Decisão histórica

Veja a decisão do STF que submeteu Plano Collor a dissídios

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20 de setembro de 2001, 17h00

Revogando acórdão e entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta semana, que matéria de lei, sancionada após dissídio coletivo não se sobrepõe a acordo firmado entre empresários e trabalhadores.

A decisão afeta diretamente os empregados do Pólo Petroquímico de Camaçari e pode importar em um montante de R$ 400 milhões em salários atrasados. Essa quantia representa mais da metade do valor da compra da estatal pelo grupo privado Odebrecht-Mariani.

Na época, o dissídio coletivo previa reajuste mensal em 90% do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), mesmo que nova lei estabelecesse uma política salarial desfavorável. Mas com o Plano Collor, o acordo – que deveria vigorar entre setembro de 1989 a agosto de 1990 – não foi colocado em prática.

A decisão do STF suspende os efeitos do Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, onde se fixou que a Medida Provisória 154, convertida na Lei 8.030/90 se sobrepunha a quaisquer acordos vigentes até então.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio, relator do processo, afirma que “a Constituição não pode ser tida como um instrumento lírico”, ao esclarecer que o dissídio coletivo não tratou de aumento de salários, mas de reajuste.

Embora ainda exista a possibilidade de se levar o caso a reexame do plenário, através do recurso de embargos de divergência, os interessados terão que demonstrar existir ofensa à jurisprudência do STF. Sem isso, prevalecerá a decisão que teve o voto condutor do ministro Marco Aurélio, que foi acompanhado pelos ministros Néri da Silveira e Celso de Mello, contra o entendimento de Nelson Jobim e Maurício Corrêa.

Veja os fundamentos do relatório de Marco Aurélio

SEGUNDA TURMA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 194.662-8 BAHIA

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RECORRENTE: SINDIQUIMICA – SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDUSTRIAS E EMPRESAS PETROQUIMICAS, QUIMICAS PLASTICAS E AFINS DO ESTADO DA BAHIA

ADVOGADO: ULISSES RIEDEL DE RESENDE E OUTROS

RECORRIDO: SINPER – SINDICATO DA INDUSTRIA PETROQUIMICA E DE RESINAS SINTETICAS NO ESTADO DA BAHIA E OUTRO

ADVOGADO: JOSÉ ALBERTO COUTO MACIEL E OUTROS

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho acolheu pedido formulado em recurso ordinário para julgar procedente o dissídio de natureza jurídica instaurado pelo ora Recorrido e, procedendo à interpretação da cláusula 4ª e parágrafo único de convenção coletiva então em vigor, declarou que a forma de reajuste salarial pactuada teria eficácia até março de 1990, a partir de quando as empresas deveriam respeitar as normas fixadas na Medida Provisória nº 154, convertida na Lei nº 8.030/90.

O Colegiado entendeu, ainda, por maioria de votos, que, em se tratando de dissídio coletivo de natureza jurídica, desnecessário era o respeito à regra constitucional que impõe a negociação prévia das partes (folha 643 a 654). Protocolados sucessivos embargos de declaração, foram parcialmente acolhidos para que se prestassem os seguintes esclarecimentos:

(…)o Sindicato persegue a nulidade do julgamento, ou seja, deseja ir além do excepcional efeito modificativo. Assim intenta “em face de suspeição superveniente do Exmo. Sr. Ministro Marcelo Pimentel, pela forma com que S. Exª conduziu o julgamento em questão, estando na Presidência da Sessão”. A matéria é estranha ao remédio previsto pelo art. 535, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo trabalhista, segundo o disposto pelo art. 769, da CLT.

A suposta nulidade não envolve afirmação de ocorrência de omissão de ponto sobre o qual devia o Tribunal ter-se manifestado, obscuridade, dúvida ou contradição no texto do acórdão.

A maneira pela qual o Sr. Ministro Marcelo Pimentel conduziu o julgamento não enseja embargos, sobretudo de declaração, devendo o embargante, caso insista em sua pretensão, buscar os remédios adequados.

Aliás, nesse sentido e com tal desiderato, o Sindicato representou ao Exmº Sr. Procurador-Geral da República, como revela a transcrição feita no corpo de seu arrazoado. Tratando-se de matéria nitidamente impertinente ao recurso de que faz uso o embargante, a Representação a que fiz referência, por conter matéria estranha, deve ser devolvida ao signatário cópia da petição de fls. 657 (folhas 709 e 710).

(…) A toda evidência, o art. 114 da Constituição da República, ao colocar a negociação como pressuposto da instauração do dissídio coletivo, se referiu ao de natureza econômica, recepcionando o art. 616, § 4º, da CLT. De toda maneira, ao proferir voto, o Relator deixou positivado haverem as partes negociado intensa e exaustivamente, como era de hábito, e fez referência, no decorrer dos debates, a documentos existentes no 1º volume dos autos apensados.


Numerosa documentação demonstra que as partes não chegaram a consenso acerca da interpretação e aplicação da cláusula 3ª da Convenção Coletiva de Trabalho, por força das mudanças introduzidas na economia pelo Plano Collor I.

Assim, embora os limites entre o dissídio coletivo de natureza jurídica e o de natureza econômica muitas vezes não fiquem claros e nítidos, se entrelaçando e se confundindo, no caso, não havia porque ser introduzida essa matéria, pois as partes sabiam que ocorreram negociações e foram mal sucedidas (folha 710). (…) Fosse este Tribunal Superior do Trabalho incompetente para apreciação deste Dissídio, tê-lo-ia sido também o E. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região – Bahia.

Na verdade, a matéria é típica de dissídio coletivo, na medida em que ambos os sindicatos defendiam interesses não meramente individuais, mas decorrentes da alegada falta de cumprimento de cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho, atingida frontalmente pelas alterações de política econômica provocadas por legislação federal. Não se estava diante da ausência de respeito do dispositivo relativamente a um ou alguns empregados, por uma ou algumas empresas. Mas frente à alegação do setor empresarial, como um todo, de sua incapacidade de cumprir literalmente o convencionado na cláusula 3ª, parágrafo único, sem violar a legislação econômica trazida como Plano Collor I.

A competência do TST foi fixada, para reexame da matéria em grau de recurso ordinário, quando as partes se dirigiram ao E. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, requerendo prestação jurisdicional em esfera coletiva, e a aceitaram, manifestando inconformidade exclusivamente quanto a aspectos de mérito. Veja-se, neste sentido, especialmente o Recurso ordinário do Embargante às fls. 568/774.

A argüição de incompetência apenas depois de derrotado atinge as franjas do procedimento protelatório, sobretudo quando não se tem notícia de que o Embargante tenha ajuizado reclamações individuais para cobrança de diferenças.

Quanto às afirmações constantes do Acórdão, acerca do volume de diferenças salariais supostamente acumuladas, o que se sabe a respeito foi transmitido ao Relator pela direção sindical, durante gestões desenvolvidas no sentido de que este Ministro contribuísse para a celebração, anteriormente ao julgamento pela SDC, do acordo que as partes diretamente não logravam obter.

Por solicitação do nobre Deputado Jaques Wagner, ex-dirigente do Sindicato embargante, o Relator recebeu em seu gabinete, neste Tribunal, e durante visita feita a Salvador, em razão de conferência que lá pronunciaria, diretores da entidade, o próprio Deputado e vários advogados. A finalidade desses contatos consistia na comunicação do desejo dos trabalhadores encontrarem solução conciliatória, que não apenas colocasse termo final ao processo como reabrisse o caminho do diálogo entre os dois organismos sindicais.

Por essa razão, o Relator tomou conhecimento do montante aproximado da pretensão dos trabalhadores, facilmente imaginável quando se sabe o número de trabalhadores interessados, os salários anteriores a março de 1990 e os salários reajustados pela aplicação da cláusula 3ª ou pela aplicação da Lei 8.030/90 (folhas 710 e 711).

(…) Afirma a Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O art. 8º da CLT, por sua vez, concede ao Juiz do Trabalho amplitude de meios para decidir, podendo fazê-lo por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, também, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, “mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

O Sindicato empresarial ajuizou o dissídio coletivo, e presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento regular e válido, o processo avançou, sendo julgado favoravelmente ao Embargante, na Instância de origem. Em grau de recurso a sentença foi reformada, com apoio na Lei 8.030/90, cujos dispositivos específicos foram mencionados. Não houve, pois, infração ao artigo 114, § 2º, da Constituição, nem ao seu artigo 7º, inciso XXIV (folha 711).

(…) Diz a Constituição que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Diante dos efeitos potencialmente inovadores da lei que surge, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada teriam características idênticas.

O acórdão enfrentou o tema, não sendo omisso, obscuro, contraditório ou duvidoso, inexistindo afronta ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Lei Fundamental (folha 711).

(…) O nunca por demais citado Plano Collor I, inesquecível como alguns dos seus predecessores, é lembrado por haver impactado a economia nacional, sobretudo pelo confisco dos ativos financeiros e pelo congelamento dos salários e preços, causando repentina queda na inflação, como admite o DIEESE em estudo recentemente chegado ao meu conhecimento.


Na verdade não haveria necessidade de ser pinçado dispositivo legal, naquele conjunto de medidas, para apontá-lo como fundamento da cessação dos reajustes salariais após 15 de março de 1990. O acórdão, todavia, à fl. 648, menciona especificamente os artigos 1º e 2º da Lei 8.030/90, referindo-se, ainda, ao artigo 4º (folha 712).

(…) O Egrégio TST não feriu o artigo 5º, inciso II, da Constituição da República. Pelo oposto, exerceu sua competência, julgando os dissídios coletivos entrelaçados neste processo, na forma do disposto pelo seu artigo 114 (folha 712).

(…) O acórdão embargado é coerente, desenvolvendo raciocínio cuidadoso, para atingir as suas conclusões. Não há contradição entre a procedência dada ao recurso ordinário, julgando-se o dissídio coletivo de natureza jurídica, e o provimento parcial imprimido ao recurso, como está na parte final, para se afirmar indevido o deferimento de índice salarial a partir de 1º de março de 1990, salvo os índices criados pela Lei 8.030/90 e a legislação salarial superveniente. E não há contradição porque o recurso era mais amplo, como se vê no relatório à fl. 694, envolvendo matéria alusiva ao piso salarial e ao auxílio-creche.

Acerca do emprego da palavra “interpretar”, advirto haver ela sido aplicada no sentido de atender, e de acordo com o disposto pelo artigo 85 do Código Civil, onde se afirma que “Nas declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido literal da linguagem”.

Não iriam as partes inserir em Convenção Coletiva de Trabalho – instrumento de harmonização e de convergência dos seus interessados – dispositivo que literalmente interpretado inviabilizaria o prosseguimento das atividades empresariais, naquele momento, gerando maior desemprego.

Sob essa orientação, a Sentença Normativa não anulou ou afastou o dispositivo. Limitou-se a interpretá-lo, e também à lei vigente, no exercício correto e adequado do Poder Normativo do Tribunal.

Finalmente, quanto à imaginária contradição que teria surgido com a citação da clássica cláusula rebus sic stantibus, mais uma vez falece razão ao embargante. Não há contradição enquanto se está perguntando. Nem haveria, naquele caso, se com a cláusula se estivesse respondendo (folha 712).

(…) Esclarecendo a questão, acredita-se que, de maneira definitiva, deve o Relator assinalar que o julgamento do Recurso Ordinário impetrado no Processo sob exame deu-se sem que ocorresse, antes, durante ou imediatamente depois, argüição de suspeição do Ministro Marcelo Pimentel. Nem antes, insisto, nem durante, como revelam as notas taquigráficas, nem imediatamente após, porque os Embargos de Declaração de fls. 657/689 não contêm a Exceção de Suspeição, mas pedido de nulidade do julgado anterior em virtude daquilo que foi denominado “suspeição superveniente”.

Também nos Embargos há a revelação documentada de representação formulada pelo ilustre Deputado Federal Jaques Wagner, ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, onde “relata o incidente ocorrido no julgamento deste processo…”

Por derradeiro, a Embargante aludindo à gravidade da situação ocorrida, bem como à necessidade de plena elucidação do incidente, “mesmo com o eventual afastamento de qualquer dos Magistrados que integram a Seção”, pede a conversão do julgamento em diligência para virem aos autos as notas taquigráficas do julgamento, “bem como para que seja degravada a fita de vídeo em poder da embargante, pelas vias legais, além da colheita documental e testemunhal acerca de aspectos que permanecem obscuros e, à sua vez, sintomatizantes de gravidades, cuja apuração se revela indeclinável”.

A longa citação se faz necessária, para que se relembre à Embargante que seus primeiros Embargos não suscitaram a suspeição do Ministro Marcelo Pimentel. Insisto, assim, em que nem antes do julgamento, nem durante o julgamento, nem mesmo logo após o julgamento, se articulou com o eventual impedimento, por parcialidade e suspeição, do Ministro duramente atacado.

Ora, Embargos de Declaração obedecem ao rito mais simples, pois não se trata de recurso propriamente dito, mas de mero pedido de esclarecimento acerca de ponto supostamente obscuro, omisso, contraditório ou duvidoso, detectado na decisão embargada. Por não ser recurso não há revisor.

Por não ser recurso, o processo não é incluído na pauta, mas apresentado pelo Relator em Mesa para apreciação dos Embargos, inexistindo oportunidade para sustentação oral pelo advogado do embargante. Ora, apenas depois de conhecidos os Embargos de Declaração, e aparelhado o processo para seu julgamento, deu o Sindicato entrada em nova petição, desta vez, sim, argüindo a suspeição do Ministro Marcelo Pimentel, como objetivo único – e não poderia haver outro – de privá-lo da possibilidade de participação de seu julgamento.


O julgamento do Recurso Ordinário se dera em 16 de dezembro de 1992. O acórdão foi publicado pelo DOU em 12 de fevereiro de 1993. Os primeiros Embargos Declaratórios foram impetrados em 19 de fevereiro, mas a argüição de suspeição somente foi apresentada em 4 de março, mas em razão de fatos que teriam ocorrido lá atrás, na data do julgamento.

Ora, se os Embargos de Declaração se destinam à correção de equívocos da decisão, e apenas excepcionalmente podem assumir efeito modificativo, a argüição de suspeição impedirá, quando procedente, o Juiz de participar dos próximos atos processuais, mas nunca afetará, como parece pretender a Embargante, o ocorrido no passado.

Consultando as notas taquigráficas do julgamento em que o Sindicato esteve representado por outro ilustre advogado, o Embargante observará que em nenhum instante o Ministro Marcelo Pimentel teve o seu comportamento na Presidência impugnado, ou se o fez merecedor de observação que traduzisse insatisfação, descontentamento, intranqüilidade do procurador do Sindicato dos Trabalhadores. Com esses fundamentos, cabe-me esclarecer:

Primeiro Ponto – Os Embargos de Declaração de fls. 657/689 não continham Exceção de Suspeição, mas pedido de decretação de nulidade “em face de exceção superveniente”, rejeitado por não se tratar de matéria compatível com esta modalidade especial de esclarecimento, ou de complementação do julgado.

Segundo Ponto – A exceção de suspeição, a teor do disposto pelo art. 306, do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo judiciário do trabalho, suspende o curso do processo, “se recebida”. Não havendo sido recebida, por se achar prejudicada em razão da perda do objeto, não havia razão jurídica para suspensão do feito.

Terceiro Ponto – A questão aqui colocada se resolverá nos autos da Argüição de Suspeição, caso o Sindicato não se sentir atendido com a decisão que o julgou prejudicada.

Quarto Ponto – A exceção de suspeição, tal como se acha disciplinada pelo CPC, tem como finalidade provocar a substituição do juiz suspeito por outro magistrado que não incorra nessa restrição. O art. 135, do Código de Processo Civil relaciona as situações nas quais o Magistrado tem contra si a presunção da suspeição, concedendo-se a ele, no parágrafo único, a oportunidade de se declarar suspeito por motivo íntimo.

Admitida a suspeição, o juiz remeterá os autos ao seu substituto legal.

No caso presente, entretanto, não há substituto para o Ministro contra o qual a suspeição foi afirmada. Em caso de o Ministro se declarar suspeito, a SDC funciona havendo “quorum” suficiente.

Ausente o Ministro, e não havendo razão determinante da convocação de substituto, a Seção de Dissídios Coletivos estava em condições de examinar não apenas os Embargos de Declaração, como todos os demais processos de pauta.

A legislação processual existe para fazer com que a pretensão trazida a juízo seja julgada, não para satisfazer capricho da parte. Os objetivos dos Embargos de Declaração foram alcançados, e entre eles não se poderia inserir a nulidade do julgado.

Logo, por aplicação do artigo 314, do CPC, a Seção de Dissídios Coletivos entendeu que a exceção de suspeição ficara prejudicada, mesmo porque não argüida nos Embargos Declaratórios, sob sua apreciação.

Finalmente, ordeno a juntada a estes autos das notas taquigráficas relativas à sessão em que foi julgado aquele Recurso, a fim de ser esclarecida, definitivamente, qualquer dúvida eventualmente alimentada pela Embargante ou por terceiro que deseje, circunstancialmente, consultar o processo (folha 729 a 731).

No extraordinário de folha 734 a 800, interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, o Sindicato dos Trabalhadores articula com o malferimento dos artigos 799, 800, 801, parágrafo único, e 802 da Consolidação das Leis do Trabalho; 67, incisos I e II, 121, 122, 124, 125 e 127 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho; 2º da Lei nº 7.701/88; 5º, incisos II, XXXIV, alínea “a” , XXXV, XXXVI, LIV e LV, e § 2º; 7º, inciso XXVI, 111, § 3º, e 114, § 2º, da Carta Política da República.

Argúi, preliminarmente, a nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, diante da recusa da Corte em analisar as questões constitucionais veiculadas nos últimos declaratórios, em apurar os incidentes ocorridos no julgamento do recurso e processar e julgar a exceção de suspeição ajuizada. Em passo seguinte, vêm a segunda e a terceira preliminares de nulidade, suscitadas em razão do procedimento inadequado conferido à exceção de suspeição superveniente do Ministro Marcelo Pimentel, bem como pelo prejuízo advindo aos trabalhadores, resultante da forma como conduzido o julgamento.

Quanto à exceção, sustenta que, uma vez protocolada, ensejaria a suspensão do processo, sendo nulo todo e qualquer ato praticado a partir de então. Todavia, ignorando tal imposição, o Relator do feito levara a julgamento, cinco dias depois de protocolada a exceção, os primeiros embargos de declaração e, verificando a ausência do Ministro apontado suspeito, não só procedeu à apreciação dos declaratórios, como declarou o prejuízo da exceção de suspeição.


O Recorrente esclarece que, naqueles embargos, não indicara a suspeição, porque já ocorrido o julgamento do recurso, mas manifestou sua intenção clara de que fossem apurados os fatos que “…faziam com que pairasse sobre a decisão a mácula da suspeita de manipulação de seu resultado” (folha 759). Vai além, ressaltando haver pleiteado a conversão do feito em diligência para que se juntassem aos autos as notas taquigráficas da sessão e se pudesse degravar a fita de vídeo que tem em seu poder, colhendo-se mais provas sobre o incidente.

Apresentou, no entanto, a exceção porque, em face da interposição dos embargos, novo julgamento seria proferido. Pretendia, assim, não apenas o afastamento do Ministro excepto, como também, “..na eventualidade de que fosse indeferido o requerimento de conversão do feito em diligência para a apuração dos fatos, isto pudesse ser feito na própria instrução da exceção de suspeição” (folha 760).

Considera que o procedimento implicou cerceamento de defesa e aduz que, não obstante tenha sido determinada a anexação das notas taquigráficas aos autos, até o término do prazo do recurso extraordinário não havia a Secretaria da Corte de origem se desincumbido de tal ônus. Salienta que “…a ausência ocasional do Excepto-Ministro não permite que o eminente Ministro Relator se aproveite dessa circunstância para desprezar o incidente de suspeição preteritamente interposto, (…) cuja tramitação obedece a regras legais e regimentais” (folha 761).

Quanto à condução do julgamento, assevera, em síntese, que o Ministro-Presidente da sessão agiu com abuso de poder, olvidando o devido processo legal, atuando como advogado da tese patronal, com demonstração inequívoca de parcialidade. Eis os argumentos lançados:

1. A parcialidade do Exmº Sr. Ministro Marcelo Pimentel ficou claramente caracterizada, pela atuação como se fosse advogado de uma das partes; pela tentativa de computar o voto do Ministro Fernando Villar em sentido contrário; pela tentativa de desprezar o voto do Ministro Fernando Villar e proclamar o empate, para que ele mesmo pudesse desempatar; a suspensão do julgamento quando todos haviam proferido seus votos e as manifestações de inconformismo com o resultado que se delineara, como acima demonstrado;

2. A sessão não poderia ser suspensa no momento em que todos já haviam votado.

3. Houve interferência estranha à sessão do julgamento, durante o intervalo, que ensejou o “esclarecimento” do Ministro Ursulino Santos, quando S. Exa. declarou que “foi procurado por colegas”;

4. Houve a proclamação do resultado de que, por cinco votos contra quatro, fora negado provimento ao recurso;

5. Após a proclamação, houve mudança de voto, o que não mais seria possível, já que o Ministro Ursulino Santos resolveu, então, “dar provimento parcial”;

6. Foi proferida nova proclamação, o que é ilegal;

7. A decisão foi contraditória, porque, segundo a última decisão, a cláusula quarta e seu parágrafo único, da convenção coletiva, vale e não vale ao mesmo tempo (folhas 776 e 777).

O Sindicato insiste também na extinção do processo por ausência de preenchimento do requisito atinente à negociação prévia, sustentando que o Diploma Maior não distingue entre dissídio de natureza jurídica ou econômica, “…até porque ambos envolvem um conflito coletivo que tem fundo econômico, sendo o primeiro relativo à interpretação de uma norma e o segundo relativo a uma data-base” (folha 779).

A preliminar seguinte diz respeito à incompetência dos Tribunais Regional e Superior do Trabalho. O Recorrente entende ter a Corte de origem extrapolado a própria competência ao declarar a inaplicabilidade de cláusula de convenção coletiva firmada para vigorar no período de 1º de setembro de 1989 a 31 de agosto de 1990, uma vez que matéria concernente ao cumprimento de convenções coletivas é de atribuição das juntas de conciliação e julgamento. Por outro lado, afirma inexistirem nos autos documentos que sirvam de suporte ao argumento econômico, e não jurídico, utilizado no acórdão, de que as empresas não teriam como arcar com o reajuste (conforme previsto na citada cláusula), e alega que, na ação de cumprimento, haveria margem à produção de tal prova.

Defende, outrossim, o Recorrente, a ausência de preceito legal que autorize a Justiça do Trabalho a afastar o cumprimento de convenção coletiva, bem como a harmonia da cláusula com o ordenamento jurídico em vigor. Por derradeiro, evoca o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, renovando a argumentação em torno da validade da cláusula.

O Recorrido apresentou as contra-razões de folha 882 a 904, apontando a irregularidade da representação processual, a condição do Sindicato-Recorrente de litigante de má-fé, a falta de prequestionamento, a inexistência dos vícios indicados e o acerto da conclusão adotada pelo Tribunal de origem.


O Juízo primeiro de admissibilidade obstou o trânsito do recurso, processado em razão do provimento dado a agravo.

Mediante a decisão de folhas 2.386 e 2.387, neguei seguimento ao extraordinário, acolhendo a preliminar de irregularidade de representação processual trazida em contra-razões, conclusão que veio a ser reformada no âmbito da Turma, alterando, em julgamento de embargos declaratórios, o que decidido quando do desprovimento do agravo (folha 2.469 a 2.499).

A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de folha 2.549 a 2.554, preconizando o conhecimento e provimento do recurso. Eis a síntese da peça:

Trabalhista. Reajuste salarial. Cláusula fixada em convenção coletiva de trabalho. Norma superveniente. Existência de ato jurídico perfeito e de direito adquirido. Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso (folha 2.549).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A questão referente à representação processual ficou suplantada ante o que decidido por esta Turma no julgamento de embargos declaratórios no agravo inominado no recurso extraordinário (folha 2.469 a 2.499). Assentou o Colegiado a regularidade da representação processual. Quanto à oportunidade, verifica-se que foi observado o prazo de quinze dias.

O acórdão inicialmente proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho teve notícia veiculada no Diário de 12 de fevereiro de 1993, sexta-feira (folha 654-verso). Surgiram os primeiros declaratórios em 15 imediato, segunda-feira (folha 656), não havendo sido gasto um único dia do prazo relativo ao extraordinário.

O acórdão pertinente foi publicado no Diário de 26 de março de 1993, sexta-feira (folha 713-verso), seguindo-se a protocolação dos declaratórios em 30 imediato, terça-feira (folha 715), notando-se, assim, a passagem de um dia do prazo concernente ao extraordinário. O acórdão destes segundos declaratórios restou estampado no Diário de 30 de abril de 1993, sexta-feira (folha 731-verso), sendo que a protocolação do extraordinário deu-se no dia 10 imediato, segunda-feira (folha 734). Assim, decorreram, até a interposição do recurso, oito dias. Quanto às custas, este extraordinário foi processado em razão do provimento dado ao agravo em apenso.

Passo ao exame do pressuposto específico de recorribilidade, que é a transgressão à Carta da República. Assentada essa premissa, afasto a possibilidade de exame da alegada ofensa aos artigos 799, 800, 801, parágrafo único, e 802 da Consolidação das Leis do Trabalho; 67, incisos I e II, 121, 122, 124, 125 e 127 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho; e 2º da Lei nº 7.701/88.

O recurso extraordinário não se viabiliza ante a argüição de violência a dispositivo legal, valendo notar que se está no âmbito da interpretação, não sendo apropriado evocar, em si, quanto a esses preceitos, o princípio da legalidade. Resta, assim, apreciar o recurso, no que apontado malferimento à Carta, presente a desistência parcial do recurso e posterior homologação desta, na assentada do julgamento.

A vida democrática pressupõe segurança jurídica, e esta não se coaduna com o afastamento de ato jurídico perfeito e acabado mediante aplicação de lei nova. Colho, do acórdão proferido pela Corte de origem, a premissa fática reveladora da existência do ato jurídico perfeito e acabado. Os Sindicatos em litígio pactuaram, em agosto de 1989, a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos dos prestadores dos serviços, isso considerada inflação de dois dígitos. Para viger de 1º de setembro de 1989 a 31 de agosto de 1990, previu-se, sob a rubrica “Garantia de Reajuste” que:

Cláusula terceira. Reajustes mensais. Na vigência da Lei 7.788/89, as empresas adotarão, para parcela salarial que exceder a três salários mínimos, a correção baseada em noventa por cento do IPC do mês anterior, complementando a diferença no terceiro mês, conforme a lei.

Cláusula quarta. Garantia do reajuste.

Na ausência de lei que discipline os reajustes salariais, as empresas corrigirão os salários no percentual correspondente a noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do mês anterior ou outro índice oficial que venha a substituí-lo, complementando a diferença entre a correção e o índice acumulado sempre que o resíduo atingir a 15% (quinze por cento).

Parágrafo único. As empresas manterão a política convencionada nesta cláusula na hipótese de nova lei que introduza política salarial menos favorável.

Constata-se, assim, que o pacto abrangeu as seguintes matérias:

a – reajuste dos salários, visando à reposição do poder aquisitivo, no que excedidos os três salários mínimos, à base de noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor – IPC do mês anterior, isso na vigência da Lei nº 7.788/89;


b – na hipótese de ausência de lei disciplinando a matéria, seriam observados os mesmos noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor do mês anterior ou outro índice oficial que viesse a substituí-lo, cogitando-se de complementação toda vez que o índice acumulado alcançasse resíduo de quinze por cento;

c – no caso de nova legislação voltada à política salarial, ter-se-ia a subsistência da cláusula.

Portanto, o ajuste firmado – presente o equilíbrio da equação inicial, ao menos em parte, no que prevista, em um primeiro passo, a percentagem não de cem por cento do Índice de Preços ao Consumidor, mas de noventa por cento, a preservação do caráter cumutativo e sinalagmático do contrato – alcançou, de forma clara e precisa, o afastamento de legislação que viesse a dispor em sentido contrário, reafirmando-se, de maneira categórica, sem qualquer vício sob o ângulo da manifestação de vontade, que o pactuado fez-se em caráter definitivo.

Mais do que isso, incluiu-se pedagogicamente no ajuste, diante da oscilação ímpar de regência decorrente de sucessivos planos econômicos nos quais se pretendeu apagar inflação já ocorrida, a garantia constitucional segundo a qual lei nova não prejudica o direito adquirido, a situação jurídica perfeita e acabada e a coisa julgada. Resumindo: as partes contratantes, no que transacionaram, estipularam condição de trabalho a ser realmente atendida, tornando extremo de dúvidas a seriedade do ajuste, a efetividade almejada, tudo em harmonia com o arcabouço normativo da época.

Entrementes, a Corte de origem deu ênfase maior ao Plano Collor, à legislação superveniente, ou seja, à Lei nº 8.030/90, resultante da conversão da Medida Provisória nº 154, sem que esta, até mesmo, tivesse resultado na modificação do padrão monetário – fato que considero irrelevante na espécie – ou, na via próprio aos regimes de exceção, arbitrários, aos regimes de força, houvesse tornado insubsistentes expressamente os ajustes antes firmados.

Aliás, observem-se, de forma sistemática, os diversos preceitos da Lei nº 8.030/90. O do artigo 1º revelou, realmente, a vedação de reajustes de preços de mercadorias e de serviços, sujeitando-os, mediante o artigo 2º, a ato do Ministro de Estado da Economia, Fazenda e Planejamento. Todavia, no artigo 3º foi adotado o princípio democrático da negociação, viabilizando-se, por este meio, os reajustes, proibindo-se a transposição dos ônus para os preços das mercadorias.

Art. 3º Aumentos salariais, além do reajuste mínimo a que se refere o art. 2º, poderão ser livremente negociados entre as partes, mas não serão considerados na deliberação do ajuste de preços, de que trata o § 3º do mesmo artigo.

§ 1º (Vetado).

§ 2º Os aumentos salariais relativos ao caput deste artigo aplicam-se, também, aos diaristas, horistas e trabalhadores avulsos.

Esse ponto foi ressaltado em parecer elaborado por Arnaldo Sussekind e Lima Teixeira, a pedido do Sindicato recorrente:

19. Se a Lei nº 8.030/90 é, ou não, norma de ordem pública, a conclusão a que se chegue, qualquer que seja ela, em nada – absolutamente nada – repercute sobre a cláusula salarial ajustada. Isso porque a própria Lei nº 8.030:

a) resguarda e estimula a maturidade negocial coletiva dos atores sociais; e

b) não impõe limite algum para o exercício da autonomia privada coletiva por seus titulares.

20. E a lei não poderia proceder de modo distinto ante o relevo que a Constituição Federal de 1988 deu à negociação coletiva, que é a forma democrática e mais eficaz de composição de interesses.

Pois bem, se até mesmo após a lei era viável chegar-se ao reajuste dos salários, desde que resultante de negociação, o que se dirá relativamente a pacto celebrado seis meses antes, quando as partes sopesaram as repercussões próprias? Ao potencializar a lei e ignorar o quadro definitivamente formalizado, o Tribunal Superior do Trabalho olvidou o que nela disposto, como também a cláusula pétrea, ou seja, a do inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, a revelar que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito (o caso dos autos) e a coisa julgada.

Vale frisar que o legislador constituinte de 1988 deu ênfase maior à composição entabulada pelas categorias via acordo ou convenção coletivos, isso mediante o inciso XXVI do artigo 7º, ao prever o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e, portanto, o atendimento obrigatório do que neles pactuado, exceto diante de transgressão a regra imperativa em vigor na data em que formalizados, cuja existência jamais foi evocada.

O preceito, não bastasse o significado da norma geral contida no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal, tem alcance único a ser respeitado, especialmente pelo legislador ordinário: formalizado acordo ou convenção com observância das balizas normativas então vigentes, vedado fica o afastamento das condições fixadas, pouco importando a óptica individual deste ou daquele empregado, deste ou daquele empregador, prevalecendo o interesse coletivo.


A razão é simples: a paz social pressupõe a confiança mútua e, mais do que isso, o respeito a direitos e obrigações estabelecidos, em prol do bem de todos, do bem comum não sendo consentâneo com a vida gregária, com a vida civilizada, rasgar-se o pacto revelador do entendimento, alterarem-se as regras norteadoras da relação jurídica, empolgar-se lei conferindo-lhe, a partir de simples interpretação, eficácia a suplantar garantias constitucionais, sob pena de ter-se a babel, a unilateralidade das definições, em nada influindo a obrigação assumida, como se a lei fosse a da selva e não a de um mundo desenvolvido. Sobre o tema, pródiga é a decisão do eminente Ministro Moreira Alves, em caso semelhante, a saber:

Recurso extraordinário. Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. Em nosso sistema jurídico, a regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique retroativamente.

E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade – a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração.

Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1989, prejudicando, assim, ato jurídico perfeito.

Recurso extraordinário conhecido e provido (Recurso Extraordinário nº 188.366, relatado pelo Ministro Moreira Alves perante a Primeira Turma, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 19 de novembro de 1999).

A espécie dos autos possui características que a distanciam de outros casos com os quais se tem defrontado esta Turma. É que, presente a idéia da possibilidade de corrigir-se mazelas deste imenso Brasil mediante novas leis, as partes foram explícitas ao afastar a incidência do que viesse, a ser estipulado normativamente, buscando preservar, acima de tudo, o reajuste decorrente de inflação já verificada. Repita-se: estabeleceram, no parágrafo único da cláusula quarta da convenção, que, na hipótese de nova lei introduzindo política salarial menos favorável, prevaleceria o que ajustado, ou seja, a revisão dos vencimentos aquém, em princípio, até mesmo, da inflação, porque prevista na base de noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor, ou seja, da variação de preços de mercadorias que os salários visam a adquirir, ante a necessidade de sustento do trabalhador e da respectiva família.

Aliás, cumpre frisar, com a transação, inseriu-se a cláusula do reajuste em um grande todo. Ambas as partes renunciaram às posições iniciais, fazendo-o, é de presumir-se, com a almejada assistência técnica, de forma responsável, porque definitiva. Ante a visão racional que tiveram, foi possível a celebração da espécie de contrato coletivo que é a convenção, evitando-se, até mesmo, a interrupção, mediante greve, dos serviços, a paralisação dos meios de produção. E para que isso ocorreu?

Para, após, haver o desequilíbrio da equação? Para, após, uma das partes, logo a mais forte na relação jurídica, empolgar a interpretação de uma lei nova e, em verdadeiro passe de mágica, diria melhor, em verdadeiro ato de força, fulminar o ajuste, recusando-se a cumpri-lo até o fim? A resposta não pode ser outra senão a negativa. Impõe-se que sejam observadas certas premissas:

a) quando formalizada a convenção, o arcabouço normativo a autorizava;

b) a cláusula do reajuste, simples reajuste, ou seja, reposição do poder aquisitivo dos mesmíssimos salários, compôs um mundo jurídico próprio – o da transação, o do entendimento;

c) a categoria profissional, que podia muito bem insistir nos cem por cento da inflação, contentou-se com noventa por cento, considerado o Índice de Preço ao Consumidor do mês anterior àquele em que devidos os salários, perdendo, portanto, em relação à força de compra destes dez por cento, isso sem considerar o conhecido escamoteamento da inflação;

d) a perda mensal de dez por cento fez-se durante seis meses, isto é, de 1º de setembro de 1989 até o Plano Collor, de março de 1990;

e) então, sem regra normativa assim dispondo – e, se existente, seria inconstitucional – bipartiu-se o prazo de vigência da convenção coletiva: respeito irrestrito em que pese à desvantagem para os trabalhadores por seis meses e colocação em plano secundário relativamente aos últimos seis meses, substituindo-se cláusula aperfeiçoada, porque querida pelas partes e em harmonia com o arcabouço normativo, por um novo critério de correção, com vigência a partir de março de 1990, de adoção obrigatória somente nos contratos individuais e coletivos a serem, dali para frente, discutidos e firmados.


A mudança ocorrida não é séria, implicando enriquecimento sem causa, implicando menosprezo ao que soberanamente contratado no âmbito dos direitos disponíveis, implicando desprezo pela Lei Fundamental, implicando, alfim, nefasta insegurança jurídica, no que faz pairar que de nada vale renunciar a direitos para se ter uma vida harmoniosa, sem sobressaltos, propiciadora do bem-estar social e, do lado empresarial, de contínua prosperidade, considerados os meios de produção.

A colocação da Procuradoria Geral da República é irrefutável, sob pena de não se contar com parâmetros a nortearem a segurança jurídica e aí vingar a incerteza, a verdadeira anarquia. Colho do parecer o seguinte trecho:

Discute-se, na espécie, se a Lei nº 8.030/90, que passou a regular preços e salários a partir de 16 de março de 1990, prevaleceria sobre disposição expressa contida em convenção coletiva firmada entre o recorrente e o recorrido, pela qual se assegurava o reajuste dos salários no percentual correspondente a 90% do Índice de Preços do Consumidor (IPC) do mês anterior ou outro índice oficial que o substituísse, complementando a diferença entre a correção e o índice acumulado sempre que o resíduo atingisse 15%, independentemente da política econômico-monetária que o governo viesse a adotar enquanto vigente a referida cláusula – de 01 de setembro de 1989 a 31 de agosto de 1990 – e que importasse medida menos favorável à categoria obreira.

Ora, a prevalecer o quanto deliberado na instância ordinária, ter-se-á por malferido o art. 5º, XXXVI, do Diploma Básico, garante do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. De fato, uma vez celebrada aquela convenção coletiva, consolidou-se, definitivamente, uma situação jurídica entre as partes, indene à aplicação in pejus de legislação posterior, senão por vontade dos contratantes.

E não poderia ser diferente: quando os sindicatos patronal e profissional formalizaram o ajuste, transacionaram, cada qual, direitos e deveres, com o firme propósito de assegurar um mínimo de segurança jurídica e econômica no instável período pelo qual o país atravessava. Não é despropositado, assim, crer que os trabalhadores dificilmente teriam levado a efeito a convenção, aceitando reajuste salarial menor do que a inflação plena do período, não fosse a garantia dada contra legislação superveniente prejudicial aos interesses do sindicato recorrente.

Ademais, não bastasse o ato jurídico perfeito, milita a favor da tese lançada no extraordinário, a existência do direito adquirido dos trabalhadores ao que estipulado naquele ato negocial, porquanto, é certo, a singela fixação de termo para o início do exercício do direito não descaracteriza a sua aquisição já em momento anterior (folhas 2.553 e 2.554).

O enfoque do Subprocurador-Geral da República Dr. Miguel Frauzino Pereira é inafastável, coincidindo com o que decidido não pelo Tribunal Superior do Trabalho, em votação das mais apertadas, com voto de desempate do Presidente, justamente o Ministro que se disse sob suspeição, e cheia de incidentes – cinco votos a quatro -, mas pelo Tribunal Regional do Trabalho da Bahia em escore de 10 a 3. É certo que a previsão fez-se de forma projetada no tempo, alcançando o período de vigência da convenção, a unidade de tempo “ano”. Mas é sabença geral que o termo inicial, como modalidade de ato jurídico, não impede a aquisição do direito, somente postergando, para o tempo próprio, o exercício respectivo. Confira-se com a regra do artigo 123 do Código Civil:

Art. 123. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. Daí a assertiva do mestre do Direito do Trabalho, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Juiz do Trabalho aposentado e Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho, José Augusto Rodrigues Pinto, em parecer sobre a hipótese e que foi distribuído aos integrantes da Turma como memorial.

Refletindo sobre o texto da Convenção Coletiva que estamos estudando, não haverá dificuldade para perceber que na cláusula quarta os signatários transacionaram em torno de um índice (o vigente na época da celebração) e da certeza de aplicação de qualquer outro que viesse a substituí-lo. No parágrafo único transacionaram em torno de outra certeza jurídica, a do seu direito à prevalência da disposição do caput da norma sobre qualquer outra menos favorável.

Nas duas disposições não há expectativas, e sim constituição de um direito mínimo certo à aplicação do índice vigente no momento do ajuste e de um direito certo à aplicação de índice mais favorável.

A expectativa, pois, não está no direito, mas apenas no valor a aplicar-se no momento em que o direito adquirido ao índice mínimo ou ao mais favorável tiver que ser exercido.

Acresce, sob o ângulo prático, que a obrigação sempre dirá respeito ao resíduo inflacionário dos meses anteriores – inflação já ocorrida nos três meses e considerada a diferença resultante da tomada de noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor ou que tenha alcançado quinze por cento -, e sempre será considerado o fator eleito, ou seja, a oscilação do Índice de Preços ao Consumidor, a revelar perda salarial.

Fechar os olhos a esse contexto fático e legal é desprezar a imutabilidade do que pactuado e, mais do que isso, a supremacia da Carta Federal que a todos submete, enquanto existente a noção de Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal tem a guarda da Constituição e não pode despedir-se desse dever, imposto de forma expressa pelo legislador constituinte de 1988, sob pena de comprometimento da própria credibilidade.

Paga-se um preço por se viver em uma democracia e ele não é exorbitante, implicando apenas o respeito irrestrito ao que validamente pactuado pelas partes e previsto no arcabouço normativo. Impõe-se o restabelecimento da confiança dos trabalhadores naquilo que, em harmonia com os ditames legais, foi posto no papel; impõe-se revelar a certeza do pleno funcionamento das instituições; impõe-se afastar a suposição de que, ao sabor de circunstâncias extravagantes, é possível alterar-se contrato em vigor, é possível dar o dito e sacramentado pelo não dito e, o que é pior, a ponto de prejudicar a parte mais fraca de relação jurídica, em que pese ao envolvimento, tão-somente, da manutenção parcial do poder aquisitivo dos salários, tratando-se não de aumento, mas de simples reajuste, do restabelecimento de valor real indispensável ao sustento do trabalhador e dos que dele dependem.

A Constituição Federal não pode ser tida como um documento lírico, metamorfoseada ao sabor das circunstâncias, ao sabor da vontade das maiorias reinantes. O caso é emblemático e, por certo, o desfecho servirá à elucidação da fase em que vive a sociedade brasileira.

Conheço e provejo este recurso extraordinário, para, reformando o acórdão proferido pela Corte de origem, restabelecer o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, segundo o qual a Lei nº 8.030/90 não repercutiu, no que acordado, soberanamente, pelas partes, devendo ser observado o teor da cláusula quarta da convenção coletiva celebrada entre os litigantes no ano de 1989, e que teve vigência prevista entre 1º de setembro de 1989 e 31 de agosto de 1990.

É como voto na espécie dos autos.

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