Magos da perícia

Engenheiro quer receber R$ 200 mil de Gilmar Mendes por dano

Autor

3 de setembro de 2001, 18h13

Nos anos 80, para fechar uma comporta por onde se escoariam mais de R$ 100 bilhões em indenizações, por conta da desapropriação do Parque do Xingu, o então procurador da República, Gilmar Mendes, demonstrou que a perícia em que se baseavam os pedidos eram falsas.

Particulares e o próprio governo de Mato Grosso, para demonstrar que as terras que compuseram o Parque não faziam parte da chamada área indígena, produziram mapas trocando o referencial da cabeceira do rio Xingu, pela cabeceira dos seus formadores. A tese de que a perícia era inválida (“imprestável”, segundo o juiz) foi aceita, o que fez desabar todos pedidos de indenização apresentados contra a União.

O engenheiro agrônomo Jurandir Brito da Silva, que admitiu em juízo ter produzido um laudo antropológico para o qual não estava capacitado, pois sequer sabia o que vinha a ser “posse imemorial indígena” (o cerne da questão, uma vez a discussão girava sobre a presença dos índios na região antes da chegada dos colonizadores), sentiu-se ofendido.

A afirmação da Procuradoria da República de que a perícia era falsa deu-lhe argumento para um pedido de indenização por dano moral. O pedido foi aceito pela primeira instância, que lhe reconheceu o suposto direito a uma reparação no valor de R$ 200 mil.

Na apelação, cuja íntegra se segue, o atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, representado por Aparecido dos Passos Júnior, historia os fatos e produz um tratado denso sobre o peso de ofensas irrogadas em juízo e prescrição.

Veja a íntegra da Apelação.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 5ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MATO GROSSO.

PROCESSO: 1998.2098-6

AÇÃO: ORDINÁRIA

AUTOR: JURANDIR BRITO DA SILVA

RÉU: UNIÃO

A UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, por intermédio do seu Advogado (ut art. 21 da Lei 9.028/95) nos autos em epígrafe, comparece à douta e ilustre presença de Vossa Excelência, com o devido respeito, para, APELAR, com fulcro no artigo 513 e seguintes do CPC, da r. sentença de fls. 333/344.

Requer o seu processamento legal.

N. Termos

P. Deferimento

Procuradoria da União no Estado de Mato Grosso, Cuiabá-MT, 10 de Agosto de 2001.

APARECIDO DOS PASSOS JUNIOR

Advogado da União

OAB/MS 6750

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO.

APELANTE: UNIÃO

APELADO: JURANDIR BRITO DA SILVA

RAZÕES DE RECURSO

ÍNCLITOS JULGADORES

A sentença funda-se nos seguintes e equivocados pressupostos:

legitimidade ativa da União – reconhecida, ainda que de modo implícito;

não se haveria verificado a prescrição, pois o termo inicial desta seria o trânsito em julgado da decisão penal absolutória;

seria juridicamente possível o pedido;

não seria invocável a imunidade própria a advogados e a servidores públicos, pois verifica-se independência entre as esferas civil e penal e as alegadas ofensas haveriam transcendido o âmbito dos autos e alcançado veiculação na mídia local e nacional;

encontrar-se-ia comprovado o dano moral decorrente de manifestações do eminente Procurador-Geral da República, de notícias da imprensa e de manifestações de autoridades judiciárias;

o dano moral seria atribuível a condutas de agentes públicos;

inexistiria solução do nexo causal entre a conduta do agente público e o alegado dano decorrente de haver o autor, de fato, praticado atos irregulares, conforme decidido no processo penal em que se teria sido absolvido o autor;

a condenação em montante equivalente a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) corresponderia a valor razoável e conforme ao prudente juízo deferido à autoridade judicial;

a oneração da condenação por juros moratórios de 6% ao ano devidos a partir do evento danoso;

os honorários advocatícios e demais custas ancilares deveriam ser repartidos em face da sucumbência recíproca.

Como passaremos a demonstrar, tais pressupostos padecem de incorreção manifesta ou constituem o mais absoluto paradoxo.

I – DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO

De acordo com o demonstrado pelo Magistrado na Sentença, o dano moral teve origem na veiculação de notícias na imprensa escrita (jornais de circulação nacional e local) acerca do Sr. Jurandir Brito da Silva.

Pelas expressões utilizadas nas reportagens trazidas pelo Magistrado, percebe-se que não se pode atribuir diretamente aos membros do Ministério Público a veiculação de tais notícias, mas sim aos meios de comunicação que produziram tal notícia, e deram outros tons às afirmações dos Procuradores, além de se utilizarem constantemente do discurso indireto. Neste sentido, vejamos:

“(…) No parecer enviado ao STF, o Procurador Gilmar Ferreira Mendes, coloca em dúvida os laudos apresentados pelos peritos sobre a área em questão. Ele pede que novos estudos sejam feitos por considerar que esses peritos tenham faltado com a verdade. Assim, a Procuradoria-Geral já solicitou à Polícia Federal a abertura de inquérito para averiguar os laudos apresentados por Air Praiero Alves, que é engenheiro civil, Jurandir Brito da Silva, engenheiro agrônomo (…)”


Nesta notícia, está evidente a utilização do discurso indireto. Tal se evidencia no uso da terceira pessoa do singular, ao atribuir atos ao Procurador Gilmar Ferreira Mendes, como nos verbos “coloca” e “pede”. Ao se referir à Procuradoria-Geral, do mesmo modo, é utilizada a terceira pessoa do singular, com “solicitou”. Ademais, a atribuição de fatos ao Sr. Jurandir Brito da Silva está sempre vinculada a alguma atividade processual ou instrutória do processo. Isto fica comprovado pela utilização de expressões como “no parecer enviado ao STF” e “abertura de inquérito para averiguar”.

“‘Estamos diante de uma verdadeira indústria de indenização’, denunciou o Procurador da República. Ele disse que iniciou um trabalho, com a participação da Polícia Federal, visando comprovar a falsidade das perícias técnicas que ratificam os títulos, negando a presença de índios nas propriedades, e que embasam as ações judiciais contra a União (…). Conforme Gilmar Ferreira Mendes, a maioria dos laudos é passada pelos engenheiros Jurandir Brito da Silva (agrônomo) (…)”

Também aqui o discurso indireto é utilizado amplamente nas expressões “disse” e, especialmente – ao se referir ao nome do Sr. Jurandir Brito da Silva – “conforme”. A afirmação atribuída ao Procurador Gilmar Ferreira Mendes, acompanhada do vocábulo “denunciou” dá mostra que, na sua atividade como Membro do Ministério Público, estava a cumprir estritamente suas funções como Procurador da República. As expressões “iniciou trabalho” e “visando comprovar a falsidade” se atrelam à condução de atos processuais ou instrutórios.

“A Funai está apurando detalhadamente, inclusive com a participação da Procuradoria-Geral da República, quando o seu titular Sepúlveda Pertence, solicitou a interferência do Departamento de Polícia Federal, as fraudes de falsificação de laudos periciais envolvendo terras hoje ocupadas por índios. Segundo o presidente da Funai, Romero Jucá Filho, os culpados devem ser punidos porque ‘a União não pode ser ludibriada pelos espertalhões que montaram uma verdadeira indústria para adulterar laudos’. Essas fraudes, segundo ele, são muito freqüentes, principalmente em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por serem essencialmente áreas indígenas, com os falsificadores envolvidos chegando até mesmo a adulterar livros e mapas visando auferir vantagens pecuniárias”

Este trecho citado é de todo impertinente para a análise do caso. Nele não há sequer referência ao Sr. Jurandir Brito da Silva, não havendo, portanto, nem mesmo em hipótese, possibilidade de se configurar em relação a este trecho dano moral ao Autor, uma vez que nem direta nem indiretamente seu nome é mencionado.

“A Polícia Federal estará encerrando ainda neste mês de janeiro o inquérito policial instaurado a pedido da Procuradoria da república para apurar as irregularidades de laudos periciais assinados pelos peritos Air Praieiro Alves, Ainabil Machado Lobo e Jurandir Brito da Silva no escândalo que ficou conhecido como a ‘indústria da desapropriação’. O procurador-geral da República calcula que podem chegar a 102 bilhões de dólares o total das ações conta a União no STF, soma essa suficiente para pagar toda a dívida do Brasil. O procurador Ferreira Mendes vem provando a óbvia falsidade dos laudos (…)”

Neste trecho, a referência à Procuradoria da República também é feita de modo indireto. A referência ao Sr. Jurandir Brito da Silva não é atribuída a nenhum membro do Ministério Público e, ao menos nessa parte, o discurso é meramente informativo. As palavras atribuídas ao Procurador-Geral da República também são meramente informativas (cálculo do “total das ações contra a União no STF”). A afirmação de que “o procurador Ferreira Mendes vem provando a óbvia falsidade dos laudos” é de inteira responsabilidade do Jornal, que cuidou de valorar a “falsidade dos laudos” como “óbvia”.

Diante disto, demonstra-se clara a ilegitimidade passiva da União no presente feito. A responsabilidade das empresas exploradoras de meios de comunicação que veicularam tais notícias mostra-se patente, não havendo que se falar em responsabilidade da União por qualquer dano causado ao Sr. Jurandir Brito da Silva.

Assim estabelece a Lei 5.250, de 9 de fevereiro de 1967:

“Art . 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

(…)

§ 2º Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50)”.

Portanto, a responsabilidade pelos eventuais danos morais causados ao Sr. Jurandir Brito da Silva deverão ser atribuídos à “pessoa natural que explora o meio de informação ou divulgação” e não à União.


O Código Penal estabelece, em seu art. 142, o seguinte:

“Art. 142 – Não constituem injúria ou difamação punível:

I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III – o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único – Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade”.

Se se interpreta este dispositivo analogicamente, e tendo em conta especialmente que todos os danos morais supostamente cometidos por membros do Ministério Público contra a pessoa do Sr. Jurandir Brito da Silva se originaram de atos no transcurso ou na instrução do processo, vê-se uma especial tendência do ordenamento jurídico brasileiro em sancionar aqueles que dão publicidade aos atos. A citada Lei 5.250 isto prescreve, na esfera cível, assim, como o Código Penal , neste seu art. 142, parágrafo único, dispõe que responde pela injúria ou pela difamação aquele que lhe dá a publicidade. Portanto, o Código Penal somente corrobora o entendimento de que deve responder pelos danos morais aquele que deu publicidade ao ato que posteriormente veio a gerar um dano.

Tendo em vista todos estes aspectos, pode-se afirmar com segurança que a União é parte ilegítima na presente demanda, uma vez que as empresas que divulgaram atos supostamente geradores de danos morais à pessoa de Jurandir Brito da Silva é que devem responder por tais supostos danos morais.

II – DO AGRAVO RETIDO E DA PRESCRIÇÃO

II.a – PRELIMINARMENTE: DA ANÁLISE DO AGRAVO RETIDO

Antes de se analisar o mérito, faz-se necessário que esta Colenda Turma analise o agravo retido de fls. 270/274.

O objeto do referido recurso foi requerer que seja reformada a decisão do juízo a quo, que indeferiu o pleito de prescrição, entendendo que o termo a quo só aconteceria com o trânsito em julgado na seara criminal.

Desta forma, confiando que o entendimento deste Tribunal é pela prescrição qüinqüenal, pois o termo inicial é o evento danoso, requer o provimento do agravo retido.

II.b – PRELIMINARMENTE: DA PRESCRIÇÃO

Ao prolatar a sentença, o Exmo. Sr. Juiz Federal Substituto da 5ª Vara / MT, afirma o seguinte:

“Tanto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, quanto a preliminar de mérito (prescrição) já forma rejeitadas pela decisão de fls. 268/269. Não obstante o agravo retido interposto contra aquela decisão, comungo do mesmo entendimento esposado pelo magistrado que me antecedeu na condução do feito, motivo pelo qual a mantenho, por seus próprios fundamentos”.

Por sua vez, a referida decisão assim dispõe:

“Quanto à argüição de prescrição, suscitada pela União, tenho que a razão está com o autor. O prazo prescricional da ação de indenização por danos deve ter por termo “a quo” o trânsito em julgado da decisão no processo pela que reconheceu extinta a punibilidade do crime imputado ao pretendente ao ressarcimento, e, sendo assim, não há que se falar em prescrição qüinqüenal, motivo pelo qual afasto a prejudicial”.

As duas decisões se baseiam, portanto, na idéia de que a prescrição deveria contar a partir do trânsito em julgado da decisão que extinguiu a punibilidade do crime imputado ao Sr. Jurandir Brito da Silva.

A viabilidade desta tese é extremamente duvidosa, uma vez que altera toda lógica que funda o instituto da prescrição está sendo alterada.

Como é notório, diferentemente dos entes privados, a prescrição aplicada ao Estado tem regulação própria, qual seja, o disciplinamento disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, assim dispondo:

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

Esta diferenciação temporal aplicável à prescrição em relação ao Estado deve-se fundamentalmente ao fato de estar em jogo um interesse público, transcendente dos interesses particulares.

Tal diferenciação, no entanto, adstringe-se ao campo temporal, ou seja, a prescrição difere-se pelo fato de ser qüinqüenal. No mais, os pressupostos do instituto aplicam-se da mesma maneira, seja em se tratando de relações privadas, sejam em relações envolvendo o Estado – ou, mais particularmente, o interesse público. Deste modo, não há como duvidar que o prazo prescricional tem por estopim a ocorrência efetiva do fato danoso também para as relações jurídicas que envolvem o Estado. Neste sentido, é precisa a lição de José dos Santos Carvalho Filho:


“A prescrição, sendo instituto ligado ao fator tempo, não pode prescindir do momento em que se inicia a pretensão da pessoa contra a situação jurídica originada pelo autor do ato. Assim a regra geral, como averba Caio Mário da Silva Pereira, é que ‘se a prescrição fulmina a relação jurídica pelo decurso do tempo aliado à inatividade do sujeito, tem começo no momento em que podendo ele exercê-lo, deixa de o fazer’ (…).

Ressalve-se, todavia, que não se pode dizer, com rigor técnico, que o prazo da prescrição tem início com a inércia do titular do direito. É que, afinal, nem sempre o deixar de atuar, por parte do titular do direito, caracteriza a situação de inércia. A doutrina alemã, contudo, clareou a noção, fundando-se no princípio da pretensão acionável (anspruch), segundo o qual a prescrição tem início no momento em que o titular do direito tem idoneidade jurídica para propor ação, exercendo desse modo o direito de proteção contra aquele que agiu de forma contrária a seu direito subjetivo.

Aqui sim, pode entender-se que, se o sujeito pode exercer a pretensão contra outrem, e não o faz no prazo fixado na lei, sua inação vai caracterizar-se como inércia antijurídica, gerando, em conseqüência, o surgimento da prescrição que passa a produzir um status de consolidação, em favor do autor do ato, da situação jurídica que seria alvejada caso o titular do direito não quedasse inerte.

A regra, a respeito desse momento inicial, nas condutas comissivas, encontra-se no art. 1º do Decr. nº 20.910/32, que estabeleceu que o prazo de cinco anos deve ser contado da data do ato ou fato do qual se originaram o direito e a ação do prejudicado.

(…)

Não basta, entretanto, dizer-se simplesmente que a pretensão nasce ao momento do ato ou do fato. Cumpre precisar, na verdade, qual o elemento jurídico diante do qual pode considerar-se nascido o ato ou o fato. As situações aqui são variáveis. Em nosso entender, a contagem se dá, em relação aos atos, no momento em que se tornam eficazes, ou seja, no exato momento em que passam a ter idoneidade de proporcionar situação jurídica contrária àquela defendida pelo titular do direito. (…). O termo a quo do prazo qüinqüenal, portanto, no que concerne aos atos administrativos, é o do momento em que estes adquirem eficácia.

(…). Em outras palavras, se a operação administrativa provoca lesão ao direito, deve seu titular agir logo que se iniciar, de forma efetiva, a situação contraposta a seu direito. Se não o fizer no prazo qüinqüenal fixado em lei, dar-se-á prescrição de sua ação protetiva, favorecendo a situação jurídica nascida em prol do Estado” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. A prescrição judicial das ações contra o Estado no que concerne a condutas comissivas e omissivas. Revista do Ministério Público. Rio de Janeiro. Nº 6, 1997, pp. 116-117).

Diante disto, cabe a indagação de saber quando o pretenso dano moral ocorreu em relação ao Sr. Jurandir Brito da Silva.

Na sentença ora recorrida o Exmo. Sr. Juiz Federal Substituto da 5ª Vara -MT, para fundamentar a condenação em danos morais, assim se expressa:

“Com efeito, de todo o exposto se constata, sem maiores dificuldades, que o bem maior de autor foi atingido pela conduta dos agentes públicos, vinculados á ré. A sua honra e a sua imagem no contexto social foram reiteradamente maculadas, seja por expressões lançadas aos autos, seja pelas inúmeras publicações na imprensa local e nacional”.

Portanto, o próprio Magistrado delimita o campo de origem do dano moral, afirmando que ele se originou quer da publicação de pretensas ofensas à “honra” e à “imagem” do Sr. Jurandir Brito da Silva, quer de “expressões lançadas aos autos” por membros do Ministério Público.

Neste sentido, e tendo em vista a necessidade de a prescrição qüinqüenal contar a partir da efetiva existência do dano, vejamos a data da prática de tais atos que, segundo afirma a sentença, levaram à existência do dano moral e sua adequação à disciplina da prescrição qüinqüenal.

Primeiramente, o Exmo. Sr. Juiz Federal se refere a atos do então Procurador-Geral da República – AVISOS PGR nº 192, 190, 188, 191 – (fls. 70-77) e, logo em seguida, à suspeição argüida pelo Ministério Público Federal (fls. 78-80). Quanto aos primeiros atos, datam , respectivamente, de 17, 17, 16 e 17 de junho de 1987. Quanto à argüição de suspeição, foi protocolizada em 9 de junho de 1997.

Em seguida, o Magistrado menciona notícias veiculadas à imprensa, constante das fls. 125-137.

De início, transcreve parte de notícia constante do Jornal “O Globo”, de 19 de agosto de 1987. Do mesmo modo procede em relação a trecho publicado no Jornal “Folha de São Paulo”, de 27 de setembro de 1987. Já no âmbito local, são citados trechos do “Diário do Cuiabá” (4 de outubro de 1987) e “Jornal do Dia” (17 de janeiro de 1988).


Além disto, na sentença é transcrita parte de Despacho de Juiz da Seção Judiciária de Mato Grosso afirmando que somente admitirá o Sr. Jurandir Brito a Silva como técnico “após a decisão judicial sobre IPL contra o mesmo em curso”, a fim de provar as repercussões do suposto dano moral em relação ao Sr. Jurandir Brito da Silva. Tal Despacho foi publicado no Diário da Justiça do Estado de Mato Grosso em 2 de dezembro de 1987.

Diante disto, parece inconteste que, tendo em vista o prazo de cinco anos de prescrição disciplinado pelo Decreto 20.910, de 1932, os fatos imputados a Membros do Ministério Público contra o Sr. Jurandir Brito da Silva já prescreveram. Todos os fatos dispostos na sentença que supostamente tenham gerado um direito do Autor a uma indenização por dano, especificamente o dano moral, ocorreram a mais de 10 anos da propositura desta Ação de Indenização, datada de 28 de abril de 1998.

A tese esposada pelo Exmo. Juiz Federal Jeferson Schneider, em despacho saneador de fls. 268-269, posteriormente confirmada na sentença ora apelada não se sustenta porque subverte a lógica que permeia a prescrição, fazendo crer que esta deva contar a partir do “trânsito em julgado da decisão no processo penal que reconheceu extinta a punibilidade do crime imputado ao pretendente ao ressarcimento” (fl. 268).

A existência da prescrição nos mais diversos ordenamentos jurídicos é nada mais que a projeção do princípio da segurança jurídica. Supõe-se que determinado sujeito deve exercer algum direito em certo período de tempo a fim de que sus pretensões não se perpetuem ad infinitum, chocando-se com pretensões de outros sujeitos. A prescrição, contudo, somente pode contar a partir do momento em que é perfeitamente possível ao sujeito pleitear o direito em jogo. Dessarte, cabe indagar se existia qualquer empecilho, de qualquer natureza, para que o Sr. Juradir Brito da Silva intentasse Ação de Indenização logo após os supostos danos à honra perpetrados a suas pessoa.

Após as publicações referidas na mídia impressa, a atuação do Ministério Público em processos judiciais e mesmo os pretensos reflexos desta conduta na honra do Autor, não havia qualquer obstáculo para que o Sr. Jurandir Brito da Silva pretendesse uma Ação de Indenização contra o Estado. Mesmo havendo a completa falta de óbice para tanto, preferiu o Autor nada fazer.

É ilógico pensar que a prescrição deveria contar do “trânsito em julgado da decisão no processo penal que reconheceu extinta a punibilidade do crime imputado ao pretendente ao ressarcimento”. Isto significaria, em última instância, a falta de critérios certos para a contagem da prescrição. Imagine-se a hipótese em que um processo penal se alonga por um período de tempo indeterminado.

A contagem do prazo prescricional deveria ocorrer a partir daí? Obviamente que não. Primeiro porque, como já afirmado, durante todo este longo período de tempo, não existia nenhum empecilho para o exercício da Ação de Indenização. Segundo, isto atentaria contra o princípio da segurança jurídica, porquanto o suposto dano moral já teria desaparecido no transcorrer deste longo período de tempo. O dano moral, assim como o dano material, não se eterniza nem nunca poderia se eternizar no tempo.

No caso específico do dano moral configurado na sentença ora apelada, não há qualquer sentido considerá-lo ainda existente ao tempo da apresentação, por parte do Autor, da Ação de Indenização. Dano moral não significa dano continuado. A sua configuração depende necessariamente das provas feitas pelo Autor na inicial de que o dano contra ele perpetrado atingiu a sua esfera mais íntima. As provas constituídas pelo autor e, especialmente, aquelas consideradas pelo Magistrado em sua sentença, são todas datadas de períodos amplamente abrangidos pelo prazo de prescrição de 5 anos.

É anacrônico, para não dizer mesmo irracional, afirmar que o dano moral subsistiria mais de 10 anos após a sua suposta configuração, quando o autor não comprovou em nenhum momento, assim como a sentença ora recorrida, reflexos deste pretenso dano, ainda que existentes, na sua esfera particular.

A jurisprudência caminha neste sentido, ao considerar que a prescrição qüinqüenal conta a partir do dano ocorrido. Assim:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – CULPA OBJETIVA – DETENTO ASSASSINADO NA CADEIA PUBLICA – AÇÃO INDENIZATORIA – PRESCRIÇÃO – DEC. 20.910 – PRECEDENTES.

1. Prescreve em cinco anos, contados da ocorrência do ato ou fato, a ação contra a fazenda estadual para haver indenização por responsabilidade civil do Estado.

2. Não pode vingar a ação indenizatória proposta depois de cinco anos do evento causador da morte do filho da autora.

3. Recurso provido”. (STJ/RESP 20.860. Rel. Min. Peçanha Martins. Unânime. Julgado em 20/10/93. Publicado no DJ de 29/11/93).


“Responsabilidade Civil do Estado. Ação indenizatória proposta por familiares de preso assassinado no interior de delegacia policial. Prescrição afastada pelo acórdão, ao entendimento de que, na hipótese, somente se verifica ela no prazo geral de vinte anos.

Orientação que não encontra acolhida na jurisprudência desta Corte, nem do Supremo Tribunal Federal. Decisão que malferiu a norma do art. 1, do Decreto n. 20.910, de 1932. Recurso provido”. (STJ/RESP 5.912. Rel. Min. Ilmar Galvão. Unânime. Julgado em 3/12/90. Publicado no DJ de 4/2/91).

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO – CARATER ALIMENTAR – PRESCRIÇÃO.

De fato ocorrido em primeiro de outubro de 1980, ajuizou-se ação indenizatória em 29 de março de 1988. Toda e qualquer ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a natureza, prescreve em cinco anos.

O Decreto judicial que proclamou a prescrição o fez acertadamente e em harmonia com decisões desta Corte e do C. Supremo Tribunal Federal. Recurso provido” (STJ/RESP 6.858. Rel. Min. Garcia Vieira. Julgado em 11/9/91. Publicado no DJ de 16/10/91).

“RESP – CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – DANO MORAL – PRESCRIÇÃO –

A ação de postular indenização do Estado é alcançada pela prescrição, no prazo de cinco anos (Decreto 20.910/1932, art. 1.). Não se faz distinção quanto a natureza da postulação. Assim, para esse efeito, igualam-se dano moral e dano patrimonial. Relação de especialidade entre a norma mencionada e o Código Civil, art. 177. A inação, no caso dos autos, afeta o chamado fundo de direito. Não se trata de obrigação de trato sucessivo” (STJ/RESP 85.388. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Unânime. Julgado em 13/5/96. Publicado no DJ 7/4/97).

“CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO CONTRA AUTARQUIA FEDERAL. PRESCRIÇÃO.

Autarquia federal se insere no conceito de Fazenda Pública.

A ação de indenização por ato ilícito em que o autor postula danos morais e materiais, ajuizada contra autarquia mais de 12 (doze) anos após o fato, está coberta pela prescrição qüinqüenal, vez que não incide, no caso , o art. 177, do C. Civil (norma geral), mas sim o art. 1º, do Decreto nº 20.910/32 combinado com o art. 2º do Decreto-lei nº 4.597/42 (norma especial). Recurso improvido” (TRF 1ª Região/AC 120290-5. Rel. Juiz Wilson Alves de Souza. Unânime. Julgado em 26/10/2000).

Portanto, é coerente à jurisprudência a idéia de que a prescrição deva contar da data do dano efetivamente produzido.

Mesmo que não se considere o início da contagem do prazo de prescrição da data do dano efetivo, deve-se levar em consideração a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que estabelece o início da contagem do prazo prescricional a data da sentença absolutória no processo penal.

Assim, é farta a jurisprudência do mencionado Tribunal:

“INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE CRIMES. ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.

A ação de indenização por danos morais decorrentes da imputação da pratica de crimes dos quais resultou absolvição, tem o prazo prescricional contado da sentença absolutória. Somente no caso de ser a denúncia improcedente, surge o direito ao exercício da indenizatória no cível. Recurso não conhecido” (STJ/RESP 34807. Rel. Min. Hélio Mosimann. Unânime. Julgado em 13/12/95. Publicado no DJ de 12/2/96).

“ADMINISTRATIVO – DEMISSÃO CONSEQUENTE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO – ABSOLVIÇÃO NA SENTENÇA CRIMINAL – REINTEGRAÇÃO – PRESCRIÇÃO – DECRETO 20910/32 (ART. 1.).

1. Pendente de julgamento a imputação criminal pelos mesmos fatos justificadores da demissão administrativa, o prazo prescricional para a ação judicial inicia-se com a sentença transitada em julgado e não do dia do ato demissório concretizado no curso do processo judicial. assim não se entendendo, o servidor punido administrativamente pela prática de ato considerado criminoso, jamais poderia exercer o direito subjetivo de ação, em razão do inevitável vencimento do prazo prescricional até o trânsito em julgado da sentença absolutória. Logo, nessa hipótese, não se pode imputar-lhe a inércia. 2. Recurso improvido” (STJ/RESP 6147. Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Unânime. Julgado em 15/12/93. Publicado no DJ de 21/2/94).

“Ora, enfrentando essas circunstâncias de fato, a aplicação do Decreto nº 20.910, art. 1º, há de vincular-se À data do trânsito em julgado da sentença criminal absolutória” (Voto Vencedor do Min. José Delgado. STJ/RESP 279086. Rel. Min. José Delgado. Unânime. Julgado em 1/3/2001. Publicado no DJ de 9/4/2001).

Verdadeiramente, a tese de considerar que, em caso de existência de processo penal, o prazo prescricional conta a partir da data da sentença aboslutória surgiu no seio do Supremo Tribunal Federal que, já antes de 1988, defendia tal tese. Neste sentido, vale transcrever alguns acórdãos que davam conta disto:


“PRESCRICAO QUINQUENAL. DEMISSAO. ACAO DE REINTEGRACAO. SENTENCA ABSOLUTORIA (TERMO INICIAL).

O entendimento desta corte é o de que quando o pedido de reintegração do servidor público, punido disciplinarmente, se funda na absolvição criminal, é a partir desta última data que se conta o prazo da prescrição. Recurso Extraordinário não conhecido”. (STF/RE 96693. Rel. Min. Rafael Mayer. Unânime. Julgado em 29/6/82. Publicado no DJ de 27/8/82).

“Funcionário Público. Demissão baseada no art. 207, I, da Lei N. 1711/1952, por prática de crime contra a administração pública. Ação de Reintegração no cargo, aforada, logo após o trânsito em julgado da sentença criminal, que absolveu o autor, considerando não constituir infração penal o fato de que resultaram a demissão e, depois, a ação penal (Código de Processo Penal, art. 386, III). Inocorrência de prescrição qüinqüenal, embora mais de cinco anos passados do ato demissório. Resultando da sentença absolutória, e só desta, a proclamação da inexistência do fato criminoso, em virtude do qual, exclusivamente, se dera a demissão, força será entender que, bastante em si esse fundamento, para tornar insubsistente o ato administrativo, por esvaziá-lo de motivação, desde aí, surgiu para o autor a “actio” nova a atacar, no juízo cível, o ato demissório.

Inexistência de resíduo disciplinar a fundar o ato de demissão. Negativa de vigência ao art. 1., do Decreto N. 20910, de 1932, que não é de reconhecer-se. Matéria relativa à correção monetária, com base no art. 7., da Lei N. 4357/1964, não ventilada no acórdão recorrido, e mesmo sucedendo quanto à prescrição de prestações anteriores aos cinco anos da propositura da ação. Súmulas N. 282 e 356. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF/RE 94590. Unânime. Rel. Min. Néri da Silveira. Julgado em 13/10/81. Publicado no DJ de 27/11/81).

Esta última decisão do Supremo Tribunal Federal cumpre um papel deveras didático, uma vez que esclarece quando surge o direito do indivíduo de intentar ação. No caso deste RE, a “actio” somente surgiu após reconhecida a sentença penal absolutória. Portanto, mesmo considerando que a prescrição não deva contar da data da realização efetiva do dano, é preciso atentar para o tempo em que era possível ao autor acionar o Poder Judiciária a fim de conseguir uma prestação em torno de seu pedido indenizatório.

Posto isto, ao menos uma indagação se afigura pertinente: A sentença criminal envolvendo o Sr. Jurandir Brito da Silva é, verdadeiramente, uma sentença absolutória?

Tal aspecto será desenvolvido posteriormente. Fica de logo patente, entretanto, que não sendo reconhecida a sentença envolvendo o Sr. Jurandir Brito da Silva uma sentença absolutória, o prazo de contagem da prescrição se inicia da ocorrência efetiva do dano. Ou seja, como já exposto, a prescrição qüinqüenal já teria operado, não mais sendo reconhecido ao Autor direito a pleitear qualquer indenização.

III – DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO

Múltiplas razões estão a demonstrar a impossibilidade jurídica e/ou improcedência do pedido, tais como: (1) a inexistência de absolvição substantiva na esfera penal como erroneamente pressuposto pela sentença recorrida; (2) da licitude da conduta dos Procuradores da República em decorrência da liberdade de expressão, do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular do direito à liberdade profissional e à imunidade constitucional da atividade advocatícia; (3) da absolvição substantiva dos agentes públicos em processo penal movido acerca dos mesmo fatos; (4) da inexistência de dano moral;

III.a – DA INEXISTÊNCIA DE ABSOLVIÇÃO SUBSTANTIVA NA ESFERA PENAL

Ao contrário do que presume a decisão recorrida, queda juridicamente impossível o pedido oferecido pelo autor.

Com efeito, a única ratio invocável para o afastamento da evidente prescrição da pretensão do autor levada a efeito pelo Juízo a quo residiria na alegação de que somente com o trânsito em julgado da decisão penal absolutória teria nascido a possibilidade jurídica do pedido e, conseqüentemente, a actio disponível para o autor.

É tal a orientação inequívoca do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Funcionário público. Demissão baseada no art. 207, I, da Lei n. 1711/1952, por prática de crime contra a Administração Pública. Ação de reintegração no cargo, aforada, logo após o trânsito em julgado da sentença criminal, que absolveu o autor, considerando não constituir infração penal o fato de que resultaram a demissão e, depois, a ação penal (Código de Processo Penal, art. 386, III). Inocorrência de prescrição qüinqüenal, embora mais de cinco anos passados do ato demissório.

Resultando da sentença absolutória, e só desta, a proclamação da inexistência do fato criminoso, em virtude do qual, exclusivamente, se dera a demissão, força será entender que, bastante em si esse fundamento, para tornar insubsistente o ato administrativo, por esvaziá-lo de motivação, desde aí, surgiu para o autor a ‘actio’ nova a atacar, no juizo cível, o ato demissório.


Inexistência de resíduo disciplinar a fundar o ato de demissão. Negativa de vigência ao art. 1º, do Decreto n. 20.910, de 1932, que não é de reconhecer-se. Matéria relativa a correção monetária, com base no art. 7º, da Lei n. 4357/1964, não ventilada no acórdão recorrido, e mesmo sucedendo quanto à prescrição de prestações anteriores aos cinco anos da propositura da ação. Súmulas n. 282 e 356. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE nº 94.590/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, RTJ 99/1378).

Ocorre, todavia, que, para que assim seja, afigura-se imprescindível que a decisão penal trânsita em julgado consista em efetiva absolvição do interessado.

É fácil perceber a inexorabilidade de um tal entendimento.

Dúvida não há acerca das condições necessárias a que a decisão proferida na seara criminal produza efeitos no juízo cível. De fato, estabelece o art. 1525 do Código Civil:

“Art. 1.525. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime.”.

Parece evidente, destarte, que a coisa julgada penal somente repercute sobre a seara civil se houver expresso pronunciamento sobre a materialidade (“existência do fato”) ou a autoria (“quem seja o seu autor”) do ato delitual e nos limites do decidido acerca de tais matérias.

Tal orientação é corroborada pela disciplina processual penal.

Como sabido, relativamente à indenização da vítima, determinam os arts. 65 a 67 do Código de Processo Penal:

“Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.”

“Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.”.

O art. 66 do CPP evidencia que, caso não afirmada a inexistência do delito, remanesce a possibilidade de a vítima pleitear indenização do acusado, o que reitera a orientação normativa no sentido de que somente a decisão que nega a materialidade do delito produz coisa julgada no cível.

No mesmo sentido, é ainda mais explícito o art. 67 do mesmo Código de Processo Penal. Esclarece o dispositivo que o arquivamento do inquérito, a decisão que julgar extinta a punibilidade (e, portanto, a decisão que reconhecer a prescrição, nos termos do art. 107 do Código Penal) e a decisão que afirmar a atipicidade da conduta, por não se referirem à autoria e à materialidade, não produzem coisa julgada no cível.

Nessa medida, é inegável que somente produzirá coisa julgada no cível a decisão penal que negar a materialidade ou a autoria do ato delitual imputado.

Para esclarecer ainda uma vez a matéria, demonstraremos que não produz efeitos no campo cível a decisão que, na esfera criminal, reconhece a prescrição da pretensão punitiva ou a falta de provas de determinado ato apontado como criminoso.

É farta a doutrina a reconhecer que a decisão penal que reconhece a prescrição não implica a improcedência da denúncia, não produz coisa julgada na esfera cível, nem torna juridicamente possível o pedido de indenização.

Sobre as causas extintivas da punibilidade previstas no art. 107 do Código Penal, entre as quais figura a prescrição, leciona Heleno Fragoso:

“Há situações, no entanto, que extinguem a punibilidade, fazendo desaparecer a pretensão punitiva ou o direito subjetivo do Estado à punição. Subsiste, nesses casos, a conduta delituosa. O que desaparece é a possibilidade jurídica de imposição da pena” (Lições de Direito Penal: a nova parte geral, Rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 416).

Especificamente acerca da prescrição, esclarece o mestre:

“Trata-se de causa de extinção da punibilidade (art. 107, IV, CP), que deixa subsistir a ilicitude penal do fato. … A natureza da prescrição tem sido objeto de controvérsia e apresenta evidente relevância. … A prescrição representa, por um lado, a perda do interesse na perseguição e no castigo, porque, com o decurso do tempo, desaparecem as razões que justificam a pena. Por outro lado, a prescrição constitui impedimento processual.

Em boa verdade, o aspecto processual da prescrição é o mais nítido, sobretudo quando se trata da prescrição da pretensão punitiva. Parece claro que neste último caso desaparece o direito do Estado à persecução: a prescrição constitui um pressuposto negativo, implicando na suspensão do processo sem decisão de mérito. Ocorrendo a prescrição antes da sentença, não se julga a ação improcedente. O juiz declara extinta a punibilidade e põe fim ao processo.” (FRAGOSO, op. cit., pp. 420-422)


Em outra obra, acrescenta, magistralmente, Heleno Fragoso:

“407. Prescrição não envolve absolvição

Assim decidiu, com evidente acerto, a 3ª C. Crim. do antigo TJ da Guanabara, na AC 42.162, relator Des. IVAN CASTRO DE ARAÚJO E SOUZA. A sentença apelada, declarando a prescrição, absolveu os acusados. Corrigiu o tribunal o equívoco, pois a prescrição é preliminar ao mérito, suspendendo o julgamento quanto ao mesmo. A hipótese era de crime falimentar e a Câmara seguiu a jurisprudência do STF (Súmula 147) declarando a prescrição por decorrerem mais de dois anos entre a data em que deveria estar encerrada a falência e a do julgamento da ação. Convém, no entanto, ter presente, que a denúncia interrompe a prescrição (RJ 11/321). Decisão unânime (RJ 12/392)” (FRAGOSO, Heleno, Jurisprudência Criminal, São Paulo, José Bushatsky, 1979, 3ª ed., 2º vol., p. 407).

Do mesmo modo, explicita Damásio de Jesus:

“Nos termos do art. 107, IV, 1ª figura, do Código Penal, a prescrição constitui causa de extinção da punibilidade. A prescrição faz desaparecer o direito de o Estado exercer o jus persequendi in juditio ou o jus punitionis, subsistindo o crime em todos os seus requisitos” (Código Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 254).

Em escrito distinto, sentencia novamente Damásio de Jesus:

“Extinta a punibilidade pela prescrição da ação (da pretensão punitiva), fica impedido o exame do mérito”(Código de Processo Penal Anotado, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 71).

No que toca à insuficiência da prova, é ainda mais expressiva a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“A absolvição na ação penal resultou da insuficiência da prova. Não impedia a apreciação da culpa no âmbito civil” (RTJ 77/516; no mesmo sentido: RTJ 80/279).

Também o Superior Tribunal de Justiça decidiu de modo semelhante (JSTJ 41/359-60).

Do até aqui exposto, resulta:

o único fundamento imaginável para admitir-se a data do trânsito em julgado da decisão penal absolutória como termo inicial da prescrição para a ação de indenização por suposto dano moral residiria no reconhecimento da improcedência decorrente da apreciação do mérito da ação penal – isto é, materialidade e autoria (tal como no RE nº 94.590, citado acima);

a decisão que reconhece a prescrição ou a insuficiência da prova não elimina os elementos do delito, não acarreta a improcedência da denúncia, não produz coisa julgada na esfera cível, nem deve ser reconhecida como apta a viabilizar a “actio” indenizatória por dano moral.

Na hipótese dos autos, ao contrário do que sugere a sentença recorrida (fl. 339 dos autos e p. 7 da decisão), não “foi o autor absolvido na seara criminal”, nem se deu o “reconhecimento da atipicidade de sua conduta”.

A sentença penal, ao referir-se expressamente ao Sr. Jurandir Brito da Silva, manifesta ambigüidade e imprecisão, pois parece confundir a “insuficiência da prova” com a atipicidade da conduta, verbis:

“O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu que ‘para a instauração da ação penal por falsa perícia, mister ser faz a existência de indícios do falseamento da verdade sobre dados objetivos colhidos pelo perito, ou mendacidade no seu parecer, não se configurando como tal a simples disparidade dos diagnósticos oferecidos por vários peritos…’ (em Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, Alberto Silva Franco e Outros, Editora RT, 3ª edição, p. 1.588).

Assim, na ausência de um mínimo de prova que determine a viabilidade da denúncia oferecida contra JURANDIR BRITO DA SILVA, AIR PRAIERO ALVES E AINABIL MACHADO LOBO, entendo que ela deva ser rejeitada (art. 43, I, CPP)” (fls. 339-340 e 121 dos autos).

Nada obstante, não é esse o fato decisivo.

Em verdade, reside o fato decisivo na circunstância de que a decisão trânsita em julgado – da qual contou o Juízo inclusive o prazo prescricional – é aquela do Superior Tribunal de Justiça (reproduzida às fls. 124 dos autos). Tal decisão final restringiu-se a reconhecer a prescrição e, tal como acima exposto, não constitui decisão que afirme a ausência do delito. Com efeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 67.915/MT, interposto pelo Ministério Público Federal em face de Jurandir Brito da Silva e Outros contra acórdão do Tribunal Regional Federal:

“RESP – PENAL – DENÚNCIA – PRESCRIÇÃO – INTERRUPÇÃO. O recebimento da denúncia interrompe a prescrição. Não basta o simples oferecimento pelo Ministério Púbico” (RESP nº 67.915/MT, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 22.04.97, p. 14.457).

Assim, nos termos acima expostos, se não se cuida de decisão absolutória a negar a materialidade e a autoria, isto é, a julgar improcedente a denúncia, inexiste a “actio” indenizatória do dano moral emergente da ação penal. Dito isso, é forçoso reconhecer que não se originou do processo penal findo a possibilidade jurídica do pedido indenizatório oferecido pelo apelado. Nessa medida, ou tal possibilidade jurídica do pedido jamais restou configurada ou viu-se originada já com a ocorrência do evento danoso e, nessas condições, encontrava-se já prescrita quando da propositura da ação pelo apelado.


III.b) DA LICITUDE DA CONDUTA DOS AGENTES PÚBLICOS: DA AUSÊNCIA DE DANO MORAL E DAS PRERROGATIVAS DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA

De início, deve excluir-se qualquer outra repercussão para a utilização de expressões injuriosas nos autos processuais que não aquela prevista pelo art. 15 do Código de Processo Civil, que dispõe verbis:

“Art. 15. É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las.

Parágrafo único. Quando as expressões injuriosas forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado que não as use, sob pena de ser cassada a palavra.”

Observa-se que não há previsão de qualquer conseqüência indenizatória no emprego de expressões injuriosas no âmbito do processo. Isso é ratificado pela própria localização do transcrito art. 15 na Seção “Dos deveres”, integrante do Capítulo “Dos deveres das partes e dos seus procuradores”. A questão da responsabilidade das partes encontra-se prevista em outra Seção, qual seja, “Da responsabilidade das partes por dano processual”, que se inicia a partir do art. 16 do Código de Processo Civil.

Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em caso em tudo análogo ao presente, no qual a Excelsa Corte não só reconheceu a necessidade de dolo para que se configurasse a calúnia, como decidiu, por unanimidade, que se trata apenas de aplicação do art. 15 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, o voto do Relator Ministro Marco Aurélio:

“Ocorre que, na hipótese, não se fez presente o elemento subjetivo do tipo – o dolo. Os Querelados atuaram na defesa da União – interesse público – narrando fatos e, com isto, embora utilizando tintas fortes, buscaram lançar elementos suficientes à convicção do Órgão julgador.

Impossível é emprestar às expressões utilizadas o propósito de ofender. Acreditando na valia de fatos de que tiveram conhecimento, ligados ao desempenho das partes, do respectivo representante processual e dos peritos, passaram à narração, visando, com isto alcançar provimento judicial a favor da União.

Verifica-se, portanto, a ocorrência pura e simplesmente do animus narrandi, insuficiente à configuração do tipo penal invocado pelo Querelante que exige, segundo melhor doutrina, consciência e vontade realizar a expressão ofensiva”, sendo que “em nenhum caso deve afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva” (Heleno Cláudio Fragoso em Lições de Direito Penal – Parte Especial – Forense – RJ – 7ª edição – págs. 183 e 184). À hipótese não têm pertinência as regras do Código Penal evocadas, mas, tão-somente, à do Código de Processo Civil de que cogita o artigo 15: […]”. (INQ 380, RTJ 145/381-406)

Corroborou o Ministro Carlos Velloso em seu voto:

“No caso, os possíveis excessos cometidos na defesa da entidade de direito público são daqueles, bem como registrou o eminente Ministro Relator, que encontram reparação no âmbito do processo – CPC, art. 15 – não no campo penal.”

No mesmo sentido, decidiu a Alta Corte no julgamento do Agravo em Ação Direta da Inconstitucionalidade n.º 1.231, cuja ementa assim firmou:

“CONTRADITÓRIO – PODER DE POLÍCIA PROCESSUAL – IMPRESSÕES INJURIOSAS – RISCADURA – ARTIGO 15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. A providência prevista no artigo 15 do Código de Processo Civil prescinde do contraditório, ainda que ocorra mediante provocação de uma das partes.

PROCESSO – EXPRESSÕES INJURIOSAS – SENTIDO. Partes, representantes processuais, membros do Ministério Público e magistrados devem-se respeito mútuo. A referência a expressões injuriosas contida no artigo 15 do Código de Processo Civil compreende o uso de todo e qualquer vocábulo que discrepe dos padrões costumeiros, atingindo as raias da ofensa.

PARLAMENTAR – INVIOLABILIDADE – INFORMAÇÕES EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. A imunidade material de que cuida o artigo 53 da Constituição Federal não alcança informações prestadas, em ação direta de inconstitucionalidade, por parlamentar, cabendo a aplicação do disposto no artigo 15 do Código de Processo Civil.” [sem grifos no original] (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 22.08.97, p. 38765)

Assim sendo, da utilização de expressões injuriosas no processo decorre apenas a conseqüência de serem riscadas, e, em se tratando de emprego em defesa oral, a advertência do advogado pelo juiz, sob pena de lhe ser cassada a palavra.

Igualmente, não procede a invocação do princípio da presunção de inocência, já que, caso fosse adotada a extensão que lhe está sendo conferida na decisão apelada, não haveria sequer como instaurar-se inquérito criminal ante indícios de conduta delituosa. Essa posição aqui recorrida não encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que é enfática:


“RECURSO DE HABEAS-CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE NOTITIA CRIMINIS E DE REPRESENTAÇÃO POR FALTA DE JUSTA CAUSA. PRESCRIÇÃO.

1. A simples apuração, pela autoridade policial, de fatos narrados em notitia criminis ou em representação que não sejam evidentemente atípicos, não constitui constrangimento ilegal que possa ser reparado pela via do habeas-corpus. Precedentes. Os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal só se aplicam à denúncia e à queixa, sendo absolutamente estranhos à mera notitia criminis.

2. A extinção da punibilidade pelo decurso do prazo prescricional não pode ser examinada em face do mero aceno de conduta criminal na notitia criminis ou na representação levada ao conhecimento da autoridade competente. Só é cabível esse exame quando houver a adequada tipificação da conduta em peça processual adequada.

3. Recurso de habeas-corpus a que se nega provimento.” (RHC 80.487, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 15.12.00, p. 107)

No julgamento, o Relator Ministro Maurício Corrêa refere-se a vários precedentes que orientaram a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:

“‘HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL.

Se a notitia criminis dada pela própria vítima não constitui fato evidentemente atípico, não há razão para se impedir que a pessoa acusada seja indiciada em inquérito policial até que ocorra a eventual denúncia do Ministério Público.

Recurso ordinário a que se nega provimento.’ [RHC 62.468, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12.04.85, p. 4932]

No mesmo sentido o RHC nº 62.096-SP, OSCAR CORRÊA, in DJU de 08.11.94, pág. 20.228, que tem a seguinte ementa, in verbis:

‘INQUÉRITO POLICIAL – TRANCAMENTO.

A simples apuração da notitia criminis não constitui constrangimento ilegal a ser corrigido por habeas corpus.

O trancamento do inquérito policial só se justifica quando indiscutível a participação ou ausência de responsabilidade no evento criminoso.

Recurso de habeas corpus improvido.’

Ainda o RHC nº 58.277, CORDEIRO GUERRA, in DJU de 10.10.80, pág. 8.020, com a seguinte ementa, in verbis:

‘TRANCAMENTO DE INQUÉRITO.

Se a notitia criminis envolve a possibilidade de existência de crime, não há como impedir-se a instauração de inquérito policial para apurá-lo. Recurso de habeas corpus improvido.'”

O que se observa é que a Apelante, nas peças processuais, utilizou-se tão-somente do jus narrandi, que não configura dolo e é assegurado pelo Supremo Tribunal Federal (INQ 380 acima transcrito – Anexo 1). Desse modo, as ofensas lavradas nos autos não implicam qualquer dano a ensejar pagamento de indenização, mas apenas justificam que as expressões injuriosas sejam riscadas das peças processuais.

Ademais, ainda que essas expressões, eventualmente, tivessem sido divulgadas na imprensa, não se deve desconsiderar que nessa hipótese o representante judicial da União estaria fazendo uso da sua liberdade de expressão, e nesse sentido ele é necessariamente parcial na defesa do interesse público. Aliás, o advogado é um caso clássico de liberdade de expressão. É contratado pelo cliente para falar em seu nome, e dessa maneira ele é sempre parcial. Lembre-se que, há época, o Ministério Público da União atuava também como defensor da União, como Advogado da União, e foi nessa qualidade que os representantes da Recorrente atuaram. É de se duvidar a prolação de sentença similar à recorrida caso se tratasse de advogado privado.

Tal já era verdadeiro na ordem jurídica anterior, com maior razão o é no quadro constitucional em vigor. Como sabido, o art. 133 da Constituição Federal confere imunidade ao exercício da advocacia, verbis:

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei.”

A imunidade constitucional do advogado viu-se ainda concretizada pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, cujo art. 2º, § 3º estabelece:

“Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

(omissis)

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”

Por sua vez, o § 2º do art. 7º daquele Diploma é ainda mais explícito:

“§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.” [sem grifos no original]

Portanto, a extensão da imunidade dos advogados alcança não só os atos praticados em juízo, mas também aqueles praticados fora dele. Dito isso, forçoso reconhecer que a defesa intransigente do patrimônio e interesse públicos levada a efeito pelos valorosos Procuradores da República jamais haveria de configurar ato ilícito transcendente à imunidade que lhes é própria e à liberdade de expressão estrutural ao exercício da profissão.


O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, já reconheceu que não há que se cogitar de dano causado diretamente pela atuação do Ministério Público. Assim se pronunciou o Relator Ministro Sydney Sanches em voto condutor:

“3. Do seguinte teor o parecer da ilustre Procuradora da República, Dra. Iduna E. Weinert, aprovado também pelo Douto Subprocurador-Geral, Mauro Leite Soares:

‘Cuida-se de agravo regimental interposto contra o r. despacho de fls. 96 que, acolhendo os fundamentos do parecer desta Procuradoria-Geral da República, negou seguimento ao agravo de instrumento (fls. 13-15).

2. Nada há a acrescentar à judiciosa manifestação do Ministério Público Federal, de fls. 90-93, pelo ilustre Procurador da República, Dr. Gilmar Ferreira Mendes, que examinou de forma irretocável, a questão relativa à responsabilidade do Estado pelos atos dos integrantes do parquet, como posta nos presentes autos.

3. Cumpre enfatizar, apenas, o caráter meramente opinativo dos pareceres emitidos pelo Ministério Público, sem qualquer poder vinculativo dos atos dos órgãos do Poder Judiciário, em decorrência do que, se dano houve, ao patrimônio dos ora agravantes, com ofensa à lei, resultou ele, sem dúvida, de decisão judicial, somente atacável pelas vias processuais próprias.

4. Por todo o disposto, o parecer é pela manutenção do r. despacho agravado. (fls. 106 e 107)’

Adoto integralmente os pareceres do Ministério Público Federal para manter a decisão de fls. 96, negando seguimento a este agravo regimental.” (AGRAG 102.251-5, DJ 20.09.85, p. 15997)

Ora se o Ministério Público, enquanto custos legis, ao se manifestar nos autos, não provoca dano às partes do processo, também não provocará dano ao figurar como parte, visto que esta há de ser, como já asseverado, necessariamente parcial.

Outrossim, mesmo que o Representante do Ministério Público houvesse divulgado as informações na imprensa, assim procedeu dentro da liberdade de expressão e informação que lhe é assegurada. Sobre a liberdade de expressão e informação, afirma Edilsom Pereira de Farias, na obra Colisão de Direitos, Porto Alegre: Fabris, 1996, p. 128 e 131:

“A liberdade de expressão e informação, consagrada em textos constitucionais sem nenhuma forma de censura prévia, constitui uma das características das atuais sociedades democráticas. Essa liberdade é considerada inclusive como termômetro do regime democrático.

[…]

Do cotejo de documentos internacionais e textos constitucionais que a consagram, constata-se que a liberdade de expressão e informação é atualmente entendida como um direito subjetivo fundamental assegurado a todo cidadão, consistindo na faculdade de manifestar livremente o próprio pensamento, idéias e opiniões através da palavra, escrito, imagem ou qualquer outro meio de difusão, bem como no direito de comunicar ou receber informação verdadeira, sem impedimentos nem discriminações.”

No concernente à colisão entre os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem e a liberdade de expressão e informação, assevera ainda o referido autor:

“A colisão dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada, e à imagem com a liberdade de expressão e informação significa que as opiniões e fatos relacionados com o âmbito de proteção constitucional desses direitos não podem ser divulgados ao público indiscriminadamente.

Por outro lado, conforme exposto, a liberdade de expressão e informação, estimada como um direito fundamental que transcende a dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública pluralista, instituição considerada essencial para o funcionamento da sociedade democrática, não deve ser restringida por direitos ou bens constitucionais, de modo que resulte totalmente desnaturalizada.” (FARIAS, op. cit., p. 137).

Dessa forma, com a finalidade de se estabelecer a ponderação entre esses dois direitos, igualmente consagrados pela Constituição Federal de 1988, exige-se daquele que fala que seja diligente e que as informações transmitidas tenham o mínimo de verossimilhança. Ainda na lição de Edilsom Pereira Farias, “no Estado Democrático de Direito, o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contactada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade ou idoneidade da notícia antes de qualquer divulgação.” (FARIAS, op. cit., p. 132)

Portanto, o sujeito há que ser diligente; há que buscar a informação; ter segurança quanto ao conteúdo da informação veiculada. Desse aspecto não se esquivou a ora Apelante já que invalidou as conclusões dos laudos periciais, desqualificando-os por completo. O elemento objetivo da irregularidade imputada ao perito está configurada, qual seja, a inexistência de qualificação adequada para aquela perícia específica, inclusive com amparo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


“PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS INFRINGENTES – LAUDO PERICIAL.

I – O laudo pericial deve ser realizado por elemento com qualificação técnica na matéria discutida na lide.

II – Embargos infringentes rejeitados não só pela falta de qualificação técnica do perito nomeado, mas também pela imprestabilidade do laudo, fundado em afirmações desacompanhadas de provas, especialmente, documentais.” (Embargos Infringentes em Remessa Ex Officio, Proc. 89.03.030017-3, DJ 25.03.91, p. 51)

No presente caso, não há como se contestar a ausência da imprescindível expertise. Um engenheiro agrônomo não está habilitado para a realização de uma perícia antropológica. Isso é por demais óbvio! Tanto os Procuradores da República foram diligentes e a crítica não foi imotivada que o Apelado não foi absolvido, mas tão-somente se declarou a prescrição da ação contra ele instaurada.

Ratificam o acima defendido os seguintes trechos de depoimento prestado pelo Apelado no Termo de Declarações que prestou no Departamento de Polícia Federal, documento este constante das fls. 236-240. Primeiramente, afirma que procedeu a perícia apenas sobrevoando faixas de terra.

Assim: “que: no dia 15 de maio de 1986, deslocou-se por volta de 06:30 horas, do aeroporto desta capital na aeronave prefixo PP-EUL, pilotada por ‘Vitor de tal’, conforme relatório de vôo 3749, além de Ainabi Machado Lobo, Assistente técnico na citada ação e o Professor João da Universidade Federal deste Estado, este possivelmente, Engenheiro Agrônomo, com o objetivo de procederem a vistoria relacionada com as terras de Arnaldo dos Santos Cerdeira e José Campos Júnior, terras estas que se encontram no Parque Indígena do Xingú-MT, localizado no mapa do INTERMAT n.º 122 (….)”.

Afirmou também que tinha consciência de que era necessária a utilização de instrumentos para demarcação de áreas: “que: tem conhecimento que para se demarcar uma área necessita-se de auxiliares e aparelhagem adequada para os trabalhos, principalmente, teodolito, trena, balisas, lentes, marcos, e outros; que: retornaram sobrevoando o perímetro, ao ponto inicial, tendo como base o Rio Suiamissu; que: foi também sobrevoado o interior do lote, e quando do sobrevoou pode verificar a existência de algumas aldeias.”

Por fim, e atestando a sua nítida incapacidade para formular laudos antropológicos, admitiu: “que: o declarante não tem conhecimentos técnicos para definir o conceito de: ‘habitat inmemorial’ ‘indígena’; que: não sabe porque foi indicado como perito as ações referentes ao Parque Nacional do Xingú.”

O outro requisito é a verossimilhança da informação; o sujeito que veicula a informação tem a obrigação de transmiti-la apenas se verificado um mínimo de plausibilidade. Ora, como demonstrado pelo Ministério Público em várias oportunidades, e reconhecido pelo próprio Apelado, ele não tem qualificação para elaboração de perícias antropológicas e apresentou laudos distorcidos. A exigência de que o Recorrido deveria ter sido condenado é um absurdo e não se sustenta, pelas razões expostas no presente Recurso.

A cota ministerial invocada na sentença recorrida (item 29) e assinada pelo Dr. Sepúlveda Pertence, então Procurador-Geral da República, trata-se apenas de uma recomendação para que seja argüida a suspeição de peritos. Nada mais.

É evidente que as autoridades às quais foi remetida a referida cota – o Dr. Mário Figueiredo Ferreira Mendes e o Dr. Odilon de Oliveira, ambos Juízes Federais de Mato Grosso, o Dr. Rafael Mayer, Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal e o Dr. Lauro Leitão, Ministro Presidente do Conselho de Justiça Federal – teriam plena liberdade para acatar ou não a sugestão. Ademais, nos avisos encaminhados a essas duas últimas autoridades, sequer há referência ao nome de Jurandir Brito da Silva ou à argüição de sua suspeição. Essa informação, aliás, não circulou, ficando restrita comunicação entre órgão do Poder Judiciário.

Igualmente, desprovida de força comprobatória da ocorrência de dano a alegação de que, por determinação judicial, foi substituído ou de que há uma decisão em que a atuação dos Procuradores da República é criticada. Essas duas peças constituem apenas e tão-somente manifestação de Juízes e nada mais. Não são suficientes para provar a verificação de dano.

Logo, não se configurou qualquer ato lesivo ao ora Apelado a justificar o pagamento de indenização de qualquer natureza. A esse respeito, vale transcrever decisão do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL – LIQUIDAÇÃO – PEDIDO CERTO – RISCO ADMINISTRATIVO – INDENIZAÇÃO.

Embora o autor tenha formulado o pedido de condenação em quantia certa, não se convencendo o juiz, pode ele reconhecer-lhe o direito e remeter para fase de liquidação a apuração dos danos.


Nosso ordenamento jurídico acolheu a teoria do risco administrativo. Segundo ela surge a obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado a vítima. Recurso improvido.” (STJ/RESP 158.201, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 15.06.98, p. 43)

E aqui ficam algumas perguntas no ar. Por que o Apelado não processou o jornal? Este também não haveria ferido a sua honra? O jornalista não estaria manifestando a sua liberdade de informação? Por que? Seria porque é mais fácil se responsabilizar a União?

Como se não bastasse, sendo, em regra, públicos os atos processuais, qualquer jornalista poderia ter tido acesso às peças do processo e ter reproduzido o seu conteúdo na imprensa. Isso fica evidente na própria leitura das reportagens utilizadas pelo Juízo monocrático a justificar a existência de dano na decisão aqui recorrida. Senão, vejamos trecho da notícia veiculada pelo O Globo:

“‘(…) No Parecer enviado ao STF, o Procurador Gilmar Ferreira Mendes, coloca em dúvidas os laudos apresentados pelos peritos sobre a área em questão'”. (O Globo, Domingo, 19/08/87 – fl. 126) (sem grifos no original)

Nas demais reportagens referidas na sentença de primeiro grau, observa-se que o discurso, a narrativa é sempre indireta e genérica: “indicaram a existência de crimes nas diversas perícias judiciais…”; “Dentre os principais suspeitos…”; “… esses peritos tenham faltado com a verdade…”; “…fraudes de falsificação de laudos periciais envolvendo terras hoje ocupadas por índios…”. Além do mais, vislumbra-se sempre uma relação com a prática de algum ato processual, restando sem qualquer fundamento a alegação de que seriam ofensas produzidas fora dos autos.

Não se pode, igualmente, desconsiderar que uma das reportagens citada pelo Magistrado para fundamentar a sua decisão sequer faz menção à pessoa de Jurandir Brito da Silva, ora Apelado. Trata-se da matéria publicada no Diário de Cuiabá, em 04.10.87, transcrita no item 31 da sentença ora recorrida. Nesse caso, não há como se suscitar violação à moral. Caso contrário, estaria referindo-se à moral de quem? Mais uma vez resta evidenciada a falta sustentação da sentença recorrida.

III.c – IMUNIDADE DO ESTADO EM RELAÇÃO A ATOS DOS ÓRGÃOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Ministério Público tem o dever de denunciar. Não há nestes casos responsabilidade objetiva do Estado, pois o órgão detém um juízo de valor, ou seja, se vislumbra um crime, em tese, haverá de denunciar, decisão tal que não vincula o juiz.

“Não responde civilmente a Fazenda Pública por ato opinativo do MP, no procedimento judicial, que não vincula o Poder Judiciário (art. 107)” (RT 115/806) (atual artigo 37, § 6°).

O art. 129, I da CF/88 assevera que o Ministério Público promoverá privativamente a ação penal pública.

O Código de Processo Penal contém um rol de artigos disciplinando a atuação do órgão do Ministério Público.

De acordo com o artigo 24, nos crimes de ação penal pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público.

O artigo 40 prescreve a necessidade de o magistrado enviar cópia de documentos constantes em processo, quando se vislumbra o crime em tese, a fim de que haja a denúncia.

O artigo 42 do CPP, por sua vez, assevera que o Ministério Público não poderá desistir da ação penal. O Art. 28 do mesmo codex afirma que se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador – geral.

O Ministério Público promoverá e fiscalizará a execução da lei, nos termos do artigo 257 do CPP.

Outra vez o mestre Youssef Said Cahali, com a natural maestria nos ensina: “Na atividade própria do órgão do Ministério Público está ínsita a imunidade funcional por delito contra a honra do denunciado em processo-crime, do que resulta no não cabimento de qualquer pretensão indenizatória contra o Estado …”.

O ilustre mestre prossegue na sua explanação: “… Caio Mário observa que ‘o fato jurisdicional regular não gera responsabilidade civil do juiz e, portanto, a ele é imune o Estado’ … Esta mesma motivação presta-se para arredar eventual responsabilidade do Ministério Público, pelo alvitrado evento danoso ‘por uma denúncia ilegal visto que o requerente não praticou aquele delito de apropriação indébita que lhe fora imputado pela Promotoria.’ Recebendo os documentos remetidos pelo Juízo e ante a configuração de conduta típica, o oferecimento da denúncia, por aquele representante, era imperativo legal (art. 24 c/c o art. 257, ambos do CPP)…” (In Dano Moral, 2ª edição, p. 338/339)

Neste diapasão, mesmo que se provasse que a autoria das notícias veiculadas na mídia fosse do órgão do Ministério Público, não haveria que se falar em responsabilidade objetiva do Estado, nos termos do § 6° do artigo 37 da Carta Magna, já que era imperativo legal a denúncia, já que havia o crime em tese.


Repisa-se, novamente, que o próprio apelado confessou que era incapaz de identificar as terras imemoriais indígenas, ou seja, havia indícios suficientes para que se caracterizasse o crime descrito no artigo 342 do Código Penal, já que atuou em outros processos, onde atestou que as áreas não eram originariamente indígenas.

Desta forma, afigura-se inadiável a reforma da sentença, na parte que condenou em danos morais.

III.d – DA ABSOLVIÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS EM PROCESSO PENAL MOVIDO ACERCA DOS MESMOS FATOS

Se, de um lado, não operou em favor do apelado a absolvição imaginada pela sentença recorrida, verificou-se, de outro lado, a circunstância exatamente oposta: os agentes públicos aos quais se pretende atribuir a prática de atos supostamente responsáveis pelo dano alegado restaram absolvidos em processo penal em que se lhes imputava, em razão dos mesmos fatos alegados na inicial e mencionados na sentença, a prática de crimes de injúria, calúnia e difamação.

Com efeito, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal no Inquérito nº 380 (Queixa-Crime) – DF, no qual o advogado Armando Conceição refere-se aos mesmos fatos imputados pela inicial e pela sentença aos Procuradores da República que desbarataram a denominada “indústria das indenizações”, verbis:

“Ocorre que, na hipótese, na se fez presente o elemento subjetivo do tipo – o dolo. Os Querelados atuaram na defesa da União – interesse público – narrando fatos e, com isto, embora utilizando tintas fortes, buscaram lançar elementos suficientes à convicção do órgão julgador. Impossível é emprestar às expressões utilizadas o propósito de ofender. Acreditando na valia de fatos de que tiveram conhecimento, ligados ao desempenho das partes, do respectivo representante processual e dos peritos, passaram à narração, visando, com isto, alcançar provimento judicial a favor da União.

Verifica-se, portanto, a ocorrência pura e simplesmente do animus narrandi, insuficiente à configuração do tipo penal invocado pelo Querelante que exige, segundo melhor doutrina, ‘consciência e vontade de realizar expressão ofensiva’, sendo que ’em nenhum caso deve afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva'” (Heleno Cláudio Fragoso em Lições de Direito Penal – Parte Especial, Forense, RJ, 7ª edição, págs. 183 e 184).” (Inq. nº 380 (Queixa-Crime)/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, RTJ 145/393).

Para comprovar cuidar-se dos mesmos fatos, basta considerar as seguintes passagens daquele Acórdão:

“Assevera o Querelante que lhe foram atribuídas as seguintes práticas que reputa caluniosas:

Da tergiversação;

Da indústria da desapropriação – nova modalidade de estelionato;

De montagem de esquema com inequívoco envolvimento em perícias falsas;

De indução do Supremo Tribunal Federal em erro.” (RTJ 145/391).

“2. Da Difamação

Estaria configurada pelo fato de o Dr. Gilmar Ferreira Mendes, bem como o então Procurador-Geral da República, Dr. José Paulo Sepúlveda Pertence, haverem, de forma continuada, tanto em manifestações expendidas nos processos em que funcionaram, notadamente nas Ações Cíveis Originárias nºs 268, 280 e 362, como concedendo entrevistas à imprensa (O Estado de São Paulo, de 24 de novembro de 1987 e a revista Senhor, de 22 de dezembro de 1987), noticiado que o Querelante tem conhecidos antecedentes criminais, aludindo a envolvimentos no escândalo de perícias falsas e com o crime organizado, contando com valioso apoio dos ‘magos da perícia’.” (RTJ 145/383).

Configurada a absolvição dos agentes públicos da União em processo penal relativo aos mesmos fatos alegados pelo apelados, parece evidente a necessidade de reconhecer-se, agora sim, a coisa julgada no cível da decisão na esfera penal.

Com efeito, tal como exposto, a decisão do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que os Procuradores da República – então dotados da representação judicial da União – operavam, na intransigente defesa do patrimônio e do interesse públicos, “em estrito cumprimento de dever legal” ou “no exercício regular de direito”.

Nessas circunstâncias, impõe-se reconhecer a existência de coisa julgada no cível a inviabilizar o pleito indenizatório oferecido pelo apelado em face do que dispõe o art. 65 do Código de Processo Penal (“Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”).

III.e – DA AUSÊNCIA DO DANO MORAL

Não restou configurado o dano moral e que a jurisprudência não admite que o dano moral seja presumido pelo simples fato de haver sido instaurado um processo. Nesse sentido, vale destacar as seguintes decisões:

“DIREITO CIVIL. DANO MORAL. REPRESENTAÇÃO POR CRIME DE AMEAÇA. INQUÉRITO ARQUIVADO. EXERCÍCIO REGULAR DE DO DIREITO NÃO EXCEDIDO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS.


O arquivamento do inquérito policial por dúvida quanto à natureza criminosa da conduta e de sua autoria não implica necessariamente obrigação de o representante reparar os danos morais sofridos pela representada criminalmente. No caso, não transbordou o representante do exercício regular do seu direito, ao comunicar à autoridade policial fato que, em tese, constituía crime (de ameaça), mormente porque a representada havia se identificado ao telefone. Improvada intenção de cometer a falsa imputação e não caracterizada a precipitação por parte do representante, ainda que tenha o inquérito policial sido arquivado, descabe reparação do patrimônio moral abalado. Honorários advocatícios reduzidos, por aplicação do § 4º do art. 20 do CPC.” (TRF – 4ª Região, AC 309880, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 29.11.00, p. 87)

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DANO MORAL.

1. Cabe ao autor a prova dos fatos constitutivos de seu direito, sem o que não é possível atender-se ao pleito.

2. Dano moral não configurado, porque mera apuração de comportamento com observância do devido processo legal, não constitui-se em ato ilícito. 3. Recurso improvido.” (TRF – 1ª Região, AC 331249, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJ 22.10.98, p. 115)

Não comprovada a verificação de dano moral, bem como sendo insuficiente para justificá-lo a propositura de ação contra eventual lesado, não se presume o dano porventura ocorrido, razão pela qual, neste ponto, resta também sem fundamento a sentença ora recorrida.

III.f – DA AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA UNIÃO

Na inicial, encontra-se alegação de que a responsabilidade civil objetiva da União decorreria do caráter ilícito dos atos atribuíveis aos Procuradores da República.

As exaustivas razões acima expostas afastam a alegada ilicitude dos atos praticados pelos referidos agentes públicos – sem prejuízo da coisa julgada, esta sim, absolutória produzida no Inquérito nº 380 (Queixa-Crime)/DF junto ao Supremo Tribunal Federal.

Na sentença, não se afirma a ilicitude de tais atos, mas antes a existência de dano, a existência de conduta atribuível a um agente público e a ocorrência de nexo causal entre o dano produzido e a alegada conduta dos agentes públicos.

Como visto, de modo igualmente exaustivo, acima, inexistiu o alegado dano moral indenizável e ele jamais restou comprovado – em particular, contra o apelado pelas notícias de jornais e manifestações atribuídas aos agentes públicos.

III.e.1 – DA AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL

Percebeu, contudo, o Juízo a quo a possibilidade de descaracterizar-se o nexo causal se, de fato, houvesse o apelado praticado irregularidades, pois, nessa hipótese, seria ele o responsável pelas críticas impugnadas.

Assim se manifestou sobre a matéria a sentença ora recorrida:

“33. Ocorre que nem todo prejuízo sofrido por particulares, derivado, em princípio, de um ato estatal, pode se imputado ao Estado. Situações existem que excluem o nexo causal entre o dano sofrido pelo particular e a aparente ação estatal.

34. Destarte, seria impossível imputar a responsabilidade ao Estado, por exemplo, pelos prejuízos suportados por um profissional liberal (v.g. médico) que tenha a sua clientela diminuída em decorrência de ter sido imputada a esse profissional uma determinada conduta delituosa, por um agente público, com ampla divulgação na mídia, e que depois venha a ser efetivamente condenado na esfera penal.

35. Nessa hipótese, só aparentemente o Estado deu causa aos seus prejuízos materiais ou morais. Em verdade, foi o próprio cidadão, ao praticar conduta não amparada pelo sistema jurídico, quem deu causa ao seu infortúnio”.

Ora, como demonstrado à exaustão, a decisão penal transitada em julgado não negou a autoria nem afastou a materialidade do delito, mas cingiu-se a reconhecer a prescrição. Nessa medida, o substrato factual e objetivo relativo à realização da conduta não se viu afastado.

Por igual, afirme-se que, tal como assinalado acima, restou comprovado e reconhecido pelo próprio apelado sua inaptidão para a realização de perícia histórica e antropológica e o método absolutamente abstruso e inepto de realizar perícia por meio do emprego da denominada “perícia aeronáutica” e intertemporal – em que se pretendia configurar, em 1981, a presença de índios datada de 1961 em território sobrevoado a altura que impediria a identificação de pessoas caminhando.

Assim, nos próprios termos fixados na sentença recorrida, ao aceitar o encargo pericial em matéria para a qual não possuía suficiente habilitação, o apelado descumpriu os deveres legais a ele impostos pelos arts. 145, caput e §§ 1º e 2º, 422 e 424, I, do Código de Processo Civil.

Ora, a questão relativa ao nexo causal é questão material que exige prova inconteste – o que não se produziu nos autos e restou substituído pelo equivocado pressuposto de uma absolvição no juízo criminal. Saliente-se, destarte, que o próprio apelado contribuiu para que houvesse as suspeitas dos Procuradores da República, pois, se não era especializado para elaborar um laudo antropológico, deveria ter a sinceridade e correção de não aceitar aquele mister.


O artigo 422 do CPC prescreve que o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido. Ora o advérbio mencionado pode ser traduzido como cauteloso, meticuloso ou cuidadoso. É de clareza solar que tal conduta não foi seguida pelo apelado. Às fls. 121, na decisão do juiz federal que rejeitou a denúncia, há a confirmação do magistrado de que o apelado não detinha qualificação técnica para elaborar laudos atropológicos.

É princípio comezinho do direito, de que ninguém poderá requerer indenização alegando a própria torpeza e o apelado se enquadra perfeitamente neste caso. Sem qualificação profissional adequada, aceitou os misteres da perícia, confeccionou laudos imprestáveis, e, após a extinção do processo criminal, em virtude da prescrição do crime, pleiteia indenização, em flagrante infringência ao art. 97 do Código Civil.

Para se ter uma idéia da falta de conhecimento técnico do apelado, a sentença prolatada nos autos do processo 00.0004316-8, que tramitou na 1ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso, onde foram partes Fazenda Xavantina e outros em face da União e Funai, o MM. Juiz julgou o pleito de indenização por desapropriação indireta IMPROCEDENTE. A fundamentação de tal decisum se pautou pela imprestabilidade do laudo do Sr. JURANDIR BRITO DA SILVA, pois o mesmo reconheceu que não tinha conhecimento do que seria antropologicamente habitat imemorial indígena. Desta forma, não se pode dar guarida à condenação por danos morais ao apelado, já que a culpa de todo o ocorrido, inclusive com as suspeitas de crimes, foram da responsabilidade do apelado.

O mestre Youssef Sahid Cahali, assevera que: “a teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade objetiva integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim, dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização.” (In Responsabilidade Civil do Estado, 2ª Edição, p. 44)

Está provado que o apelado foi o único culpado de que houvesse todo o procedimento criminal e, conseqüentemente, a publicação de tais fatos pela imprensa.

Caso tivesse agido honestamente, confessado a sua incapacidade para confeccionar laudos antropológicos a respeito da posse imemorial indígena, não estaria sob a motivada e inexorável suspeição.

De resto, tal como demonstrado em tópico anterior relativo à liberdade de expressão e à imunidade judiciária da advocacia ínsita à atuação dos representantes judiciais da União, os Procuradores da República foram diligentes no levantamento das informações que lastrearam suas manifestações e as imputações que fizeram, fortemente lastreadas em dados factuais reconhecidos nos inquéritos policiais, afiguravam-se amplamente verossímeis.

Reconhecida, destarte, a conduta irregular do apelado ao realizar perícia para a qual não se encontrava habilitado, elimina-se o nexo causal e ao apelado imputa-se a responsabilidade pelas críticas que alega haverem-lhe causado dano moral.

IIII.e.2 – DA AUSÊNCIA DE DANO DIRETA E IMEDIATAMENTE DECORRENTE DA AÇÃO ADMINISTRATIVA OU DA INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL

Do mesmo modo, opera entre nós a teoria do dano direto e imediato ou da interrupção do nexo causal.

Para que se afigurasse apta a gerar responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, a destituição da perícia e a não-convocação para outras perícias deveria constituir dano diretamente decorrente da ação administrativa reputada ilícita.

Como sabido, a mais comezinha lição do direito administrativo e constitucional pátrio explicita a existência de dois requisitos fundamentais para a caracterização do dever administrativo de indenizar: 1) comprovação do dano e 2) a configuração do nexo de causalidade imediata entre o dano sofrido e a ação administrativa apontada como ilícita (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 11ª ed., 1999, p. 665). Se, tal como demonstrado acima, não se comprovou o dano, inexiste direito a indenização.

Do mesmo modo, ainda que demonstrado o dano, somente seria ele indenizável se atribuível, como resultado imediato, ou seja, decorrente de uma causalidade direta, de determinada ação administrativa reputada ilegítima.

Na hipótese dos autos, já a inicial era inepta não só por não demonstrar o dano, mas também por não cuidar de demonstrar o nexo de causalidade direta entre a ação administrativa alegadamente ilegítima e o dano supostamente dela derivado. Como já decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, o nexo de causalidade entre a ação administrativa e o dano indenizável não admite causas sucessivas e derivadas.

Assim, se se imputa ilegítima a manifestação de juízos desfavoráveis a determinado indivíduo, o dano moral decorrente se sua ampla divulgação levada a efeito pela imprensa não é imputável ao agente público, mas tão-somente aos jornalistas que se valeram de suas manifestações técnicas e processuais.


Para expressar o rigor que o nexo de causalidade direto e imediato assume na jurisprudência tradicional e recentemente reiterada do Supremo Tribunal Federal, considere-se o seguinte julgado:

“Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes.

– A responsabilidade do Estado, embora objetiva por forca do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.

– Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.

– No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69, a que corresponde o parágrafo 6. do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE nº 130.764/PR, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 143/270).

Ora, como bem reconheceu o Supremo Tribunal Federal, a teoria adotada pela Constituição Federal (assim a passada como a vigente) bem como pelo Código Civil é aquela do “dano direto e imediato ou da interrupção do nexo causal”. Observe-se, a respeito, o que, naquele julgado, acrescentou o Eminente Ministro Moreira Alves:

“Ora, em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.

Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada (cfe. Wilson de Melo da Silva, Responsabilidade sem culpa, nºs 78 e 79, págs. 128 e segs., Editora Saraiva, São Paulo, 1974).

Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (Da Inexecução das Obrigações, 5ª ed., nº 226, pág. 370, Edição Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer Agostinho Alvim (1.c.): “os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis”.

… Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão” (RTJ 143/283).

A fundamentação para que houvesse a condenação da União, foi a de que houve grande publicação, na mídia, dos fatos imputados ao apelado. Jornais como O GLOBO, FOLHA DE SÃO PAULO, DIÁRIO DE CUIABÁ e JORNAL O DIA, estamparam notícias de que havia a indústria da multa, através de laudos periciais suspeitos, que culminavam em indenizações milionárias.

Neste diapasão, a União não é parte no presente caso, restando restrita tal imputação aos meios de informação e divulgação, ou seja, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radio-difusão e os serviços noticiosos, que são responsáveis legalmente pelos abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação, respondendo pelos danos e prejuízos, materiais e morais, porventura causados a terceiros em virtude de suas publicações.


Youssef Sahid Cahali nos mostra que há necessidade de se demonstrar a autoria, ou seja, que o órgão do Ministério Público foi o responsável pelas publicações na mídia: “A responsabilidade indenizatória por danos morais, fundada no vazamento de notícias a respeito de investigações policiais ou de processos judiciais, tem como pressuposto o caráter sigiloso destes, a autoria do vazamento e o nexo de causalidade.” (In Dano Moral, 2ª edição, p. 340)

Assim, não pode a União ser responsabilizada por qualquer indenização em relação à parte Autora, sob o argumento de prejuízos morais advindos da divulgação televisiva e jornalística.

A propósito do tema, basta consultar-se a Lei n. 5250, de 09.02.1967. A jurisprudência também é farta a respeito, ao responsabilizar as empresas jornalísticas, de radio-difusão e os serviços noticiosos, pelos danos causados por seus serviços – v.g. STJ, RESP n. 39.531-3-SP (93.00028129-1, 3ª Turma, DJ 14.11.94, apud in Lex n. 68, Abril/95, p. 184/185 (DOC. 01).

17012738 – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CÂMARA MUNICIPAL – PUBLICAÇÃO JORNALÍSTICA – DANO MORAL – INJÚRIA – CALÚNIA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO – Ação de indenização. Discurso político proferido em câmara de vereadores na denominada tribuna livre. Ausência de ânimo de injuriar ou caluniar. Exercício regular do direito de crítica, mormente quando o pretenso ofendido exerce atividade política, militante e aliado que é de partido político. Notícia corrigida por órgão de imprensa, o que afasta qualquer dano pretendido. Recurso improvido. (TJRJ – AC 4326/95 – (Reg. 160196) – Cód. 95.001.04326 – Itaocará – 8ª C.Cív. – Rel. Des. José Pimentel Marques – J. 26.09.1995)

27008492 – DANO MORAL – PUBLICAÇÃO EM JORNAL – REPORTAGEM QUE ATRIBUI ILÍCITO PENAL A PESSOA – DENÚNCIA ANÔNIMA – EFEITOS – OFENSA A IMAGEM E A REPUTAÇÃO – CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO – O órgão de imprensa que atribui a pessoa prática de ilícito penal, baseado em informação anônima, sem acautelar-se com a divulgação, afetando a esfera de seus direitos pessoais e trazendo a reprovação social, deve indeniza-la em valor compatível com a aflição e dor que a notícia chegou. RTV V-681 p. 163 RDP V-185 p. 198 RJTJSP V-27 p. 173 RT V-533 p. 71 APC 596243352 (TJRS – EI 598401677 – RS – 4º G. C.Cív. – Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis – J. 09.04.1999)

Destarte, necessária se faz a reforma do decisum, tendo em vista que não houve prova de que a divulgação das matérias tenham sido por iniciativa dos Procuradores da República e se houve algum dano, o apelado deveria ajuizar ação contra as empresas jornalísticas que divulgaram as notícias.

Ora, é fora de dúvida que eventuais dissabores decorrentes do uso jornalístico da atuação processual de um procurador da república não constitui um resultado diretamente derivado da atuação do agente público, mas está a exigir concausas e atos atribuíveis a terceiros. Com efeito, se, tal como decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o assalto praticado por evadidos de um presídio não constitui dano imputável à administração carcerária, igualmente não o será o uso jornalístico por terceiros da intransigente defesa judicial da União. Nessas condições (e tal como asseverado ao considerar-se a ilegitimidade passiva da União), o alegado dano moral cuja indenização requer o apelado não constitui o resultado direto e imediato da atuação administrativa.

Assim, por todas as razões expostas, não se configura hipótese de responsabilidade civil objetiva da União, quedando a decisão recorrida em clara violação ao art. 37, § 6º da Constituição Federal na medida em que lhe conferiu extensão e aplicação incompatíveis com o seu sentido e alcance – matéria aqui também expressamente pré-questionada.

IV – DA ILEGITIMIDADE DO VALOR DA CONDENAÇÃO DA RECORRENTE

Na sentença ora recorrida, o Juiz Federal Substituto da 5ª Vara da Seção Judiciário de Mato Grosso fixa como critérios para a mensuração do quantum indenizatório a “(a) capacidade econômica do réu, (b) a situação social do autor, e principalmente (c) a extensão dos danos morais”.

De início, o referido magistrado cuida da extensão dos danos morais, e busca expor a repercussão de tais danos no círculo profissional e social do Autor. Afirma, outrossim, que tais danos teriam ocorrido em âmbito local e nacional. Nesse ponto, consta da decisão recorrida:

“61. Sendo essa situação uma das mais rumorosas, envolvendo conflitos entre a União e proprietários de terras no Estado de Mato Grosso, indubitável que se tornou um marco histórico: para a União, que conseguiu fosse (sic), na maioria das ações, rejeitadas as pretensões dos autories, e infelizmente, também para o autor desta ação, que teve o seu nome irremediavelmente vinculado, sem prova alguma, às pretensas fraudes de laudos periciais, o que por si só comprova a grande extensão do dano, e, ainda, de forma permanente”.


A seguir, cuida a referida sentença da posição social do autor, in verbis:

“Quanto à posição social do autor, sendo este um perito oficial, com trabalhos prestados não só perante a Justiça Federal, mas também em outras searas, extrai-se que o seu envolvimento com as denúncias, sem prova cabal, tem o condão de refletir em outras atividades, que não a judicial, provocando-lhe danos reflexos ainda maiores.”

Quanto à capacidade econômica do réu, consta da sentença recorrida:

“Já a requerida, por ser a principal pessoa de direito público interno do País, dispensa maiores comentários quanto ao seu real e efetivo potencial econômico, para suportar o ônus financeiro, em decorrência dos atos praticados pelos seus agentes públicos.

Nesse aspecto, insta apenas destacar, que as indenizações por dano moral devem ser – respeitada a capacidade econômica do réu -, de valor bastante elevado, desestimulando novas agressões e desrespeitos aos direitos humanos, notadamente ao princípio da presunção de inocência, servindo, dessa maneira, de advertência ao ofensor e à sociedade, de maneira que futuras condutas sejam repelidas”.

Assim, a partir daqueles três critérios, afirma o Juiz Federal mato-grossense:

“Enfim, considerando-se a grande extensão do dano moral, associado à imagem respeitável do autor, no contexto social em que vive, tenho que a fixação da indenização não pode ser irrisória a ponto de nada significar para a requerida, diante da sua reconhecida capacidade financeira”.

Conclui-se a sentença com o arbitramento do valor indenizatório, com fulcro no disposto no art. 1533 do Código Civil, in verbis:

“Portanto, a teor do que dispõe o art. 1533 do Código Civil, e aquilatando-se a grande extensão do dano moral, a situação social do autor e a sólida situação financeira da requerida, e na impossibilidade de se aferir a indenização por danos morais, por intermédio de fórmulas matemática, arbitro o valor a ser pago pela requerida ao autor, a título de danos morais, em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), devendo os juros de 6% a.a., incidirem a partir do evento danoso (Súmula 56 do STJ)”.

No recurso de apelação interposto pela Autor da ação, são invocados aqueles mesmos critérios utilizados na sentença proferida pelo Juiz Federal Substituto da 5ª Vara da Seção Judiciário do Mato Grosso.

Busca-se, naquela peça recursal, caracterizar a quantia de R$ 200.000,00 como irrisória, haja vista suposta violação aos princípios orientadores da fixação do quantum indenizatório, razão pela qual pleiteia-se que esse Egrégio Tribunal revise a referida sentença. Nas suas palavras: “a sentença recorrida contrariou os princípios informadores da avaliação do quantum indenizatório ao condenar a Ré ao pagamento do irrisório valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelos danos morais padecidos pelo autor”.

E prossegue: “Em casos dessa natureza, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que, no arbitramento do quantum da indenização, deve o juiz levar em conta a extensão do dano, a intensidade da culpa do ofensor, a gravidade e a repercussão da ofensa, as circunstâncias em que ocorreu e, ainda, a posição sócio-cultural e econômica do ofensor e do ofendido. Se de um lado, não pode constituir-se em expediente para enriquecimento sem causa da vítima lesionada, por outro, há que ser ela dosada na medida que possa servir de instrumento pedagógico-punitivo para o agente ofensor, incutindo-lhe o temor necessário e suficiente para coibir a repetição do ato lesivo”.

Também afirma: “In casu, o juiz sentenciante, ao fixar a reparação dos danos morais no sobredito valor, não observou tais parâmetros, não se atendo, portanto, ao princípio da razoabilidade”.

Percebe-se com clareza que, tanto na sentença recorrida quanto na Apelação interposta pela parte adversa, não há demonstração de qualquer dado objetivo que justifique o elevado valor fixado na sentença e tampouco a pretendida elevação do quantum indenizatório.

A peça de apelação apresentada pelo Autor da ação descreve apenas os critérios que devem ser levados em conta pelo juiz quando da aferição da quantia a ser indenizada a título de danos morais sem estabelecer qualquer relação entre tais critérios e o caso em particular.

Do mesmo modo, ao afirmar que o juiz deve levar em conta, a fim de estabelecer a quantia a ser indenizada, a posição sócio-cultural e econômica do ofensor e do ofendido, não faz qualquer prova disto. Neste sentido, uma revisão do valor de R$ 200.000,00 pode justamente gerar como conseqüência uma situação que o próprio Autor faz questão de recusar: “o enriquecimento sem causa da vítima lesionada”.

Assim, ao não fundamentar a posição sócio-cultural e econômica do ofensor e principalmente a sua própria (do ofendido), o Autor da ação chega a conclusões que suas próprias premissas rejeitaram, militando contra a revisão do valor arbitrado na sentença.


A incapacidade do Autor em apontar qualquer vício no valor arbitrado é tão patente que ao afirmar, em sua Apelação, que “Em casos dessa natureza, a doutrina e a jurisprudência têm entendido (…)”, não cita casos ou passagens doutrinárias que se adaptem ao caso em comento. Se, de fato, é verdadeiro que “a doutrina e a jurisprudência” têm estabelecido critérios para a avaliação do valor indenizável, não menos certo é que este exame deve, naturalmente, se guiar por casos pré-existentes correlatos. Destarte, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça têm se guiado por precedentes por ela mesmo estabelecidos. Assim:

“III – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

IV – Na espécie dos autos, o valor fixado a título de danos morais não se mostrou razoável, notadamente em razão dos precedentes da Turma em casos mais graves” (STJ/RESP 243093. Unânime. Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira. Julgado em 14/03/2000).

“Agora, a indenização arbitrada a esse título destoa dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, melhor ajustando-se à realidade se for reduzida para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) – montante que, com certeza, é suficiente para confortar moralmente o ofendido e desestimular o ofensor de práticas desse jaez” (Voto Condutor do Min. Ari Pargendler. RESP 261160. Unânime. Rel. Min. Ari Pargendler. Julgado em 17/05/2001).

“4. A indenização, em caso de danos morais, não visa reparar, no sentido literal, a dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano, com base em alguns elementos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes.

5. Arbitrado sem moderação, em valor muito superior ao razoável, imperiosa a redução do valor devido a título de danos morais, dentro dos critérios seguidos pela jurisprudência desta Corte” (RESP 239973. Unânime. Rel. Min. Edson Vidigal. Julgado em 12/06/2000).

Portanto, mostra-se de todo improcedente, uma vez que não há qualquer base na jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, qualquer pleito no sentido da revisão, para um valor superior, do quantum indenizatório fixado na sentença recorrida. Ao contrário – para além das inúmeras razões para o não conhecimento ou para o julgamento da improcedência da Ação, devidamente expostas nesta Apelação -, afigura-se imperiosa a redução do valor indenizatório arbitrado pelo juízo monocrático.

Ao mencionar, como elemento a ser considerado na avaliação do quantum a ser indenizado, a posição sócio-cultural e econômica do ofensor, no caso, a União, quer o Autor da ação, ora recorrido, afirmar que a indenização que lhe foi deferida é inexpressiva levando em consideração o patrimônio da União. Tal afirmação – que corresponde ao entendimento esposado na sentença recorrida – é não somente inverossímil como também leva a conseqüências insólitas e mesmo anti-isonômicas.

Onerar a União é, de fato, onerar toda a sociedade brasileira. O fato de que a União precisa fazer frente não somente a um, mas a vários pleitos de indenizações faz crer que o recorrente confunde duas dimensões completamente distintas, uma micro e outra macroeconômica.

Em outros termos, pretende universalizar uma pretensão exclusivamente sua, microeconômica, e por conseqüência egoística, e distribuir seu ônus a um campo mais universalizado. Se é certo que a lógica da responsabilização do Estado tem sempre em vista uma redistribuição do patrimônio público em virtude de uma conduta ilícita, chega-se à insólita conclusão que o Autor, em sua peça recursal, pretende uma indenização de R$ 200.000,00, que representa uma quantidade bastante exorbitante se se leva em consideração a expressiva população miserável existente no país.

Basta dizer que isto equivale a mais de 1.000 salários mínimos ou, em outros termos, mais de 85 anos de renda de um trabalhador e contribuinte brasileiro.

Um outro dado alia-se a este para comprovar o caráter desarrazoado e desproporcional do quantum indenizatório fixado na sentença recorrida – ou mesmo majoração pretendida pela parte adversa.

Como já afirmado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se estabelece no sentido de que devem ser levadas em considerações outras decisões a fim de serem configurados padrões indenizatórios. Neste sentido, parece exemplar o seguinte precedente:


“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. IMPRENSA. NOTÍCIA JORNALÍSTICA IMPUTANDO LEVIANA E INVERÍDICA A JUÍZA FEDERAL. FRAUDE DO INSS. PÁLIDA RETRATAÇÃO. RESPONSABILIDADE TARIFADA. INAPLICABILIDADE. NÃO-RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CONTROLE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I – A responsabilidade tarifada da Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

II – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, observando as circunstâncias do caso, aplicáveis a respeito os critérios da Lei 5.250/67.

III – Sem embargo da leviandade da notícia jornalística, a atingir a pessoa de uma autoridade digna e respeitada, e não obstante se reconhecer que a condenação, além de reparar o dano, deve também contribuir para desestimular a repetição de atos desse porte, a Turma houve por bem reduzir na espécie o valor arbitrado, inclusive para manter coerência com seus precedentes e em atenção aos parâmetros legais”. (RE 295175. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Unânime. Julgado em 13/02/2001)

Em tal decisão, a Egrégia Corte fez por bem reduzir o montante indenizatório a R$ 100.000,00. Esta orientação se deveu à existência de um precedente no mesmo tribunal – devidamente citado no Voto condutor do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira -, envolvendo também um membro da Magistratura Federal. Nesta ocasião, assim se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

“IMPRENSA. Dano extrapatrimonial. Indenização. Art. 53 da Lei de Imprensa. Recurso especial. Art. 159 do CCivil.

– A indicação de violação ao art. 159 do CCivil permite o conhecimento do recurso para o fim de aumentar ou reduzir o valor da indenização, quando evidentemente exagerado ou irrisório.

– Os critérios estabelecidos no art. 53 da Lei de Imprensa servem de útil orientação para a definição do valor da indenização pelo dano extrapatrimonial. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido”. (RE 277407. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. Unânime. Julgado em 28/11/2000)

A peculiaridade destes dois casos se deve ao fato de terem sido imputadas notícias levianas e inverídicas a juízes federais. Como o próprio Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira fez por bem ressaltar, em seu Voto condutor no RESP 295.175, deve-se levar em consideração “os reflexos negativos que uma imputação desse porte causa a um ser humano e notadamente a uma autoridade, a abalar a sua credibilidade no meio social e a atingir também o próprio Órgão em que atua (…)”.

Ora, foi assentado pelo Superior Tribunal de Justiça que uma imputação inverídica a um membro da Justiça Federal Brasileira – possuidor de uma autoridade constitucionalmente conferida, além de ser peça fundamental na estrutura básica do Estado Brasileiro, que deve conduzir-se de modo exemplar perante a sociedade, uma vez que a incolumidade de sua imagem depende diretamente seu condicionamento para proferir decisões – seria suficientemente sancionado por meio de condenação ao pagamento de R$ 100.000,00.

Como defender que um Perito – que deve ser amplamente protegido em sua dignidade, mas que não possui as mesmas responsabilidade de um Membro da Magistratura Federal, de quem é de resto mero auxiliar – tenha direito a uma indenização equivalente, no mínimo, ao dobro (sem levar em consideração o pleito de revisão da condenação) daquela suficiente para um magistrado?

Afirmar o contrário seria consagrar que a posição social de um perito seria, no mínimo, superior a de um Juiz Federal. Na ausência de provas sobre o nível social do Autor da ação, é preciso reconhecer que, no máximo, deve ser ele comparado ao de um Juiz Federal. Portanto, indenização igual ou superior a R$ 100.000,00 violaria não somente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como também a necessidade de ser observado o nível social de um membro da Magistratura Federal.

No que tange ao aspecto da conduta do ofensor a fim de dar causa ao ilícito, não se pode olvidar que se tratava de membro do Ministério Público Federal no estrito exercício de suas funções institucionais. Neste ponto, o quantum indenizatório deve levar em conta que o Procurador da República apenas cumpriu suas funções, fator que milita contrariamente a qualquer pedido de majoração da quantia e que exige, em sentido contrário, a sua mitigação.

Também deve ser rechaçada a alegação – suscitada pelo Autor da ação em sua apelação – de que a indenização deve ser “dosada na medida que possa servir de instrumento pedagógico-punitivo para o agente ofensor”. Tal perspectiva também corresponde ao entendimento adotado na sentença ora recorrida que, também neste ponto, merece ser revista.


Além de não serem reconhecidos, no Direito Brasileiro, os chamados danos punitivos, faz-se necessário levar em conta que, no concernente à responsabilidade do Estado, a utilização deste “instrumento pedagógico-punitivo” deve ser considerada com as peculiaridades que impõe o Direito Público.

A consagração, por parte da Constituição de 1988, da responsabilidade civil objetiva do Estado não implica que este possa ser considerado responsável penalmente pela condutas de seus agentes. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas, embora consagrada topicamente, inclusive no Direito Brasileiro, não se aplica ao Estado, tanto pela sua atual impossibilidade (o que seria a consagração de uma verdadeira antropomorfização do Estado, que age pelos seus agentes) como a aceitação da responsabilidade penal coletiva (existente apenas em ordenamentos jurídicos extremamente primitivos).

Ora, se não é reconhecida a possibilidade de uma responsabilidade penal do Estado, não há que se falar em caráter punitivo de indenizações contra o Estado. Se se chega à esfera dos agentes públicos que praticam o ato ilícito, outras questões devem, do mesmo modo, ser consideradas.

No caso da responsabilidade individual dos agentes públicos, não se aplica a responsabilidade objetiva, e sim a responsabilidade com culpa. Ora, o Autor não ofereceu qualquer elemento no sentido de estabelecer a culpa do agente público que supostamente cometeu o ilícito. Evidentemente, se não está provada a culpa do agente público, não há que se falar em responsabilidade com fins punitivos. Deste modo se expressou a doutrina sobre a questão:

“Pois não se admite que, a pretexto de punição, se imponha obrigação de indenizar, se não há efeito danoso a ser reparado. Justifica-se o aspecto de punição se, e somente se, houver os pressupostos da responsabilidade civil: dano, nexo causal e, indispensável para este fim, culpa” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Elementos de Responsabilidade Civil por dano moral. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 152).

É claro que a atribuição de caráter punitivo aos agentes públicos se dá não pela responsabilidade penal, mas sim pela responsabilidade administrativa. Somente é possível punir aquele que toma uma decisão. Atribuir caráter punitivo à conduta de um agente através do estabelecimento de danos morais é, na verdade, ir de encontro ao pretenso objetivo “pedagógico-punitivo”. Punir um agente administrativo, através de uma indenização devida pelo Estado, não ensina a este como se conduzir. A responsabilização administrativa é, verdadeiramente, a peça fundamental para a punição do agente público que cometeu determinado ilícito.

A idéia de aplicar caráter punitivo à responsabilidade do Estado obedece a uma intransponível lógica privada, completamente inadequada à tomada de decisões na Administração Pública. Em uma palavra, se a pena pecuniária em uma empresa privada repercute imediatamente sobre os seus acionistas, a responsabilidade civil do Estado, contudo, onera tão-somente o Tesouro Nacional e não possui qualquer caráter punitivo ou pedagógico sobre os agentes públicos efetivamente encarregados da tomada de decisão.

A única forma possível de alcançar punitiva e pedagogicamente o agente público não é a oneração do erário nem o locupletamento da vítima, mas antes a responsabilização administrativa do agente público. Nessa medida, a manutenção – ou a elevação, tal como pretende o Autor, em sua Apelação – da já exorbitante indenização constituiria novo e ilegítimo gravame para a pobre sociedade brasileira.

Por fim, cabe asseverar a inaplicabilidade, no caso, do disposto no art. 1533 do Código Civil, invocado na sentença, como base normativa para o arbitramento procedido pelo Juiz Federal de Mato Grosso. Referido artigo assim dispõe:

“Art. 1553. Nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a indenização”.

Evidente, portanto, que a sentença recorrida toma por pressuposto a ausência de norma aplicável ao caso em exame no Capítulo do Código Civil referente à liquidação das obrigações resultantes de atos ilícito. Tal pressuposição é equivocada, uma vez que ignora disposição perfeitamente aplicável, por via de analogia, ao presente caso. De fato, na estimação de valor da indenização por dano moral devido pela Administração Pública aplica-se, por analogia, o disposto no art. 1547 do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550).”

Nesse sentido a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, in verbis:


“CONSTITUCIONAL – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – DANO MORAL – INDENIZAÇÃO – ARTIGOS 5º, E 37, § 6, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ARTIGO 1547, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL.

………………………………………………………………………………….

Na estimação do valor da indenização do DANO MORAL pela Administração serve de parâmetro, como critério de aplicação analógica, o artigo 1547, parágrafo único, do Código Civil.

………………………………………………………………………………….” (AC 199324/RJ, Terceira Turma, Rel. Juiz Francisco Pizzolante)

Assim, configurada a aplicabilidade do disposto no art. 1547, parágrafo único do Código Civil, e reconhecida, pela sentença recorrida, a ausência de dano material, cabe concluir que, ainda que dano moral houvesse, a indenização devida não poderia superar o dobro da multa prevista para os crimes de injúria ou de calúnia, conforme prevê aquela disposição da legislação civil.

O Superior Tribunal de Justiça já fixou entendimento de que no quantum fixado a título de dano moral, deve-se evitar o enriquecimento ilícito:

“Ementa CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PROTESTO INDEVIDO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE.

I. O protesto indevido de título gera direito à indenização por DANO MORAL, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pela autora, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evitando-se ENRIQUECIMENTO sem causa da parte atingida pelo ato ILÍCITO.

II. Precedentes do STJ.

III. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (RESP nº 282757 Processo nº 2000.01.05472-4/RS Orgão Julgador: QUARTA TURMA DJ de 19/02/2001, p. 182, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR).

“Decisão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do apelo da ré, pela alínea c do art. 105, III, da CF, e, nessa parte, dar-lhe provimento para reduzir o quantum do DANO MORAL a 12 vezes a remuneração do autor, vencido, nesta parte, o Sr. Ministro Relator.

A Turma, por unanimidade, ainda, conheceu em parte do apelo do autor, dando-lhe provimento nessa parte para definir a data a partir da qual serão devidos a pensão mensal e os juros, elevar o valor dessa pensão e, nesta parte, também por unanimidade, determinar que os honorários sejam calculados de acordo com o disposto no parágrafo 5º do art. 20 do CPC, vencido, nesse ponto, o Sr. Ministro BARROS MONTEIRO. Votaram com o Relator os Srs. Ministros ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA e BARROS MONTEIRO. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA.

Ementa ACIDENTE NO TRABALHO. Alcoolismo. Mestre cervejeiro (BRAHMA). Embargos de Declaração. Incompetência da justiça comum. Causa de pedir. Valor do DANO MORAL. Início do pensionamento. Dispensa da formação do capital. Valor do DANO MORAL. Aplicação da cláusula geral do art. 159, CC.

Definição da norma de conduta. Honorários advocatícios. – Não há omissão no acórdão proferido nos segundos embargos de declaração que deixa de apreciar a questão da incompetência da Justiça Comum para julgar ação de indenização de DANO provocado em acidente no trabalho, se somente depois disso é suscitada nos autos. – Proposta a ação com base no direito comum, assim pode ser deferido o pedido indenizatório, sem ofensa ao art. 264 do CPC. – A definição do alcoolismo do autor como decorrência da sua obrigação de ingerir diariamente considerável quantidade de álcool decorreu do exame da prova dos autos, por testemunhas e perícias. Para isso, independia de previsão na tabela da Previdência Social.

A estipulação do valor da indenização por DANO MORAL, que pode ser revista neste Tribunal quando contrariar a lei ou o bom senso, não está restrita aos critérios do Código Brasileiro de Telecomunicações ou da Lei de Imprensa. Porém, no caso, o valor deve ser reduzido de cinqüenta para doze vezes a remuneração do autor. Vencido, nessa parte, o Relator. – Para a definição da culpa como elemento da responsabilidade prevista no art. 159 do CCivil, deve o juiz definir previamente qual a regra de cuidado que deveria ter sido obedecida pelo agente naquelas circunstâncias, pois assim o exige a técnica apropriada à aplicação da cláusula geral, classificação a que pertence o referido art. 159.

Assim procedendo, a eg. Câmara fez exemplar aplicação da técnica judicial e não violou a lei, muito especialmente não causou ofensa ao disposto nos arts. 126 e 127 do CPC, sequer empregou juízo de eqüidade, como alegou a empresa recorrente. – Culpa da empresa de cervejas, que submeteu o seu mestre-cervejeiro a condições de trabalho que o levaram ao alcoolismo, sem adotar qualquer providência recomendável para evitar o DANO à pessoa e a incapacidade funcional do empregado. – Desnecessidade de formação de capital, bastando a inclusão em folha de pagamento, considerando-se o porte da devedora.


O pensionamento deve iniciar com a data do evento, este definido como sendo o dia a partir do qual teve reduzida a sua remuneração, passando a receber auxílio-doença; da mesma data devem ser contados os juros, tratando-se de ILÍCITO absoluto. – O valor da pensão corresponde ao da perda decorrente da incapacidade para o exercício da profissão que desempenhou até aquela data.

A possibilidade de desempenhar outro serviço, além de ser remota – considerando-se as condições pessoais do autor e da economia, com aumento da taxa de desemprego – não deve servir para diminuir a responsabilidade da empresa que causou o DANO. – Os honorários, sendo caso de responsabilidade extracontratual, por ILÍCITO absoluto, devem ser calculados na forma do par. 5º. do art. 20 do CPC. Vencido, nessa parte, o Min. Barros Monteiro. – A verba honorária sobre o valor da condenação já leva em conta a sucumbência parcial. Recurso da empresa conhecido em parte e provido. Recurso do autor conhecido em parte e nessa parte provido.” (STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RESP nº 242598 Processo nº 1999.01.15779-0/RJ Orgão Julgador: QUARTA TURMA DJ de 27/11/2000, p. 168; Relator RUY ROSADO DE AGUIAR).

Neste mesmo diapasão, não é informado a remuneração mensal do apelado para que se fixasse o pretenso valor dos danos morais.

Se algum dano houvesse, o que se admite apenas por hipótese, deveria ser fixado num patamar equivalente a 12 vezes o salário do apelado, de acordo com a jurisprudência do STJ e, na falta da menção deste valor, que fosse adotado o salário mínimo da categoria.

Conclui-se, portanto, ser evidente o caráter excessivo da indenização fixada pelo Juízo Monocrático, razão pela qual impõe-se a sua revisão tendo em vista os parâmetros adotados nos precedentes acima referidos.

V – DOS JUROS

Ao fixar o valor da indenização devida, estabeleceu o Juiz a incidência de juros de 6% a.a. “a partir do evento danoso (Súmula 56 do STJ)”. Na verdade, trata-se da aplicação da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça. E aqui a decisão recorrida acaba por criar um paradoxo, pois ao contar o prazo prescricional não levou em consideração a data da ocorrência do evento danoso, embora o faça para fins de definir a incidência de “juros moratórios”.

VI – DO PRÉ-QUESTIONAMENTO

Importa, desde já e para o fim específico de estabelecer-se o pré-questionamento necessário ao conhecimento de recursos especial e extraordinário, manifestar-se sobre as questões de ofensa à lei, dissídio jurisprudencial e ofensa à Constituição previstas como requisitos de admissibilidade pelos arts. 102, III, e 105, III, da Carta Magna – sem prejuízo de todos os demais dispositivos normativos e decisões judiciais mencionadas nestas razões de apelação.

No âmbito constitucional, cuida-se de prequestionar a matéria relativa ao sentido e ao alcance dos incisos IV, X e XIII do art. 5º, assim como do art. 133 da Constituição Federal, acerca dos quais se requer expressamente a manifestação do Colendo Tribunal Regional Federal da 1ª Região quando do exame da presente apelação (assim como das contra-razões à apelação interposta pela parte adversa).

A decisão da questão por meio da fixação do sentido e do alcance de tais dispositivos constitucionais exige discutir-se: 1) se o dano moral existe independentemente do dano material; 2) se foi recepcionada pela Constituição a responsabilidade tarifada prevista na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67); 3) se os atos que ensejaram o presente litígio não foram praticados – em estrito cumprimento de dever legal imposto aos Procuradores da República – no livre exercício da liberdade da expressão prevista no inciso IV do art. 5º da Constituição, assim como da liberdade profissional assegurada no inciso XIII do mesmo artigo e no art. 133 da Constituição. A fixação de um juízo acerca de tais questões relativas ao sentido e ao alcance das disposições constitucionais acima referidas haverá de permitir, por meio do presente pré-questionamento, o acesso ao Supremo Tribunal Federal.

No que toca ainda às prerrogativas do advogado, prequestiona-se a violação aos arts. 2º (em particular o § 3º) e 7º (em particular o § 2º) da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, em particular a imunidade do advogado por seu atos e palavras no exercício da profissão em juízo ou fora dele. Com isso, pretende-se evidenciar a legitimidade da defesa intransigente do patrimônio e do interesse públicos pelos representantes judiciais da União, inexistindo razão para falar-se em ato ilícito ou dano moral indenizável. Cuidou-se de mero exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal, consideradas as prerrogativas dos advogados – obviamente aplicáveis à advocacia pública.

Do mesmo modo, prequestiona-se a matéria relativa à extensão e ao valor fixados pela indenização, de modo a permitir-se o acesso ao Superior Tribunal de Justiça – possibilidade reconhecida por vastíssima jurisprudência daquela Alta Corte (“III – O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socio-econômico do autor e, ainda, ao porte econômico do réu, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. IV – Na espécie dos autos, o valor fixado a título de danos morais não se mostrou razoável, notadamente em razão dos precedentes da Turma em casos mais graves”: RESP 243093. Unânime. Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira. Julgado em 14/03/2000).


Prequestiona-se, ademais, a matéria relativa à data relativa ao início da prescrição, haja vista a caracterização de evidente dissídio jurisprudencial. De fato, conforme exposto em tópico específico da presente apelação, há inúmeros acórdãos no sentido de que (1) a prescrição qüinqüenal conta a partir do dano ocorrido (STJ/RESP 20.860. Rel. Min. Peçanha Martins. Unânime. Julgado em 20/10/93. Publicado no DJ de 29/11/93; STJ/RESP 5.912. Rel. Min. Ilmar Galvão. Unânime. Julgado em 3/12/90. Publicado no DJ de 4/2/91; STJ/RESP 6.858. Rel. Min. Garcia Vieira. Julgado em 11/9/91. Publicado no DJ de 16/10/91; STJ/RESP 85.388. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Unânime. Julgado em 13/5/96.

Publicado no DJ 7/4/97; TRF 1ª Região/AC 120290-5. Rel. Juiz Wilson Alves de Souza. Unânime. Julgado em 26/10/2000.) e, em sentido diverso, no sentido de que (2) a contagem do prazo prescricional conta-se da data da sentença absolutória no processo penal (STJ/RESP 34807. Rel. Min. Hélio Mosimann. Unânime. Julgado em 13/12/95. Publicado no DJ de 12/2/96; STJ/RESP 6147. Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Unânime. Julgado em 15/12/93. Publicado no DJ de 21/2/94; STJ/RESP 279086. Rel. Min. José Delgado. Unânime. Julgado em 1/3/2001. Publicado no DJ de 9/4/2001).

Configura-se, ademais, evidente violação à lei, haja vista a contrariedade da decisão recorrida ao disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, no que toca ao prazo prescricional, e às disposições relativas à denominada responsabilidade tarifada, conforme prevê a Lei de Imprensa (arts. 51 a 54 da Lei nº 5.250/67).

Prequestiona-se, por fim, a matéria relativa à disciplina da atuação do Ministério Público Federal. A obrigação do Ministério Público de promover, privativamente, a ação penal pública, nos termos do inciso I do artigo 129 da CF/88, sofrerá restrição, já que, se houvesse a certeza de condenação não haveria necessidade de defesa. Logo, não há incidência do inciso X do artigo 5º da Carta Magna, quando o Ministério Público atua nos termos do artigo mencionado no parágrafo anterior. Igualmente não se pode falar em responsabilidade objetiva do Estado, prevista no § 6° do artigo 37 da CF/88, já que o Ministério Público atuou no âmbito de suas prerrogativas legais.

Os dispositivos do Código de Processo Penal, nos artigos 24, 40 e 42, que asseveram a obrigatoriedade de atuação do Ministério Público, quando vislumbra um crime em tese, estarão feridos, permanecendo a sentença guerreada. Finalmente, estará sendo infringido o inciso I do artigo 160 do Código Civil, que assevera a ausência de ilícito no exercício regular de um direito reconhecido.

DO PEDIDO

Diante do exposto, requer:

PRELIMINARMENTE, seja apreciado o agravo retido e provido, por já ter havido a prescrição ali aventada.

MERITORIAMENTE, seja a apelação CONHECIDA E TOTALMENTE PROVIDA, sendo reformada a sentença no tocante à condenação em danos morais e condenado o apelado em honorários advocatícios, custas processuais e demais verbas decorrentes da sucumbência, por ser medida de inteira J U S T I Ç A ! ! !

Procuradoria da União no Estado de Mato Grosso, Cuiabá-MT, 10 de Agosto de 2001.

APARECIDO DOS PASSOS JUNIOR

Advogado da União

OAB/MS 6750

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!