Atividades barradas

Advogado afastado quer anular ato de presidente da OAB-SC

Autor

25 de outubro de 2001, 15h08

O advogado Silvio João Zimmermamm, suspenso por 30 dias de suas atividades, entrou com recurso de Apelação em Mandado de Segurança contra o presidente da OAB de Santa Catarina. O advogado responde um processo administrativo no qual é acusado de se apropriar indevidamente do dinheiro de um cliente.

Zimmermamm alega que, no processo, não foi devidamente notificado para comparecer em audiência de julgamento. Ele argumenta que houve cerceamento do direito de defesa.

O advogado requer a nulidade do processo administrativo, sob alegação da inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 37 da Lei n.º 8.906/94. Pretende também anular ato administrativo do presidente da OAB-SC e restabelecer seu direito ao exercício pleno da advocacia.

Veja a íntegra do Mandado de Segurança

Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 4ª Vara Judiciária de Florianópolis, Circunscrição de Santa Catarina.

Mandado de Segurança

Proc. N.º 2001.72.00.005637-5

(Justiça Gratuita)

SILVIO JOÃO ZIMMERMAMM, já qualificado, nos autos do MANDADO DE SEGURANÇA – Autos n.º 2001.72.00.005637-5, inconformado, data vênia, com a respeitável sentença que denegou a ordem, vem mui respeitosamente a Vossa Excelência, em tempo hábil, propor o presente RECURSO DE APELAÇÃO, requerendo, cumpridas as formalidades legais, sejam os autos remetidos à competente instância superior, para seu julgamento em segundo grau.

PD

De Blumenau, SC, 21 de setembro de 2001,

p.p. Engelberto Naatz, Advogado

OAB/SC 2266

MANDADO DE SEGURANÇA N.º 2001.72.00.005637-5

IMPETRANTE: SILVIO JOÃO ZIMMERMANN

IMPETRADO: PRESIDENTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DE SANTA CATARINA.

RAZÕES DO RECURSO

O recorrente impetrou o presente Mandado de Segurança contra ato do Presidente da OAB-SC, por ter-lhe aplicado penalidade de suspensão do exercício profissional, pelo prazo de 30 dias, perdurando a pena até a prestação de contas ao cliente do suposto valor apropriado.

Alegou, na oportunidade, que o respectivo processo administrativo estava eivado de vícios, como: a) ausência de despacho de recebimento e indiciamento; ausência de notificação da audiência de julgamento; c) tolhimento ao direito de recurso; d) violação do princípio de causalidade; e) inconstitucionalidade do parágrafo 2º, do artigo 37, da Lei n.º 8.906/94.

A ordem foi denegada.

NULIDADE ESTRUTURAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

INEXISTÊNCIA DE DESPACHO INAUGURAL DE RECEBIMENTO E INDICIAÇÃO INEXISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO FORMAL

O Presidente do Conselho Secional da OAB, quando do “recebimento da representação”, de que trata o artigo 51, parágrafo 1º do Código de Ética e Disciplina, não se preocupou em observar os comandos que preconizam o contraditório e ampla defesa. Não existem nos autos a exposição circunstanciada do fato reprovável imputado ao acusado e nem os dispositivos legais e regulamentares infringidos, com indicação das imputações.

Não existe a acusação formal e, assim ocorrendo, o processo disciplinar está, data vênia, nulo. Conforme, aliás, se depreende das decisões dos tribunais pátrios:

” Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar. Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. 1. Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado. 2. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas. 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal. 4. Recurso conhecido e provido. ” (Ac. Un. Da 2ª T. do STJ – RMS 1.074-ES – Re. Min. Peçanha Martins – DJ, 02.12.91 – DJU I, 30.03.92, p. 2.968).

A acusação formal é ato considerado estrutural ou essencial e a omissão desta, é causa de nulidade, sem se indagar da existência ou não de prejuízo. Esta se presume. Esta regra é absoluta, pois, houve a omissão do ato, vale dizer, sua inexistência material. Falta-lhe, pois, existência concreta.

Reconhecida a inexistência do despacho de recebimento e indiciação, acarretou, certamente, a invalidação do processo administrativo por vício de cerceamento do contraditório e da ampla defesa (art. 5º LV, CF) que constitui, como é curial, em nulidade insanável.

FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

No campo específico do direito disciplinar, e em obediência a nossa Carta Política – art. 5º, LV – o Código de Ética e Disciplina, no seu artigo 53, parágrafo 2º, dispõe que “O representado é intimado pela Secretaria do Tribunal para a defesa oral na sessão, com 15 dias de antecedência.”

Como o Recorrente não foi intimado, naturalmente não compareceu ao ato, que mesmo assim foi realizado.


A defesa é uma injunção legal, ou seja, não há como processar e julgar alguém sem que a acusação tenha sido contraditada. Nem mesmo o próprio acusado pode renunciar ao direito de defesa, posto que “é interesse fundamental do Estado que a repressão disciplinar se realize de forma mais legítima e reta possível, a fim de que a sanção dela resultante possa realmente servir como fator condicionante da regularidade do serviço público. ” (José Armando Costa, in Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, Saraiva, 1984, pág. 67).

Sequer cuidaram de, em face de sua ausência, nomear-lhe defensor dativo. No âmbito processual penal e em conseqüência lógica também no processo administrativo, vigora o princípio inscrito no artigo 261, in verbis: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.” E tal providência deveria também Ter sido adotado no âmbito do processo disciplinar em questão, em atenção ao princípio do contraditório, ou seja, o efetivo rebatimento da imputação, passo por passo.

Tem-se, pois, como flagrante a inobservância aos princípios do devido processo legal, com cerceamento do direito de defesa. Conforme semelhanças com os julgados dos nossos tribunais:

“Anula-se o ato administrativo disciplinar praticado sem observância do devido processo legal e com cerceamento do direito de defesa do indiciado. “(TFR-MS 103.437 (5600650)- DF).

TOLHIMENTO AO DIREITO DE RECURSO

Proferida a decisão e lavrado o acórdão, a autoridade processante expediu ofício notificatório para o então Representado. A correspondência, certamente por erro da Secretaria da OAB/SC foi enviado ao antigo endereço, quando nos autos já havia o registro de mudança de endereço, conforme se observa à fls. 23, 23v, 24, 25, 28, 28v, e 31 do Processo de Representação n.º 286/98.

Os tribunais pátrios tem reiteradamente decidido que:

“É nula a citação por edital se o réu tem endereço indicado nos autos e nele não foi procurado” (RT 409/334).

“É nula a citação por edital se o réu, embora viajasse muito, tinha domicílio certo em determinada cidade, onde poderia ser encontrado.” (RT 471/178).

“A A Contreiras de Carvalho, in Processo Administrativo Disciplinar, Ed. Freitas Bastos, 1985, p. 135, ao comentar o instituto da ampla defesa, ainda sob égide da Constituição de 1967, com a Emenda n.º 01, de 1969, asseverou:

“Ao assegurar a todo o acusado o direito de ampla defesa, alude a Carta Magna, como corolário dessa franquia, aos recursos a ela inerentes, o que vale dizer que a simples referência à amplitude da defesa não satisfez ao legislador constituinte e ao da lei estatutária. Recursos inerentes à defesa plena serão, assim, os meios que pode fazer uso o acusado, sem qualquer oposição, por parte da autoridade que o processar. Inerente, como se sabe, é tudo aquilo que “por natureza, está inseparavelmente vinculado a alguma coisa.” – Além de outorgar ao acusado o exercício desse direito, com essa amplitude, portanto sem qualquer restrição ao seu titular, a lei, como a Constituição da República, estende os efeitos de sua sentença aos meios assecuratórios da efetividade de seu exercício. Essa é a razão por que é tão sério o ato de julgar o ser humano, seja quando responde pela prática de uma infração penal, seja quando é acusado de atentado à lei disciplinar “(aut. e obra cit.)

VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE

Do julgamento administrativo foi lavrado o acórdão, cuja ementa diz:

“Não havendo dúvidas sobre a contratação dos serviços, nem sobre os valores efetivamente cobrados, e havendo retenção desses valores, sem a devida prestação de contas, resta caracterizada a infração disciplinar ” (fls. 70 da Representação).

Entretanto, no bojo do relatório, do contrário, o ilustre relator assevera, em síntese, que as tratativas com a empresa representante eram efetuadas com Carlo Giovanni Lapolli, inscrito no Quadro de Advogados da OAB/SC sob n.º 12799, desde 14/07/1998, e que ” a cobrança foi efetivamente realizada por Carlo Giovanni Lapolli” e, que também ficou definitivamente certo que foi este que se locupletou do numerário em questão.

A autoridade processante apesar do seu convencimento de que Carlo Giovanni Lapolli, “agia em nome próprio e apenas fazia uso de uma das salas de seu (do recorrente) escritório” firma a conclusão de que

“se houve apropriação indevida de valores a responsabilidade deve ser imputada ao titular do escritório, que, aliás, sequer demonstrou tenha tomado qualquer medida para preservar o seu nome e do próprio estabelecimento”.

É preciso observar que em se admitindo – apenas para argumentar – a hipótese de que o titular do escritório que tenha que ser responsabilizado, ainda assim, data vênia, a decisão foi dolorosamente injusta e ilegal: 1. O escritório de advocacia tinha como titulares o ora Recorrente Sílvio João Zimmermann e de Vera H.Dalsenter Zimmermann. Enquanto que o ora Recorrente foi severamente penalizado, a outra titular do escritório, foi excluída sumariamente da relação processual; 2. A empresa Representante não outorgou procuração nem ao ora Recorrente e nem à outra titular do Escritório (Dra. Vera H.D.Zimmermann), porquanto a cobrança do numerário em questão foi efetivada sob inteira responsabilidade de Carlo Giovanni Lapolli, tanto que não houve ingresso de nenhuma ação na Justiça.


A propósito, não existe a relação de causalidade com o evento, e a teor do artigo 13 do CP, “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa … ” (grifamos). Não há crime ou ilícito disciplinar se assim não houve conduta. Logo, o ora Recorrente não pode responder criminal, nem disciplinarmente, pela dita apropriação indébita executada por outrem. Sequer teve o mínimo de participação subjetiva para que o evento ilícito ocorresse.

Escreveu, José Armando da Costa, valiosa lição que esclarece com nitidez a questão do motivo que, nos outros discricionários, integra o mérito, verbis: ” vale rememorar que todo o ato punitivo deve descrever, embora sucintamente, o motivo da punição, ficando a legalidade desse ato, mesmo se tratando de atividade discricionária, na dependência da existência real do motivo declinado. Se o motivo, como suporte fático, é inexistente, o ato disciplinar que lhe dá aparência carece de legitimidade. Peca por vício de legalidade ” (obra citada, página 170)

Decidiu o TJ/SP: “Punição sem justificativas é nula, porque deixa de ser ato disciplinar legítimo, para se converter em ato arbitrário ilegítimo.” (Ac.un. 2ª T do TJ/SP – RJTJSP, vol. 6, pág. 51).

INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 37, DA LE N.º 8.906, DE 04 DE JULHO DE 1994.

Ao ora Recorrente foi aplicada “a pena de suspensão pelo prazo de 30 dias, perdurando a suspensão até que satisfação integralmente a dívida, inclusive com correção monetária, nos termos do parágrafo 2º do artigo 37 da citada lei.”

De fato, o referido texto legal, dispõe:

“Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:

I – infrações definidas nos incisos XVII a XXV do artigo 34;

……

Parágrafo 2º Nas hipóteses dos incisos XXI e XXV do artigo 34, a suspensão perdura até que satisfaça integralmente a dívida …”

Como se vê claramente o prazo de 30 dias de suspensão é meramente figurativo, um pretexto enganoso, para dar falsa aparência de legalidade. Interpretando literalmente o texto do referido julgado, teremos a suspensão da atividade advocatícia do Recorrente por tempo indefinido.

A prorrogação indefinida do prazo da suspensão da atividade profissional do Recorrente, a advocacia, consagrada em toda a plenitude pela Carta Magna, que não é certamente, uma expressão abstrata, mas um composto real de interesses e direitos amparada contra o arbítrio, desapareceram de todo.

A ilegalidade de tão grosseiro e monstruoso constrangimento é manifesta, irrecusável, visto que não ocorreu processo judicial regular, nem, por último, o delito imputado é verdadeiro. Estando flagrante a violação textual da Carta magna, mormente no que concerne ao artigo 5º, XXXV; LIII, LIV; e, LV.

A pena de pagar a dívida está sendo cominada, sem forma nem figura de processo e por autoridade administrativa (portanto, incompetente). Com ausência total de averiguação de culpa, como se esta (e não a inocência) devesse presumir-se. Por outro lado, aboliu-se toda e qualquer defesa do Advogado acusado, contrariando-se assim a lei e a tradição jurídica do Brasil e do mundo civilizado.

A exigência do estranho texto de lei, inflige ao Recorrente, por um período indefinido, privação do seu sagrado direito ao trabalho, prejudicando-o no seu patrimônio, na sua carreira, na sua moral, na sua sobrevivência. Esta sendo tolhido do seu sagrado direito ao trabalho, sem processo judicial, sem juiz.

No Brasil consagrou-se a doutrina da precedência da lei soberana à lei subalterna, uma vez averiguada pelo juiz a divergência entre as duas: ” Inter discordantia concilia praeponitur sententia ejus quod est majoris autoritatis.” Aos tribunais e aos juizes não cabem a cassação do texto da lei pela sua inconstitucionalidade, mas , verificada esta, é dever manter aos jurisdicionados os direitos que ela os tira. A lei que fere texto constitucional expresso é, desde o início nula, qual se nunca existira, como se não tivesse jamais tido a mínima força legal.

Deparando um ato incurso nesse vício radical, não há alternativa para a justiça. Em presença de uma lei inconstitucional se impõe a declaração de nulidade. Os juizes quando chamados a sentenciar entre a constituição e uma lei que se lhe contrapõe, executam a constituição como suprema, declarando irrita a lei.

ISTO POSTO, espera e requer seja dado provimento ao presente Recurso, declarando a nulidade do processo administrativo, a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 37 da Lei n.º 8.906/94, reformando a r. sentença, concedendo o mandado de segurança para anular ou declarar nulo ou ineficaz o ato administrativo referido, restabelecendo o direito do Recorrente ao exercício pleno da advocacia, condenando a autoridade coatora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

PD

De Blumenau, setembro de 2001,

p.p. Engelberto Naatz, Advogado

OABSC 2266

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!