalho), quando reafirma inexistir vínculo de emprego, quer entre os associados e a cooperativa, quer entre a cooperativa e o tomador dos serviços, regra esta já existente no art. 90 da própria Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, quando estabelece: “Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados”.

A intenção do legislador, foi portanto, apenas afirmar que também não existe vínculo de emprego entre uma real cooperativa com seus tomadores. Nada mais que isso! Apesar disso, a mentalidade de busca do “jeitinho”, conhecido como “à brasileira”, aproveitou-se de um dispositivo legal disciplinador de um outro regramento, contrário e não permissivo, para utilizá-lo, como se permissivo fosse, de nova forma legal de intermediação de mão de obra.

Esta mesma prática tão conhecida de má aplicação distorcida da lei, também tem sido utilizada da mesma maneira no exame da Lei 6.019/74, que, apesar de vedar a intermediação da mão de obra fora das hipóteses previstas em seu art. 2º, quando define que trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física a uma empresa, para atender a necessidade transitória de substituição do seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, para incrementar o mercado da oferta de um gigantesco contingente de mão de obra, desempregada e barata, estabelecendo na prática uma desigualdade salarial odiosa entre os admitidos diretamente e os contratados pelo sistema de intermediação, a exemplo do que já ocorre com as conhecidas empresas locadoras de mão de obra existentes no País.

Diante dessa nova realidade de mercado, nossos Tribunais Trabalhistas, examinando, a realidade dessas contratações e por entender existirem fraudes aos direitos trabalhistas, têm declarado a nulidade dessas intermediações, assegurando-se aos trabalhadores então locados os mesmos direitos dos trabalhadores então admitidos diretamente, com suporte no direito de igualdade do art. 5º (caput) da CF, como também no disposto no art. 12, letra “a” da Lei 6.019/74, que assegura aos trabalhadores locados o direito ao recebimento da mesma remuneração equivalente à percebida pelos empregados da empresa tomadora.

Na verdade, o § Único do art. 442 da CLT não autorizou a intermediação de mão de obra por cooperativa, apenas cuidou de disciplinar o trabalho sem vínculo empregatício de associados de cooperativa, desde que atendidas finalidades legais da cooperativa previstas nos artigos 3º e 4º da Lei 5.764/71, dispondo que a caracterização de uma sociedade cooperativa se dá pela prestação direta de serviços aos associados, sem o objetivo de lucro. Portanto, quando uma cooperativa é criada, não para prestar serviços aos associados, mas para locar mão de obra, visando lucro, há na verdade um desvio de finalidade, já que a cooperativa visa primordialmente o bem comum dos sócios-cooperados.

Assim, a cooperativa, que deixando de cumprir essa finalidade, para simplesmente arregimentar pseudos sócios para prestação de serviços a terceiros, como se mercadorias ou bens de serviços fossem, transforma-se numa nítida locadora de mão de obra. E, portanto, ao divorciar-se flagrantemente de sua própria razão de existir (desvio de finalidade), cabe inclusive ao Poder Público, diante da violação contumaz das disposições legais, intervir na cooperativa, como prevê a própria Lei 5.764/71 (Lei das Cooperativas), em seu art. Art. 93.


No Estado do Paraná, por exemplo, a Procuradoria do Trabalho da 9ª Região, através da CODIN (Coordenadoria de Defesa dos Interesses Individuais Indisponíveis e Interesses Difusos e Coletivos) está promovendo diversos procedimentos investigatórios sobre denúncias de irregularidades no fornecimento de mão de obra por cooperativas de trabalho, tendo proposto 12 acões civis públicas, sendo que uma delas inclusive já foi julgada pela 4ª Turma do TRT-PR, RO 06026/98, AC. 000599/99 em que é Relator o Juiz Dirceu Pinto Junior, conclui: “apurados os fatos, constatou-se a veracidade das alegações (…) e a burla a todo o sistema legal de proteção ao trabalho (…), determinando-se que a empresa tomadora dos serviços se abstenha de se utilizar de mão de obra intermediada pela cooperativa”. Não deferiu a decisão citada o pleito de reconhecimento do vínculo empregatício de cada um dos empregados agenciados em razão de entender faltar à Procuradoria legitimidade processual para postular direitos individuais homogêneos, como a anotação de CTPS, por exemplo, cabendo, assim, a cada trabalhador que se sentir lesado, utilizar de seu direito constitucional de ação e ajuizar a correspondente reclamação trabalhista.

Não tendo a cooperativa em realidade a natureza de intermediar mão de obra, a decisão judicial referida ao confirmar a sentença de primeiro grau que reconheceu a ilegalidade desse tipo de intermediação, acabou por na prática restabelecer o império da lei, do direito, afastando discriminação salarial odiosa imposta aos trabalhadores então agenciados, que não recebem os mesmos direitos e garantias dos demais empregados admitidos diretamente pelo usuários dos serviços.

Na mesma esteira, mesmo na vigência do § único do art. 442 da CLT que permitiu o florescimento das cooperativas que passaram a ser conhecidas como de trabalho, também os demais Tribunais Trabalhistas pátrios têm declarado nulas tais intermediações ao constatar o desvio de finalidade exigida pela Lei 5.764/71: “COOPERATIVA – CONTRATO DE TRABALHO – RELAÇÃO DE EMPREGO – Recurso ordinário – Ao contratar a autora, a reclamada despiu-se do privilégio legal, uma vez que o fez com finalidades lucrativas, não se lhe aplicando o art. 442 da CLT e Lei nº 5.764/71”. (TRT 1ª R. – RO 12463/93 – 8ª T. – Rel. Juiz Milton Calheiros e Oliveira – DORJ 27.06.1996). “RELAÇÃO DO EMPREGO – EMPREGADO DE COOPERATIVA – POSSIBILIDADE – Os preceitos legais não devem ser interpretados isoladamente, quando da aplicação do direito. Não obstante a preceituada impossibilidade de vínculo de emprego entre as cooperativas e seus associados (art. 90 da Lei nº 5.764/71 e art. 442, parágrafo único da CLT), os casos concretos devem ser analisados separadamente. A cooperativa se define como um grupo de profissionais da mesma classe, que se unem para aperfeiçoar as condições de trabalho da categoria, na qual os associados se ajudam mutuamente, sem que haja subordinação alguma dentre estes. Se a função do cooperado for subordinada, o fim se desvirtuou, surgindo, daí, a relação de emprego. Na hipótese vertente, patente é a relação de emprego, conforme demonstrado nos autos. Recurso patronal a que se nega provimento”. (TRT 10ª R.- RO 4.508/98 – 3ª T. – Rel. Juiz Jairo Soares dos Santos – DJU 27.11.1998 – p. 44). “COOPERATIVA – Cooperativa. Vínculo de emprego. Num contexto em que a cooperativa atua como fornecedora de mão-de-obra, em serviço inerente à atividade normal da contratante, não estando o trabalhador integrado ao associativismo, fazendo-se cooperado apenas pela conveniência e oportunismo dos que pretendem furtar-se às obrigações trabalhistas, fica estampada a fraude. E o parágrafo único do art. 442 da CLT não exclui a regra de proteção contida no art. 9º do mesmo estatuto. Cooperativa, enfim, é ajuda mútua, solidariedade, participação, igualdade, e não exploração do trabalho humano. Vínculo de emprego configurado”. (TRT 2ª R. – Ac. 02980586743 – 1ª T. – Rel. Juiz Eduardo de Azevedo Silva – DOESP 24.11.1998). “RELAÇÃO DE EMPREGO – COOPERATIVA DE TRABALHO – FRAUDE – Configurada a fraude, estabelece-se a relação de emprego, com suas obrigações e conseqüências, afastando a aplicação do art. 90 da Lei nº 5.764/71 e do parágrafo único do art. 442 da CLT”. (TRT 3ª R. – RO 4.023/99 – 2ª T. – Rel. Juiz Alaor Satuf Rezende – DJMG 01.03.2000 – p. 16).

“COOPERATIVA – FRAUDE – O art. 7º da Lei 5.764/71 é incisivo: caracteriza-se a cooperativa pela prestação direta de serviços aos associados e, não, pela prestação de serviços dos associados, o que consubstancia distinção fundamental. A verdadeira intelecção da norma regente do cooperativismo sustenta-se, como bem doutrina SYLVIO MARCONDES, no “… princípio da ‘dupla qualidade’, resultante da duplicidade intrínseca da atuação dos cooperados, por ser ‘essencial ao próprio conceito de cooperativa que as pessoas, que se associam, exerçam simultaneamente, em relação a ela, o papel de sócio e cliente'(…). Ora, precisamente aí é que cada cooperado, ao agir, atua, não como associado, no exercício de ‘relação societária’, mas sim, como cliente, na prática de ‘relação operacional’ com a cooperativa…” Na verdade, não há falar em ato cooperativo, em relação cooperativista, quando se trate de prestação de trabalho subordinado. A aparência é ineficaz, incapaz de afastar a relação empregatícia, nulo que é o ato de desvirtuamento. No prisma da relação cooperativa-cliente, que é pressuposto fundamental à caracterização da verdadeira vinculação regida pela Lei 5.764/71, o prestador de serviços à Cooperativa, na execução de contrato que ela celebrou, é seu empregado, independente da situação de associado. Afinal, o associado que presta serviços à Cooperativa, sem ser um seu órgão diretor, efetivamente não recebe serviços dela, e trabalhando para a mesma em atividade econômica é seu empregado. O Direito não convive com aparência e, sim, com substância, de modo que a simulação engendrada é ineficaz ao desvirtuamento do regramento legal impositivo juslaboralista. Fraude à lei se caracteriza por violação disfarçada da norma imperativa. Há respeito ostensivo a ela, mas desrespeito real e oculto. Quando, relativamente idôneo o meio iludente, se descobre, na investigação retrospectiva do fato, a idéia preconcebida, o propósito ab initio da frustração do equivalente econômico, tem-se a fraude, na lição de Nélson Hungria”. (TRT 3ª R. – RO 10.536/97 – 1ª T. – Rel. Juiz Ricardo Antônio Mohallem – DJMG 15.09.1998 – p. 7).

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