Taxa coletiva proibida

Juiz manda Sabesp fazer cobrança individual em prédio comercial

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14 de setembro de 2001, 13h33

Cobrança de conta de água em prédio comercial deve ser proporcional ao consumo de cada unidade. Com base nesse entendimento, o juiz da 34ª Vara Cível Central de São Paulo, José Luiz Germano, mandou a Sabesp considerar cada unidade de um prédio comercial como autônoma na cobrança das contas de água. Pela decisão, a Sabesp terá que devolver os valores pagos a mais pelos consumidores. Caso contrário, terá que pagar multa mensal de R$ 3 mil.

Segundo o juiz, quando o prédio inteiro é considerado como único consumidor àqueles que consomem menos são penalizados com altas tarifas.

Germano entendeu que o mesmo princípio dos condomínios residenciais, em que cada unidade é considerada um consumidor autônomo, deve ser estendido aos prédios comerciais por uma questão de isonomia de acordo com vários precedentes da jurisprudência.

Veja a íntegra da decisão.

Trigésima Quarta Vara Cível Central – SP

Processo 000.00.517790-1

Vistos.

Condomínio Edifício Paulista propôs a presente ação de obrigação de fazer cumulada com repetição de indébito contra a Companhia De Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, alegando que é composto de cinqüenta e nove unidades autônomas de uso comercial e a lei 4.591/64, em seu art. 11 dispõe que para efeito tributários cada unidade autônoma será tratada como prédio isolado, mas a ré cadastrou o autor para fins de cobrança com um único código contábil, como se fosse uma única unidade comercial, o que faz com que o valor das tarifas seja muito maior, enriquecendo ilicitamente a requerida; que o entendimento da réu baseia-se no Decreto Estadual 41.446/96, que é inconstitucional e porque fere os princípios da isonomia da legalidade, além do que afronta o Decreto Federal 82.587/78 que regulamentou a lei federal 6.528/78, além da lei 4.591/64 já mencionada; que o referido decreto estadual considera economia a unidade autônoma de caráter residencial, mas não comercial; que existe uma tabela progressiva para beneficiar os pequenos consumidores, mas entende que ela deve ser aplicada para cada unidade e não para o conjunto todo, já que assim mesmo as pessoas de pequeno consumo acabam pagando a água mais cara; que na cidade de Santos a cobrança já é feita de forma correta; que o decreto 41.446/96 é um ato administrativo inválido porque editado com desvios de poder e de finalidade, já que foi apenas para fazer uma distinção indevida entre os condomínios residenciais e os comerciais; que a cobrança desproporcional gera para a ré um enriquecimento ilícito; quer a antecipação da tutela para que possa depositar em juízo a diferença e pagar apenas o valor das contas levando em consideração as 59 economias; que no pedido principal quer a alteração do cálculo da conta para 59 economias e a restituição do que foi pago a maior desde janeiro de 1997.

A tutela foi antecipada no sentido de ser a conta bipartida para pagamento do valor incontroverso e depósito do valor discutido (fls. 98 e 99).

A ré foi citada pessoalmente a apresentou contestação a fls. 113, alegando preliminarmente incompetência absoluta para uma das Varas da Fazenda Pública, já que trata-se de sociedade de economia mista que tem o Estado como acionista majoritário; que preliminarmente também há carência da ação por falta de interesse de agir, pois somente se pode falar em restituição do que foi pago por erro, o que não é o caso em questão; que não houve prova das contas pagas durante o período cuja devolução se pretende. No mérito foi dito que a Constituição Federal, no art. 175, parágrafo único, inciso II, estabelece que a política tarifária deve ser tratada por lei e a Lei Federal 6.528/78 prevê em seu art. 4o, a fixação tarifária, de maneira a cobrar o mínimo possível dos usuários de menor consumo, o que foi regulamentado pelo Decreto 21.123/83 e posteriormente alterados pelo Decreto 41.446/96; que houve um correto enquadramento da categoria do consumidor.

A réplica está a fls. 145 e foi designada audiência de tentativa de conciliação, bem como foi determinado às partes que especificassem as provas que pretendiam produzir.

Na audiência de conciliação foi acolhida a alegação de incompetência e s autos foram remetidos para uma das Varas da Fazenda Pública, mas contra essa decisão foi interposto recurso de agravo de instrumento, ao qual foi atribuído efeito suspensivo (fls. 300), de modo que na realidade os autos permaneceram nesta Vara aguardando julgamento do recurso.

Não foi conhecido o recurso que foi interposto contra a decisão da medida liminar e ao agravo contra a remessa dos autos para a Vara da Fazenda Pública foi dado provimento para determinar que perante a Vara Cível se processasse a demanda.

É o relatório.

Decido.

O que se sustenta no caso presente é apenas uma tese de direito: num condomínio comercial cada unidade deve ser considerada um consumidor pela ré ou o prédio todo é um consumidor único?


A resposta à pergunta acima é relevante porque a tarifa da água é progressiva, o que significa que quem mais gasta deve pagar proporcionalmente mais, o que ninguém contesta.

O problema está em que, sendo todas unidades condominiais comerciais consideradas um consumidor só, é claro que o consumo de todas somadas é elevado e faz com que para todos incida uma tarifação elevada, mesmo para aqueles que são bem econômicos.

Não se justifica que os condomínios residenciais tenham o tratamento pretendido pelo autor e que e ré cobre dos condomínios comerciais de forma diferenciada, pois não há justificativa para essa discriminação.

É possível admitir-se que um imóvel comercial pague cada metro cúbico de água mais caro, como até outro dia era mais cara a assinatura de uma linha telefônica comercial. Porém, permitir que um condomínio residencial seja dividido em tantas economias quanta forem as unidades e o mesmo não ser feito com os condomínios comerciais não tem a menor razão de ser.

Como bem disse o autor, imagine-se um prédio com 50 escritórios de advocacia. Cada um vai pagar muito mais pela água do que se estivesse cada um deles em uma casa, por exemplo. E servir mais pessoas num mesmo local é algo que sai mais barato para a ré, que tem menores custos com sua rede de distribuição, só para dar um exemplo.

Se o propósito é cobrar mais de quem gasta mais, a solução aqui encontrada não impede isso, pois o aumento de consumo de cada um dos condôminos, mesmo que haja um único hidrômetro, vai fazer com que a conta de todos e de cada um sofra um aumento.

Todavia, cobrar da forma diferenciada pretendida pela ré, considerando as unidades condominiais todas uma única economia, um único consumidor, é algo que viola totalmente o princípio da isonomia.

De fato, a Lei 4.591/64 diz que toda unidade deve ser tratada como um prédio isolado (art. 11), especialmente para fins tributários. Mais do que uma norma, esse é um verdadeiro princípio, que por isso deve ser observado no maior número possível de situações.

Embora impostos, taxas e tarifas sejam espécies diferentes, pertencem elas ao mesmo gênero, cabendo a aplicação do mesmo princípio: divisão dos custos, no caso, de água e esgoto, uma unidade independente da outra.

Na verdade, a cobrança individualizada já ocorre no que diz respeito à energia elétrica e ao telefone, pois isso é muito mais fácil em termos operacionais. O telefone é contabilizado por computadores, pois as linhas estão ligadas a uma central. A energia é medida individualmente registrada nos chamados “relógios e luz”.

Porém, quando o assunto é água, nos prédios normalmente há um único hidrômetro, por questões meramente práticas e econômicas, pois de outra forma seria necessário um em cada unidade. Se muitos hidrômetros ficassem no andar térreo, um para cada unidade, seriam necessários muitos e muitos canos para que a água subisse pelo edifício, tornando a construção muito mais cara. E a caixa de água? Como fazer uma para cada unidade? Inviável.

Entretanto, tal realidade não impede que do ponto de vista contábil, para efeito de cobrança da tarifa de água e esgoto, seja cada unidade considerada um prédio autônomo, dividindo-se o custo do consumo total pelo número de unidades, mesmo que isso signifique um preço menor para cada consumidor.

A divisão acima proposta, que é a pretendida pelo requerido, não é ideal, pois de cada consumidor será cobrado de forma igualitária, mesmo que o consumo seja diferente. Porém, ao menos os consumidores não serão duplamente punidos com a cobrança progressiva, já que da forma hoje cobrada pela ré, mesmo que todos gastem pouco, acabam pagando muito caro pela água, já que a soma do consumo de todos faz com que o resultado seja elevado e o custo do metro cúbico da água fique injustamente alto demais.

Assim, tomada a lei federal acima mencionada como parâmetro, é fácil perceber que ela ultrapassou os seus limites o Decreto Estadual 41.446/96, já que o decreto não pode ir contra o texto legal.

O referido Decreto fez justiça às unidade condominiais residenciais, mas não poderia ter excluído as unidades comerciais, pois não é feita tal distinção pela lei dos condomínios e não tem ela a menor razão de ser.

O princípio da igualdade está em tratar desigualmente os desiguais, desde que exista uma justa razão para isso. Porém, não há porque não se estender às unidades comerciais o mesmo tratamento tarifário que é destinado às unidades residenciais.

Para não me tornar repetitivo, transcrevo abaixo alguns julgados, muito melhor redigidos, que já trataram do tema de forma muito semelhante.

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Processo: 0778650-7

Recurso: Apelação Origem: São Paulo Julgador: 5ª Câmara Julgamento: 24/05/2000 Relator: Sebastião Thiago de Siqueira Revisor: Sílvio Marques Neto Decisão: Deram Provimento, Vu Contrato – Prestação de serviços – Fornecimento de água e esgoto – Condomínio – Pretensão ao cadastramento perante a SABESP, para efeito de cobrança dessa tarifa, de conformidade com o número de suas respectivas unidades condominiais – Admissibilidade – Art. 2º, parágrafo único, do Decreto Estadual 21123/83 – Posterior revogação deste por novo decreto que não atinge o direito adquirido do condomínio – Ação declaratória, cumulada com repetição de indébito, julgada procedente – Recurso provido para tanto. RPS/vl – 25.04.01


Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Processo: 0782621-5

Recurso: Apelação Origem: São Paulo Julgador: 1ª Câmara Julgamento: 09/09/1998 Relator: Vasconcellos Boselli Revisor: Correia Lima Decisão: Negaram Provimento Ao(s) Recurso. Tarifa – Água e esgoto – Regime de economias – Condomínio comercial classificado em uma economia -Regulamento que determina o cadastramento do usuário por economias para efeito de tarifação – Prazo para regularizar o Cadastramento esgotado – Direito à classificação conforme o número de unidades autônomas – Norma interna da SABESP inválida – Ato administrativo que cria restrições e benefício do usuário previsto em legislação estadual – Obrigação de fazer objetivando a reclassificação do condomínio procedente – Recurso improvido.

RPS/mcbg

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Processo: 0783452-4

Recurso: Apelação Origem: São Paulo Julgador: 11ª Câmara Julgamento: 30/11/1998 Relator: Maia da Cunha Revisor: Antonio José Silveira Paulilo Repetição de Indébito – Tarifa – Água – Classificação do condomínio autor, exclusivamente comercial, como “uma economia” pelo Decreto Estadual 21123/83, que estabelecia, contudo, em seu art. 29, § único, um prazo de 12 meses para que a Sabesp concluísse os serviços de classificação de economias em categorias – Caracterização de tal prazo como norma em branco, não se podendo subsumir que se excedido, a cobrança do fornecimento de água seria feita nos moldes dos prédios residenciais – Ação improcedente – Recurso provido para esse fim – Declaração de voto vencido. TGB/SMS – 29.03.99

Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

Processo: 0775991-1

Recurso: Apelação Origem: São Paulo Julgador: 2ª Câmara Julgamento: 11/11/1998 Relator: Salles de Toledo Revisor: Morato de Andrade Tarifa – Água – Condomínio – Pretensão ao reconhecimento do direito de enquadramento no fator economias – Inexistência de vícios ou erros nos pagamentos efetuados – Cobrança que deve levar em conta o número de unidades autônomas existentes conforme entendimento do artigo 2º do Decreto Estadual 21.123/83 – Regime tarifário instituído pelo Decreto Estadual – Tarifário instituído pelo Decreto Estadual 41.446/96 – Declaratória procedente – Recurso improvido da SABESP.

Prazo – Tarifa – Água – Declaratória – Reconhecimento do direito de enquadramento no fator economias – Sujeição à prescrição vintenária por não tratar-se de tributo – Recurso provido.

RPS/MCBG em 24/02/99

Assim, julgo procedentes os pedidos formulados pelo autor contra a ré, para o fim de condenar a ré a classificar imediatamente o autor em 59 economias para efeito de faturamento dos serviços de água e esgoto, sob pena de multa de R$ 3.000,00 por mês, e ainda condenar a ré a devolver ao autor os valores pagos a mais, pela inobservância dessa forma de cálculo, a partir de janeiro de 1997, com juros e correção a partir da propositura da ação e mais honorários de advogado no valor de 10% do total apurado.

P.R.I.

São Paulo, 17 de agosto de 2001.

José Luiz Germano

Juiz de Direito

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