'Exportar ou morrer'

'Exportação: a situação pede uma política industrial coerente'

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23 de outubro de 2001, 18h36

Apesar do crescimento constante das exportações brasileiras, a balança comercial brasileira tem mostrado nos últimos anos um peso excessivo das importações, ou seja, um déficit. De fato, a razão maior desse problema é o mix dos produtos exportados, onde tem pouca expressão bens manufaturados com valor agregado muito mais significante do que os produtos primários, notadamente os agrícolas. A reversão dessa situação demanda uma política industrial coerente e continuada, aliada à educação da população e incentivos à exportação.

O Presidente da República tem alardeado o lema “exportar ou morrer”, suavizado para “exportar para sobreviver”. Muito bom, porém é preciso, imprescindível, que os órgãos técnicos sujeitos ao cargo eminentemente político que é a Presidência estejam em sintonia com esse discurso.

Fato curioso e grave está ocorrendo nesse exato momento, que subverte o discurso do Sr. Presidente da República e merece a nossa atenção. Num momento em que o Presidente vai à mídia reforçar o que todos sabem, ou seja, que o Brasil precisa exportar, necessita de saldo positivo na balança comercial, a defesa judicial da União Federal, sujeita ao Governo Federal e, portanto, ao Presidente, vem combatendo, em todas as instâncias, um incentivo criado justamente para estimular a exportação.

Parece incrível, contraditório, mas é isso mesmo; nos idos de 1969 criou-se por norma equiparada a lei um incentivo à exportação, o chamado “crédito-prêmio de IPI”, consistente no seguinte: as empresas ou tradings que exportassem, atendendo ao clamor governamental para melhorar o saldo comercial da balança, teriam direito a um crédito de IPI, que poderia ter os seguintes “usos”: compensação com eventual IPI a pagar em outras operações, reembolso em espécie e compensação com outros tributos federais.

Sucede que, logo após instituído o incentivo à exportação por lei, o Governo passou a tentar, por diversas formas, delegar poderes ao Ministro da Fazenda para restringir e diminuir o incentivo. Realmente, há algo muito pouco coerente nessa postura. Se o Governo advoga uma política exportadora, com incentivos que, se foram criados por lei, não poderiam ser criados de outra forma, não poderia passar a anular a sua própria política, permitindo que o Ministro restringisse ou anulasse o incentivo legal.

Reprisando em linhas gerais, criado o incentivo à exportação, o Governo passou a tentar anulá-lo, chegando o debate às Cortes, sendo as decisões majoritárias a favor do incentivo, em virtude do princípio da legalidade e da impossibilidade de delegação a Ministro de Estado dê poderes para restringir e revogar o que somente por lei poderia ser restringido e revogado.

Neste momento o debate judicial se encontra na mais alta instância do país, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 186.359/RS), estando a votação em 5 X 4 a favor dos contribuintes, tendo pedido vista o Exmo. Sr. Min. Moreira Alves, sendo que, após, proferirá voto o Exmo. Min. Celso de Mello. O julgamento está em aberto, podendo ocorrer até mudança de votos.

Além disso, é preciso notar que é imprescindível ao regime democrático a observância das decisões judiciais, pouco importando a sua conclusão; só leva ao caos a postura de crítica agressiva às conclusões das decisões judiciais. Em linguagem popular, decisão judicial não se critica, se recorre, segundo a lei processual. Porém, o julgamento do crédito-prêmio de IPI não findou e o debate está em curso.

Ocorre que, independentemente da decisão que venha a adotar o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, o que deve pensar o contribuinte, o cidadão é como podem os órgãos que estão sob a batuta do Presidente, que diz na mídia que é preciso “exportar para sobreviver”, advogarem perante as Cortes e diante da mais alta delas que o incentivo à exportação criado por lei está extinto, restringido ou derrogado, quando precisamos exportar.

Antes de nos tornarmos um país realmente exportador, com uma carteira de exportações que nos proteja de uma eventual fuga de ativos ou algo parecido, é preciso coerência. Ora, embora aparentemente o incentivo à exportação de crédito-prêmio de IPI mais esteja parecendo uma armadilha ao empresariado exportador, é, antes, uma arapuca mais severa contra a credibilidade do governo e do fisco.

Se existe uma forma de incentivar as exportações sem que ocorra qualquer renúncia fiscal, seria interessante que o governo logo fizesse uso dessa medida. Todavia, se o incentivo foi criado por lei, somente por lei pode ser revogado e, mais do que isso, ainda que houvesse um eventual problema de ordem técnica na norma, o governo deveria ou saná-lo ou sopesá-lo, uma vez que o fim desse instrumento é melhorar o saldo da balança comercial brasileira, ainda que implique em renúncia fiscal.

Finalizando, no JB do dia 19/10/01 o jornalista Boechat publicou em sua coluna notícia no sentido de que o maior fabricante brasileiro de concentrados de refrigerante teria levado um baque ao perder um negócio milionário de exportações para a Austrália, que foi pego pela Irlanda.

A notícia está correta, só que quem levou a pancada foi o Brasil, fomos todos nós, pois devido à resistência do Fisco em ter uma renúncia fiscal de cerca de 15 % de imposto de renda, perdeu a entrada de divisas milionárias e um aumento de arrecadação de contribuições sociais superior à renúncia. “Exportar para sobreviver”?

Será que esse discurso não é para ser levado a sério ou o Brasil preza (em detrimento da nacional) a balança comercial irlandesa que pegou o negócio? Por que o Sr. Presidente não determina aos órgãos que controla que concordem com o crédito-prêmio de IPI, que é um incentivo à exportação, que segundo ele, é uma prioridade para o país, ao invés de contestá-lo nas Cortes?

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