Cobrança abusiva

Justiça manda BMC pagar R$ 1,3 milhão por cobrança abusiva

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22 de setembro de 2001, 14h57

A Leasing BMC Arrendamento Mercantil foi condenada a pagar R$ 1,3 milhão para a escola Liceu Camilo Castelo Branco de Itaquera por cobrança abusiva. Segundo o advogado Eduardo Marnoto, do escritório Della Rocca e Marnoto Advogados, o BMC calculou as prestações do contrato firmado de forma irregular.

Nos autos, o BMC alegou ter cumprido fielmente o contrato. Mas a argumentação não foi aceita pela Justiça paulista. A decisão é definitiva.

A Ação de Repetição de Indébito de Rito Ordinário foi apresentada em 1996. No ano seguinte, foi julgada procedente em primeira instância. A sentença foi confirmada em segunda instância, em 1999. E este ano o Recurso Especial impetrado pelo BMC não foi admitido pelo Superior Tribunal de Justiça.

O escritório estuda, ainda, a possibilidade de entrar com indenização por danos morais e materiais contra o BMC.

Veja a decisão contra o BMC

Ementa: REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ARRENDAMENTO MERCANTIL IMOBILIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. DESNECESSIDADE. SENTENÇA QUE FEZ ANÁLIZE DE TODA A PROVA DE FORMA FIRMA, LIVRE E FUNDAMENTADA. APELO IMPROVIDO.

Adotado o relatório da r. sentença, cuida-se de apelação em ação de repetição de indébito que teve a pretensão nela deduzida julgada parcialmente procedente para condenar a ré à pagar a autora o valor de R$ 685.956,44, com correção monetária a partir de setembro de1996 e juros monetários de 6% ao ano, a contar de citação. A autora arcou com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação (art. 20, d 3º do Código de Processo Civil).

Inconformada, apela tempestivamente Leasing BMC S/A Arrendamento Mercantil, apresentando o comprovante de pagamento do preparo que se encontra à fls. 335. Pretende a anulação da r. sentença, para que seja traçada diretriz para a realização de nova perícia, seguindo-se o contrato de forma integral. Ou, caso se entenda que a planilha representa alteração da vontade original, que seja seguida a mesma integralmente.

Alega, a apelante, que houve cerceamento de defesa e negativa de vigência ao disposto no artigo 437, do Código de Processo Civil porque a r. sentença acatou totalmente o laudo pericial inconclusivo, desprezou as incongruências apontadas e negou a oportunidade de nova perícia.

Aduz, ainda, que não poderia se apoderar de dinheiro aplicado em instituição financeira, que não integra a lide, para se pagar; que houve desprezo ao contrato para se validar uma planilha, no que concerne ao vencimento, com a alegação de que houve alteração na avença original e que a referida planilha foi desprezada, para persistir o contrato, no que concerne aos juros.

Contra-arrazoado o recurso, os autos subiram ao E. Primeiro Tribunal de Alçada Civil, e por despacho do seu E. Juiz Vice-Presidente, foram encaminhados a este E. Tribunal.

Em julgamento realizado no dia 22/10/98 a apelação não foi conhecida por insuficiência de preparo. O apelante interpôs Embargos de Declaração apontando erro material no cálculo do preparo e teve sua pretensão acolhida, o que fez com que os autos retornassem a este relator para conhecimento do recurso.

É o relatório.

Rejeito a pretensão de nulidade da sentença, visto que a mesma não padece de nenhum de nenhum vício, inexistindo ofensa ao art. 437 do Código de Processo Civil ou mesmo o alegado cerceamento de defesa.

Assim é porque o processo teve regular instrução, com a realização da prova pericial pertinente, oportunidade às partes para indicação de assistente técnico e manifestação sobre a prova colhida.

A apelante indicou assistente técnico que ofertou seu laudo discordante do oferecido pelo perito, o que ensejou impugnação ao laudo e oportunidade para o experto prestar os esclarecimentos devidos, que se encontram às fls. 248/270 acompanhados dos documentos de fls. 271/290.

O artigo 437, do código de Processo civil, estabelece que o juiz poderá determinar a realização de nova perícia, quando a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida e assim poderá agir de ofício ou a requerimento da parte.

Já o artigo seguinte (438) traça a direção, limites e objeto da nova perícia ao determinar que ela recaia sobre os mesmos fatos que originaram a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados nesta alcançados, regendo-se essa Segunda perícia pelas mesmas disposições estabelecidas para a primeira, sem substituí-la ( art. 439).

O eminente juiz sentenciante fez análise de toda a prova e, de forma firme, livre e fundamentada, decidiu a lide exatamente nos limites em que proposta, repelindo os ataques feitos indevidamente ao laudo que adotou.

Com efeito, os esclarecimentos prestados pelo perito deitaram por terra os argumentos expendidos pelo assistente técnico da apelante, de modo que não havia, como de fato não há, nenhum motivo para realização de nova perícia.


Assim sendo, não há se falar em ofensa ao art. 437, do Código de Processo Civil, ou a qualquer outra disposição legal. Ficou demonstrado que o prazo inicialmente contratado (dia 30 de cada mês) acabou sendo alterado pelas partes, passando a ser no dia 05 (cinco) de cada mês, sendo de total pertinência a lição de DARCY BESSONE e dos demais civilistas mencionados na sentença, sobre a matéria.

Além disso, o assistente técnico da apelante valeu-se da taxa de 0,75%, relativa ao PIS, não utilizada pelo perito oficial porque não prevista no contrato que previu apenas a cobrança do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), conforme cláusula 5ª, parágrafo 1º (fls. 20).

Merece ser transcrito ainda o seguinte, do laudo oficial:

“Observando-se o Anexo nº3, esta perícia pode afirmar que as taxas aplicadas/praticadas pelo assistente técnico da Requerida estão também em fora da realidade (em alguns meses foram aplicados encargos superiores a 678% am., quando o IGPM não ultrapassava 29% ao mês), e que também não havia sido expressas seus valores no contrato.

A forma de aplicação, tanto da “Comissão de Permanência” “quanto do juros de mora”, pelo assistente técnico da Requerida, estão também em desacordo com a cláusula de reajuste do contrato.

Consta à fls. 28 dos autos, na cláusula “Reajuste” do Contrato, que se ocorrer atraso nos pagamentos das contraprestações, a Arrendatária ficará obrigada a pagar à Leasing BMC:

O valor em atraso, corrigido pelo IGPM até a data do efetivo pagamento acrescido dos juros moratórios de 1% ao mês (pro-rata temporis), acrescida da comissão de permanência diária, aplicados sobre o valor em atraso já reajustado.

Portanto, os “Juros Moratórios” de 1% ao mês (pro-rata temporis), que deveriam ser aplicados primeiramente, foram aplicados posteriormente, sobre o valor da comissão de permanência, e ainda foi aplicado 1% no período todo (normalmente de cinco dias), quando deveria ser considerado pro-rata temporis”.

Vê-se destarte, que o laudo ofertado pelo assistente técnico de Requerida não pode ser acolhido. Os esclarecimentos prestados pelo perito espancam-no de forma definitiva levando-o a nocaute.

Diante do exposto, nego provimento ao apelo e mantenho a r. sentença também por seus fundamentos e mais aqueles aduzidos nas contra-razões, por seus fortes conteúdos jurídicos e analítico da prova.

DECIDO.

II.

Trata-se de ação de repetição de indébito ajuizada por Liceu Camilo Castelo Branco de Itaquera Ltda. em face de Leasing BMC S/A Arrendamento Mercantil. Em apertada síntese, diz a autora que a ré calculou as prestações do contrato firmado de forma irregular e, por isso, pagou a maior a importância de R$ 706.262,46, conforme histórico de fls. 10.

A ré, para refutar o pedido da autora, alega ter cumprido fielmente o contrato e o débito de parcela fora do vencimento se deveu exclusivamente em razão da falta de dinheiro na conta corrente.

A ação é parcialmente procedente.

De fato, nos moldes dos documentos juntados a fls. 18/29 dos autos, as partes celebraram o contrato de arrendamento mercantil nº 0057/91, isto em 31.10.1991, no valor de Cr$ 600.000.000,00, com taxa de juros de 91% ao ano. A autora levantou, para fundar a sua pretensão, várias irregularidades.

A primeira diz respeito ao pagamento da 1ª parcela. Assim, faz-se a seguinte indagação: a ré, neste ponto, cobrou a maior? Correta a incidência de encargos diante da satisfação, com débito em conta, em 30.12.1991?

Consoante se constata da planilha de fls. 71/77, os vencimentos das parcelas (nem total de 36), estavam cravados no dia 05 (cinco) dos meses correspondentes.

Os pagamentos, segundo a cláusula décima sétima do contrato, tinham de ser feitos mediante débito em conta.

Muito bem.

Foi apurado pela perícia, segundo está dito a fls. 163, que na data do vencimento (05.12.1991) havia aplicação em nome da autora de Cr$ 300.000.000,00; como se tratava de “FUNDÃO”, este valor circulava diariamente pela conta corrente nº 102.249-8; daí a conclusão: EXISTIA SALDO PARA O DÉBITO DA PARCELA, SENDO QUE O DESCONTO SÓ NÃO OCORREU POR ATO VOLUNTÁRIO DA RÉ, QUE IMPÕE A EXCLUSÃO DA INCIDÊNCIA DOS ENCARGOS COBRADOS PELO PAGAMENTO FEITO APENAS EM 31.12.1991. Mas não é isso.

Apurou-se, igualmente, que o valor devido da parcela em 05.12.1991 seria de Cr$ 51.195.841,56. Em suma, efetuando-se os cálculos nos moldes da fórmula contratual, comparados com a própria memória apresentada pela ré, chegou-se ao valor base de Cr$ 40.754.530,80 (aplicando-se a incidência da Taxa Referencial de 91% e 5% de INSS). Após, acrescentando-se a variação do IGPM referente ao mês de novembro de 1991, encontrou o perito o valor devido (INFERIOR AO VALOR COBRADO).

A segunda indagação, caracterizada a cobrança a maior da 1ª parcela, diz respeito ao reflexo nas parcelas posteriores. Desta feita, diante do valor cobrado para a 1ª parcela existiu diferença a maior na cobrança das demais (2/36 a 36/36)? A resposta, da mesma forma, é posta.


O perito, em extenso e bem elaborado laudo, apresentou um anexo específico só para detalhar a evolução das parcelas, apontando, em cada caso, o valor cobrado a maior. Assim, em conclusão, chegou-se à diferença, a favor da autora, de R$ 692.928,68 (para fevereiro de 1997).

É verdade que o assistente técnico, a fls. 221/231, discordando da conclusão do perito, consignou que a ré procedeu corretamente à cobrança das contraprestações no decorrer de toda a vigência contratual. Ledo engano, porém.

Pauta-se o assistente, basicamente, na assertiva de que o vencimento da prestação estava sempre marcado para o dia 30 de cada mês. Em face disso, todos os pagamentos feitos no dia 05 foram realizados fora do prazo e, como conseqüência, correta foi a incidência dos encargos.

Tal impugnação foi amplamente contrariada pelo perito (Crf. esclarecimentos a fls. 248/261). De fato, a perícia não utilizou o vencimento defendido pelo assistente (nos moldes da defesa da ré), porquanto todos os vencimentos desde a 1ª até a 36ª contraprestação aconteceram no dia 05 de cada mês.

“Fica demonstrado, portanto, que a perícia não utilizou ´erroneamente´esta data. A tolerância para pagamento no dia 05 (cinco) de cada mês foi concedida pela própria Leasing BMC. Desta forma, os encargos moratórios são aplicados quando os pagamentos realizados ocorreram posteriores ao dia 05 (cinco) do mês. Simplesmente a perícia operacionalizou os seus cálculos com base no que o requerido queria, ou seja, receber no dia 05 de cada mês.”

Vale dizer, o fato é que a conduta das partes, principalmente da ré, alterou a avença realizada, para caracterizar o dia 05 como sendo a data real para a existência da contraprestação (tal como dito pelo perito).

Como se sabe, uma das formas de interpretação do contrato é aquela chamada autentica, que se faz, logicamente, a partir da verificação da conduta, subseqüente à contratação. Na precisa lição de DARCY BESSONE, “como consectário do poder de interpretar a avença, que reconhece aos contratantes, a conduta das partes posterior ao contrato e principalmente na execução deste, constitui a forma tácita e indireta de interpretação autentica. São as próprias partes que, através de atos, revelam a intenção comum.”

Vale frisar, segundo lembrou ainda o festejado autor:

“A CONDUTA POSTERIOR DAS PARTES PODE SERVIR MESMO VALIDAMENTE PARA ALTERAR A ORIGINAL PREVISÃO CONTRATUAL, TUDO EM DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA QUE LHES É ASSEGURADA NA CONTRATAÇÃO”.

O significativo relevo ao procedimento espontâneo das partes como meio de bem interpretar o contrato, aliás, vem sendo prestigiado pela doutrina nacional em larga escala: Washington de Barros Monteiro, Silvio Rodrigues e Caio Mário. Todos, sem exceção, ressaltam, ” que a conduta das partes posterior ao contrato e principalmente na sua execução constitui a melhor forma de interpretá-lo e de detectar a intenção comum.

Diante destas considerações, adotando integralmente o laudo pericial como razão de decidir, hei por bem em afastar a tese defensiva para, assim, condenar a devolução dos valores recebidos a maior como medida de rigorosa justiça.

III.

Posto isso e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação ajuizada por LICEU CAMILO CASTELO BRANCO DE ITAQUERA LTDA. em face de LEASING BMC S/A – ARRENDAMENTO MERCANTIL, e, conseqüentemente condeno a ré a pagar a autora a importância de R$ 685.956,44 (seiscentos e oitenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e seis reais e quarenta e quatro centavos), com correção monetária a partir de setembro de 1996 (fls. 186) e juros monetários de 6% (seis por cento) ao ano, contados da citação ( art. 219 do CPC).

Decaindo a autora de parte mínima do pedido, arcará a ré com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, atento as diretrizes do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.

A ação é parcialmente procedente porquanto a autora, especialmente em relação ao Contrato de Arrendamento, para o ressarcimento dos valores cobrados a maior das parcelas, pediu a condenação ao pagamento de importância superior.

P.R.I.

São Paulo, 27 de agosto de 1997.

GILSON DELGADO MIRANDA

Juiz de Direito

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