Lei do Refis

Curso com Luiz Flávio Gomes aborda Refis e suas implicações penais

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15 de outubro de 2001, 10h29

A IOB, em parceria com nosso Centro de Estudos Criminais, programou um curso de oito horas que será realizado em São Paulo (17/10), Fortaleza (24/10), Brasília-DF (21/11) e Rio de Janeiro (22/11), com a pretensão de aprimorar a atuação dos profissionais da área jurídica sobre os temas mais controvertidos relacionados com os crimes da Lei de Responsabilidade Fiscal, crimes previdenciários e crimes tributários.

Estarão em pauta, obviamente, dentre tantos outros, a independência das instâncias administrativa e penal, a proibição constitucional por dívida, o estelionato previdenciário, responsabilidade penal objetiva e denúncias genéricas, Medida Provisória 1.571, abolitio criminais da apropriação previdenciária, quebra do sigilo bancário nos crimes tributários, etc…

De todos os assuntos que pretendemos enfocar no referido curso, merece destaque a Lei do Refis em razão de suas incontáveis implicações penais e processuais penais.

Texto legal

A Lei do Refis (Lei 9.964, de 10.04.00, publicada em 11.04.00), que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, destinou-se a promover a regularização dos créditos da União, decorrentes de tributos e contribuições com vencimento até 29.02.00.

Possibilitou, em outras palavras, o pagamento de tais débitos de forma parcelada, por duas vias: (a) Refis (arts. 2º e ss.) e (b) parcelamento alternativo ao Refis, em até sessenta meses (arts. 12 e 13).

No que concerne aos débitos coligados à prática de ilícitos penais (crimes tributários ou previdenciários) a lei diz o seguinte:

“Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Parágrafo 1º. A prescrição criminal não ocorre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

Parágrafo 2º. O disposto neste artigo aplica-se também:

I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei;

II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.

Parágrafo 3º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal”.

3. Suspensão da pretensão punitiva

Para alcançar êxito em sua política arrecadatória o Poder Político, para além de facilitar o pagamento parcelado dos débitos e impor algumas condições, previu na Lei 9.964/00 a suspensão da pretensão punitiva, isto é, a suspensão da punibilidade da conduta.

Suspensão da pretensão punitiva significa, em poucas palavras, suspensão do ius puniendi (que, consoante clássica doutrina penal, triparte-se em: direito de ameaçar com pena, direito de punir uma concreta violação da norma penal e direito de executar a pena fixada na sentença). Embora tenha a lei feito referência a uma locução eminentemente processual (“pretensão punitiva”), o que fica suspenso é, na verdade, o ius puniendi (o direito de punir concretamente o ilícito já praticado).

O art. 15 retromencionado, em síntese, diretamente, nada tem a ver com o processo penal. É uma norma penal, que versa sobre o ius puniendi estatal. Só reflexamente afeta o processo penal, pois sem fato punível não pode acontecer o exercício da persecutio criminis. Mas de qualquer maneira não é uma hipótese de descriminalização, como reconheceu equivocadamente (s.m.j.) o TRF 3ª Região (DJU de 10.10.00).

Conseqüências processuais da suspensão da punibilidade

Uma vez suspensa a pretensão punitiva (ius puniendi), por força da opção ao refis (1) ou do parcelamento dos arts. 12 e 13, torna-se impossível instaurar a ação penal. O Juiz nem sequer pode receber eventual denúncia oferecida (TRF 4ª Região, AC 2000.71.00.022216-5, Tânia T.C. Escobar, DJU de 25.04.01, p. 661). Aliás, em princípio, nem sequer atos investigativos ou instrutórios podem ser praticados. Indiciamento é impensável. Eventual prova urgente (CPP, art. 225) poderia ser produzida ad cautelam. A decretação da prisão preventiva perde completamente o sentido: TRF 4ª Região, HC 1999.04.01.013423-9, Tânia T. C. Escobar, DJU de 17.01.01, p. 222.

A ação penal não se instaura, de qualquer modo, porque a punibilidade está, temporariamente, inviabilizada. Indiretamente isso significa a impossibilidade jurídica do pedido, leia-se, eventual denúncia não pode ser recebida por falta de condição da ação.

Benefício em favor das pessoas jurídicas

A Lei do Refis só prevê a possibilidade de parcelamento dos débitos em favor das pessoas jurídicas. Logo, quanto às pessoas físicas continua vigente o Direito penal anterior (o parcelamento extingue a punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei 9.249/94).

Duração da suspensão da punibilidade

A suspensão da punibilidade dura “o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no REFIS”. E no caso do parcelamento dos arts. 12 e 13? Dura enquanto a pessoa jurídica está cumprindo o parcelamento.

Requisito típico temporal

Pelo texto da lei suspende-se a punibilidade “desde que a inclusão no referido programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal”. Por extensão: desde que (também) o parcelamento dos arts. 12 e 13 tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Norma literal: somente se beneficia do art. 15 (suspensão da punibilidade) quem, depois da Lei 9.964/00, ingressou no refis ou fez o parcelamento dos arts. 12 e 13 e, mesmo assim, “antes do recebimento da denúncia”: TRF, Amir Sarti, DJU de 22.11.00, p. 178.

Como fica o ingresso no refis ou parcelamento após a Lei 9.964/00 e depois do recebimento da denúncia? De acordo com a letra fria da lei é impossível a aplicação do art. 15.

Na nossa opinião, entretanto, isso pode causar violação ao princípio da igualdade.

Conseqüência penal da suspensão da punibilidade

Por força do parágrafo 1º do art. 15, a conseqüência penal que decorre da suspensão da punibilidade é a suspensão do prazo prescricional. Suspensão automática, ex vi legis. O Estado, uma vez suspensa a pretensão punitiva, não pode agir, não pode atuar, nem sequer investigativamente (fase de inquérito) ou instrutoriamente, salvo caso de prova urgente. Mas também não corre prescrição. Nada mais justo e proporcional. Regra correta e constitucionalmente incontestável (cf. em sentido contrário Fábio Delmanto, cit.).

Se a prescrição tem como fundamento a inércia do Estado, quando ele não pode agir não há que se falar em prescrição.

Extinção da punibilidade

A punibilidade fica suspensa enquanto a empresa cumpre suas obrigações fiscais (enquanto está pagando as parcelas pactadas). O pagamento integral dos débitos implica na extinção da punibilidade: TRF 3ª Região, HC 2000.03.00.049382-8, Manoel Álvares, DJU de 20.06.01, p. 476, j. 03.04.01. O que estava suspenso extingue-se.

Em caso de rompimento do acordo (do refis ou do parcelamento dos arts. 12 e 13) retoma-se a persecutio criminis, sendo possível o início da ação penal: TRF 4ª Região, ED 2000.71.00.006415-8, Vilson Darós, DJU de 20.06.01, p. 601, j. 31.05.01.

Aplicação retroativa do art. 15

É indiscutível a aplicação retroativa do art. 15 para fatos ocorridos antes da Lei 9.964/00, desde que o refis ou o parcelamento dos arts. 12 e 13 tenha sido feito “antes do recebimento da denúncia”.

A mesma conclusão se extrai em relação ao ingresso no refis por força da Lei 10.002/00 ou ainda Lei 10.189/01.

Aplicação retroativa do art. 15 para casos com denúncia recebida antes da Lei 9.964/00

Pela literalidade do art. 15 seria impossível sua aplicação no caso de refis ou parcelamento dos arts. 12 e 13 feito após denúncia já recebida (porém, antes da lei nova).

Considere-se, todavia, que mesmo com denúncia já recebida pode a pessoa jurídica fazer o refis ou o parcelamento. Não há proibição na Lei 9.964/00. Pergunta-se: como fica a situação desse denunciado (desse processado penalmente) que, mesmo assim, fez o refis ou o citado parcelamento? Para ele aplica-se ou não o art. 15? No tempo da denúncia, ademais, ele não tinha nenhuma possibilidade de parcelar seus débitos.

A jurisprudência majoritária, por ora, inclina-se no sentido negativo (não se aplica o art. 15): TRF 4ª Região, HC 2001.04.01.008019-7, Vilson Darós, DJU de 06.06.01, p. 1259, j. 08.03.01.

Há, entretanto, decisão em sentido contrário, admitindo a aplicação do art. 15: cf. sentença do juízo da 1ª Vara Federal de Bauru no site www.ibccrim.com.br. No mesmo sentido positivo: TRF 1ª Região, HC 2000.01.00.103415-7-MG, Hilton Queiroz, DJU de 09.03.01, p. 451; Renato José Pereira Oliveira, site Universo Jurídico (05.09.01); Luiz Henrique P. Bittencourt, Boletim IBCCRIM n. 101, abril/01, p. 8; Fábio Machado A. Delmanto, Boletim IBCCRIM n. 91, junho/00, p. 8; Leonardo Coelho do Amaral e Giovanni Frederico Altimiras, site www.ibccrim.com.br (19.05.01); Rolf Koener Junior, site www.ibccrim.com.br (05.08.01).

Nossa posição: a norma (de sanção) contida no art. 15 da Lei 9.964/00 deve ser aplicada retroativamente em relação àqueles que ingressaram no refis ou fizeram o parcelamento dos arts. 12 e 13, ainda que já denunciados (processados) criminalmente antes da citada lei. São incontáveis os argumentos que permitem essa conclusão.

Sobretudo o seguinte: duas pessoas cometeram autonomamente ou em co-autoria o mesmo crime (tributário ou previdenciário); quanto à que colaborou com a Justiça houve denúncia rápida e o processo já está em andamento; quanto ao outro que desaparecera e dificultara a investigação, nem sequer ainda há denúncia.

Os dois, depois da Lei 9.964/00, ingressaram no refis e estão cumprindo suas obrigações. Apesar de ostentarem situações rigorosamente idênticas, se atendida a literalidade do art. 15, terão tratamento jurídico completamente distinto: para o que não tinha denúncia, aplica-se o art. 15; para o denunciado, não se aplica o art. 15. Situações idênticas com tratamento totalmente díspar, não isonômico. Nisso há patente violação ao princípio constitucional da igualdade (CF, art. 5º) bem como da aplicação retroativa da lei penal mais favorável (CF, art. 5º, XL).

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