O Juiz e a Sociedade

Pesquisa mostra que juízes federais têm novos paradigmas

Autor

  • Flávio Dino de Castro e Costa

    é juiz federal ex-presidente e diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) membro da Comissão Especial de Combate ao Trabalho Forçado (CDDPH/MJ) e mestre em Direito Público.

4 de setembro de 2001, 23h24

Não há um só dia em que o Judiciário não esteja nas páginas dos jornais e revistas, nas telas das TVs, nas ondas do rádio – ocupando espaços antes monopolizados pelos titulares dos outros Poderes. Com isso olham para os Juízes não somente os profissionais das instituições públicas que com eles interagem, mas também o cidadão que provavelmente atravessará a sua vida sem nunca participar de um processo judicial. Trata-se de um novo olhar? Não e sim.

Não, porque de há muito o Judiciário recebe críticas de outras origens que não os agentes do próprio Estado ou os advogados. Para chegar a esta conclusão, vale conferir – por exemplo – uma fonte como a literatura.

Sim, porque o olhar do cidadão sobre o Estado – obviamente com o Judiciário aí incluído – nunca foi tão largo, tão freqüente, tão simultâneo ao desenrolar dos fatos. E tão crítico!

Reações contraditórias por parte dos Juízes daí emergem. Alguns propugnam, com suas práticas e/ou com seus silêncios, a manutenção de posturas mais tradicionais – caracterizadas por uma atuação profissional fiel aos parâmetros do normativismo e o mais distante quanto possível do mundo dos “leigos”, vistos estes como normalmente incapazes de entender as razões que motivam os Magistrados.

Daí nasce a máxima “decisão judicial não se discute, cumpre-se”, como se houvesse antinomia entre discutir e cumprir. Outros parecem ceder à tentação de abrir o Judiciário para uma maior influência da dimensão de espetáculo que tomou conta dos ramos políticos do Estado, sobretudo com a quase total subordinação de discursos e programas – antes e depois das eleições – aos ditames emanados de “marqueteiros”. Deste modo, o Poder Judiciário – em nome de sua modernização e democratização – transformar-se-ia em mais um artefato midiático, destituído de autonomia em relação a outros subsistemas de poder.

Entre teses e antíteses tão extremas, é evidente que existem diversas sínteses possíveis, com vários matizes, texturas e temperos. Estas sínteses, contudo, só são alcançáveis com o crescimento do debate político no âmbito da magistratura – caminho fundamental para que o Judiciário possa permanentemente reposicionar-se no interior de cenários complexos e em mudança constante. Falar de “debate político” evidentemente não se confunde com alinhamentos partidários, já que o máximo de imparcialidade é fundamental para o bom exercício da função jurisdicional.

Com estas premissas, a pesquisa feita pelo site Consultor Jurídico, por ocasião do 18º Encontro Nacional dos Juízes Federais, revela uma perspectiva muito promissora no que tange ao nível de reflexão política dos magistrados sobre a sua própria atividade e sobre o relacionamento do Judiciário com outras instâncias de poder.

Este amadurecimento ficou igualmente evidenciado nas discussões havidas na Assembléia Geral da AJUFE, ocorrida no último dia do mencionado Encontro. Veja-se, por exemplo, que os presentes rejeitaram a proposta de a AJUFE passar a defender a exclusão dos membros “externos” do Conselho Nacional de Justiça, isto é, a futura existência de um órgão de administração judiciária – com composição plural e democrática – definitivamente não é mais vista como o início do “apocalipse”!!

Sobre a pesquisa, algumas conclusões são especialmente importantes:

1) Os juízes federais não vêem a imprensa como um “inimigo a ser vencido”. Entendem inclusive que a crítica faz parte do jogo democrático, já que nenhuma instituição humana está isenta de problemas.

2) A magistratura federal é aberta a mudanças, usa as novas tecnologias como ferramenta diária de trabalho e não tem resistências a inovações processuais. Por exemplo, apóia a idéia dos Juizados Especiais Federais, ainda que tenha majoritariamente uma postura cautelosa – justificada pelas dificuldades decorrentes do “peso da tradição”.

3) Há uma clara percepção de que o bloco de forças hegemônicas na última década – representadas pelo Poder Executivo, pelo poder econômico e por organizações internacionais – objetivamente agiu para limitar o papel dos juízes federais. Alguns fatos foram especialmente importantes para a consolidação desta percepção: I) a freqüentemente ácida reação de setores governamentais a propósito de decisões judiciais contrárias a seus pontos de vista (v.g. privatizações, contribuições previdenciárias de inativos, direitos de servidores e trabalhadores, planos econômicos); II) a permanente apresentação de propostas destinadas a suprimir competências de magistrados das instâncias ordinárias (limitação de liminares, restrição ao controle judicial sobre as atividades das Agências Reguladoras, foros por prerrogativas de função para ações civis, forte mitigação do controle difuso de constitucionalidade das leis).

Isto tudo sugere que continua em marcha o processo de delineamento do perfil de uma magistratura mais democrática e moderna, em oposição a paradigmas tradicionais de conduta – assentados no distanciamento social, na ausência de reflexão sobre os problemas nacionais, na aversão à publicidade e a mecanismos de controle sobre a atividade dos juízes.

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