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OAB critica vingança 'olho por olho' de governo americano

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21 de setembro de 2001, 11h09

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato Machado, criticou a política de vingança “olho por olho” do governo americano que anuncia sua disposição de responder aos ataques terroristas sofridos no dia 11 de setembro. Tropas armadas já foram enviadas ao Golfo Pérsico para um ataque ao Afeganistão.

Nesta sexta-feira (21/9), ele defendeu uma participação maior dos organismos internacionais, como as Nações Unidas, para evitar uma conflagração mundial. “Violência atrai violência”, disse.

A crítica do presidente da OAB ao governo americano foi feita durante uma reunião com todos os presidentes da entidade nos Estados. Segundo Approbato, o mundo não admite uma visão maniqueísta e nem posições fechadas e unilaterais.

O representante da advocacia brasileira chamou os EUA à responsabilidade lembrando seu posicionamento contra o Protocolo de Kyoto; a rejeição ao acordo de verificação do tratado de proibição de armas biológicas; a recusa de entrar nas negociações sobre tráfico de armas de pequeno calibre; a tentativa de enterrar o Tratado Antimísseis, assinado em 1972, e a continuação do Programa Nacional Antimísseis – que significam uma clara identificação dos interesses da indústria de guerra; a retirada da delegação em Durban, na Conferência Mundial contra a Intolerância, o Racismo e a Discriminação; a recusa em reformar a Organização Mundial do Comércio.

Na reunião, eles fizeram um minuto de silêncio em respeito às vítimas dos atentados terroristas e pela paz mundial. Approbato lembrou, ainda, que por trás das grandes questões que afligem a humanidade estão as injustiças, as desigualdades, as disparidades e as injustiças entre os povos.

Veja as declarações do presidente da Ordem

“O mundo se encontra em um estado tormentoso. Uma guerra de inimigos ocultos se desenvolve, ceifando vidas inocentes, gerando o pânico entre as comunidades, promovendo o pior dos traumas, que é a hipnose coletiva da insegurança e da intranqüilidade.

Nossa primeira palavra é de consternação, de angústia e de dor. A Ordem dos Advogados do Brasil, como já salientei em nota pública, ao se solidarizar com as famílias enlutadas, integra-se à comunidade mundial na indignação e na condenação ao covarde atentado terrorista, ato que atenta contra os valores da Democracia, da Liberdade e da Cidadania. Os responsáveis devem responder por seus atos criminosos, com exemplar punição.

Um ato terrorista contra milhares de cidadãos inocentes é um ato contra a Humanidade! Merece a condenação de toda a comunidade mundial!

Não podemos, porém, perder de vista, nesse momento de graves tensões na vida internacional, do sentido de racionalidade que deve presidir o concerto das Nações e as decisões dos mandatários das potências mundiais. Não podemos abandonar a postura de equilíbrio e bom senso, na qual devem repousar todas as medidas e ações orientadas para o combate ao terrorismo. Referimo-nos ao proclamado interesse já manifestado pelas autoridades norte-americanas de partir para a retaliação, de acordo com o mais vingativo conceito de “olho por olho, dente por dente”.

Violência – como de todos é sabido – atrai violência. E, se quisermos evitar os climas de conflagração, que se multiplicam no planeta, devemos, a todo momento, em todas as horas, semear a semente da concórdia e da paz, sem abrirmos mão da imperiosa e necessária punição àqueles que implantaram o terror, ceifando milhares de vidas inocentes.

Não podemos jamais esquecer que, por trás das grandes questões que afligem o nosso tempo, estão as injustiças, as desigualdades, as disparidades, as discriminações, a xenofobia, as diferenças culturais entre os povos, fatores conjugados que convergem para a maior tragédia contemporânea, que é a tragédia da exclusão social.

Tragédia que está a exigir por parte das Nações uma estratégia global de convivialidade e compreensão recíproca. Não se pode ter uma visão maniqueísta entre o bem e o mal, sob pena de, em nome dessa visão, direitos fundamentais serem violados, com o beneplácito de quem tem o dever de assegurá-los.

O mundo já não admite posturas isolacionistas, fechadas, unilaterais, particularmente nos campos da política, das relações internacionais e da segurança nacional. Nesse contexto, não há como deixar de se reprovar o unilateralismo do governo norte-americano, que, nos últimos tempos, tem se feito presente em situações como: o abandono do Protocolo de Kyoto – voltado para o desaquecimento do planeta; a rejeição ao acordo de verificação do tratado de proibição de armas biológicas; a recusa de entrar nas negociações sobre tráfico de armas de pequeno calibre; a tentativa de enterrar o Tratado Antimísseis, assinado em 1972, e a continuação do Programa Nacional Antimísseis – que significam uma clara identificação dos interesses da indústria de guerra; a ameaça de retirada da delegação em Durban, no Encontro Mundial da Discriminação; a recusa em reformar a Organização Mundial do Comércio.

Já se foram os tempos em que um país, por mais força militar que detenha, se ache no direito de comandar outras Nações. Já se foram os tempos em que o mundo tinha como divisor o velho maniqueísmo entre o bem e o mal, representados por países ricos e bem sucedidos e países periféricos, subdesenvolvidos.

Não podemos mais aceitar o novo colonialismo, que emerge das fronteiras de um processo de globalização devastador de culturas.

Como salientei, em meu pronunciamento durante o 45º Congresso da União Internacional dos Advogados, realizado em Turim, na Itália, os países periféricos, como o Brasil, estão sendo vítimas e não agentes do processo de globalização, sujeitos que estão ao jogo de interesses e conveniências das grandes potências, que ditam as regras do mundo, nos aspectos políticos, econômicos e até culturais. Não podemos deixar nos levar pelos enganadores conceitos de modernização e atualidade, que se procuram extrair da matriz conceitual imposta pelo fenômeno da globalização.

Se a tecnologia estabeleceu a instantaneidade das comunicações, suprimindo barreiras entre os povos, trouxe com ela a inoculação de valores exógenos às culturas nacionais, estiolando sistemas culturais, fragmentando as identidades de Nações que, por séculos, construíram suas bases de civismo, patriotismo e nacionalidade. Constatamos, porém, um desarranjo geral em quase todas as regiões mundiais, a partir da concentração de renda nas mãos dos mais ricos.

Enquanto estes exibiam ao mundo o triunfo de uma nova tecnologia alicerçada nas empresas de alta tecnologia, a bancada dos países periféricos adensava o cordão dos miseráveis, ampliando os espaços da fome e das tragédias sociais, a partir do crescimento do desemprego, da violência, da expansão do analfabetismo, significando tudo isso, exclusão social.

Não podemos aceitar essa globalização assimétrica, cujos efeitos podem ser verificados em muitos exemplos.

É oportuna, nesse momento, a opinião insuspeita da socióloga norte-americana, Robin Wagner-Pacifici: “a imposição de um modelo político, econômico e militar único, com o estigma da exclusão para os que não optam pelo caminho ditado por Washington, favorece idéias extremistas, tratando-se, exatamente, do que acirra, a cada dia, o sentimento norte-americano em todo o mundo”.

Pugnemos, pois, pela exemplar punição aos que praticam atos terroristas que atentam contra a humanidade. Não nos deixemos, contudo, levar pelo ódio e pela vingança desvairada. Não nos deixemos contaminar pelo espírito da intolerância, essa praga que marcou grande parte do século passado e que não podemos deixar que ressurja neste milênio que apenas se inicia”.

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