Críticas disparadas

Juízes mandam carta a senadores para criticar súmula vinculante

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31 de outubro de 2001, 9h41

O senador Bernardo Cabral (PFL-AM) apresenta, nesta quarta-feira (31/10), o relatório sobre a Reforma do Judiciário à Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Um dos pontos mais polêmicos e criticados pelos juízes é a adoção de súmula vinculante. Por isso, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Antonio Carlos Viana Santos, enviou carta a todos os senadores antes de o relatório ser apresentado.

A adoção da súmula vinculante – e sua extensão ao STJ e ao TST – é um dos aspectos mais repudiados pelos juízes, tanto no projeto aprovado na Câmara quanto no relatório do senador Bernardo Cabral.

Segundo o presidente da AMB, a súmula vinculante representa uma ameaça à independência jurídica dos juízes e ao Poder Legislativo.

“Ao entregar ao Judiciário o poder de normatizar abstratamente e com efeitos gerais a vida social, o Legislativo estará, por certo, a abrir mão de significativa parcela de seu poder, na medida em que o compartilhará, ineditamente, com o STF e outros tribunais superiores alcançados pelo projeto”, afirma Santos.

Veja a íntegra da carta

Brasília, 31 de outubro de 2001.

Senhor Senador:

A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, entidade que representa os 15 mil juízes deste País, vem manifestar sua preocupação diante da proposta de criação, no projeto de reforma do Judiciário em tramitação no Senado Federal, do instituto da chamada SÚMULA VINCULANTE.

O citado dispositivo, além de diminuir o próprio Poder Judiciário, ocasionando a perda da independência jurídica dos juízes, acaba atingindo em cheio também o PODER LEGISLATIVO, ameaçando o princípio constitucional da harmonia e da independência entre os Poderes da República.

Senão, vejamos.

De acordo com o projeto, no momento em que o Supremo Tribunal Federal editar uma súmula vinculante, ou seja, uma decisão qualificada e universal sobre determinada questão, todos os juízes do País e os órgãos da administração pública terão que acatá-la e aplicá-la automaticamente. Atente-se, contudo, à circunstância, de que quem tem o poder genérico de legislar, ou seja, editar normas universais e abstratas, e que deve normatizar condutas de forma geral é o PARLAMENTO, não os TRIBUNAIS. É o Legislativo – e não as Cortes Judiciais – que detém o pressuposto básico da legitimação política para isso: o voto popular. O Judiciário tem a vocação de decidir caso a caso, concretamente. A lei, e não a decisão judicial (como a súmula), é que deve ter caráter genérico e universal.

A reforma do Judiciário, porém, consagra no Supremo Tribunal Federal a possibilidade de estabelecer qual o alcance, em abstrato, ou seja, afora dos limites dos casos em julgamento, das normas editadas pelo Congresso Nacional Ou seja, de dizer, na prática, o que é e o que não é lei. E mais: com efeito retroativo que a própria lei, oriunda de um poder eleito pelo povo, não dispõe. Veja-se, a propósito, que ocorrido um fato em janeiro, editada uma súmula vinculante em março e julgada a demanda judicial (sobre aquele mesmo fato) em julho, será obrigatoriamente aplicada a súmula, mesmo sendo ela posterior ao fato em questão. O novo instituto terá, portanto, efeitos cronológicos superiores aos da lei.

Desse modo, ao disciplinar abstrata, universal e genericamente a vida em sociedade através de súmulas vinculantes, estará o STF se substituindo ao Legislativo naquilo que representa o núcleo da experiência republicana, com o agravante de não ter legitimação para atuar com tão amplo alcance político. Não será preciso dizer que o sistema da legalidade (nosso paradigma para a vida em sociedade) restará assim atingido, sobretudo no que dispõe a Constituição Federal em cláusula pétrea: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Ao entregar ao Judiciário o poder de normatizar abstratamente e com efeitos gerais a vida social, o Legislativo estará, por certo, a abrir mão de significativa parcela de seu poder, na medida em que o compartilhará, ineditamente, com o STF e outros tribunais superiores alcançados pelo projeto. Quanto ao cidadão, para quem foi instituído todo o sistema judiciário, não receberá em sua petição inicial senão um carimbo a informar que aquela demanda, mesmo sendo única, já foi previamente decidida.

A Associação dos Magistrados Brasileiros apresentou proposta alternativa, que evita o inchaço de processos repetitivos em tribunais superiores, sem o comprometimento da independência do juiz e sem a perda de poder do Parlamento Nacional. Trata-se da súmula impeditiva de recursos – que singelamente não admite a possibilidade de recurso judicial às instâncias superiores se a decisão do juiz de inferior instância estiver de acordo com a súmula.

Vossa Excelência receberá, brevemente, o conjunto de propostas dos magistrados brasileiros sobre a Reforma do Poder Judiciário e, dentre elas, a aquela que representa a alternativa para a súmula vinculante, proposta que preserva, intacta, a soberania das atribuições legislativas do Poder Legislativo.

Os magistrados brasileiros e o Parlamento Nacional não merecem um instituto que os torne, no aspecto democrático, menos importantes para a vida da nação.

Respeitosamente.

Antonio Carlos Viana Santos

Presidente da AMB

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