Consumidores sem Voz

Telefônica Celular não se interessa em proteger consumidor

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30 de novembro de 2001, 14h36

Em Tempos Modernos (Modern Times, 1936), Carlitos vive oprimido em um mundo onde os sons e as vozes são monopólio das máquinas e os humanos são reduzidos a autômatos mudos, meras peças e números de uma sociedade impessoal. Infelizmente, esta mesma sensação nos invade, cada vez mais rotineiramente, sempre que surge a necessidade de lidarmos com prestadores de serviços públicos, especialmente quando são corporações privadas.

Não se leia aí uma crítica de tolo saudosismo, até porque nunca houve muita qualidade de atendimento da qual possamos sentir saudade. Mas nos identificamos com as delicadas metáforas de Chaplin em toda situação em que o humano é substituído pelo burocrático e o direito pelo descaso.

Passo aqui a um relato pessoal – não pelo caráter anedótico, querendo exagerar o que ele tenha de genérico – mas porque estes vislumbres particulares são o que restam ao cidadão/consumidor no difícil diálogo com os responsáveis pelos serviços públicos.

Compareci a uma loja da Telefônica Celular (uma das operadoras de telefonia celular no Estado do Rio de Janeiro) para mudança no plano mensal de cobranças, escolhendo um com tarifas mais adequadas aos meus hábitos. Para minha surpresa, fui informado da impossibilidade de realização da troca por estar o meu aparelho constando de uma Lista Negra de aparelhos roubados, furtados ou perdidos. Mais do que o desconforto com o evidente erro, vivenciei o total desrespeito da empresa pelo consumidor do qual destaco dois aspectos principais.

Listas Negras

As listas negras de aparelhos de telefonia celular foram instituídas no interesse da empresas e dos consumidores para impedir o uso por terceiros de equipamentos extraviados. Tal precaução, se corretamente concretizada, trará aos usuários menor risco de roubo, furto ou não devolução de seus aparelhos telefônicos ao torná-los imprestáveis para quem tiver sua posse ilícita. São, portanto, um cadastro indispensável, uma medida que merece todos os aplausos. Eventuais inclusões errôneas (como parece ser o caso da listagem do meu aparelho) são insuficientes para negar-lhes o mérito e a utilidade.

Porém, é a inércia da Telefônica Celular que lhes retira a eficácia. No meu caso, o aparelho atual foi adquirido em 20.03.2000 e habilitado na mesma data – em substituição ao aparelho anterior que havia sido roubado, o que detalho para agradar os que percebem as ironias e absurdos. Foi-me informado que a inclusão na lista negra realizou-se em 11.04.2000 a pedido da TELESP. Apenas em 29.11.2001, contado mais de ano e meio da inclusão, dirigi-me a estabelecimentos da Telefônica Celular para a mencionada mudança de plano.

Mesmo desconhecendo os procedimentos internos da empresa, seu descaso me é evidente. Ao ser feita a inclusão do número de série do aparelho na lista negra não houve qualquer interesse da companhia em confrontá-los com o cadastro que a mesma mantém, da qual constam os números de série de todos os aparelhos habilitados pela empresa. Tarefa esta totalmente banal para um cadastro informatizado – e, repito, não traço aqui críticas às inovações tecnológicas mas aos maus usos (ou falta de uso) que delas façam. Houvesse o confronto e descobririam em meu poder o aparelho sobre o qual recai suspeitas, podendo a Telefônica Celular entrar em contato comigo das mais variadas formas (inclusive tendo meu endereço para envio mensal das faturas).

Poderiam até tomar a drástica medida de interrupção do serviço telefônico para o aparelho marcado, o que me forçaria ao comparecimento para esclarecimento da situação ou, no mínimo, impossibilitaria o uso do mesmo após listagem como é o objetivo das Listas Negras. Indubitavelmente fariam o corte da linha em havendo atraso nos pagamentos, mas não o fizeram para dar utilidade a Lista.

Não pára aí, entretanto, a falta de ação da prestadora. Mesmo tendo sido levado pelo acaso – pois, se não desejasse a mudança de plano, extinguiria a vida útil do equipamento sem tomar ciência de qualquer problema – a comparecer perante a Telefônica Celular, descobrindo a situação suspeita do equipamento, mais uma vez nenhuma medida foi tomada. Não se cogitou de cancelamento da habilitação, comunicação aos órgãos policiais (afinal, para a inclusão em lista negra por requisição de operadora de outra localidade é forçoso existir um prévio Boletim de Ocorrência), retenção do aparelho… Nada. Mesmo tendo expressado repetidas vezes meu espanto com a indiferença frente à listagem, mantenho em meu poder o telefone suspeito, funcionando tanto quanto antes, tendo sido negada apenas a mudança tarifária.

Sendo do meu interesse clarificar esta situação, cabe que eu descubra os motivos da inclusão incorreta em Lista Negra, da qual muito tardiamente e por acaso tomei ciência. Resta-me a via judicial, imprestáveis e nebulosos que são os procedimentos internos da Telefônica Celular, que não demonstra qualquer interesse em dar eficácia a medida que protegeria os consumidores e a própria companhia inerte.

Sonegação de Informações

Claro que tomado de surpresa pelas informações que me foram dadas, não possuía no momento a documentação necessária para tentar comprovar tratar-se de erro – temi mesmo mais não possuir tais documentos, dado o largo lapso temporal. Configurando-se necessário o meu retorno, requisitei um formulário, recibo ou anotação que fosse, na qual se detalhasse o andamento do problema. Pois, se afirmavam haver um problema suficiente para não realização do pedido de mudança tarifária (e mesmo que seja por razões equívocas, no momento há o problema), necessitava eu de um comprovante do mesmo. Mais este pedido simples – e juridicamente razoável – foi suficiente para derramar um absurdo kafkaniano sobre a já melancólica situação.

Embora repetissem verbalmente as parcas informações que neste texto compartilho, nem o funcionário de atendimento nem o subgerente da “Loja Própria de Atendimento da Telefônica Celular” acordaram em fornecer por escrito qualquer conteúdo. Educados e pacientes, repetiam roboticamente tratar-se de orientação da empresa e não atenderam ao pedido nem após contatos com superiores, nem ante meu protesto (ou pudor advocatício) insistindo em permanecer no recinto enquanto não fosse solucionada a requisição.

A recusa parecerá estranha para qualquer pessoa de inteligência média. A pessoa leiga não verá razão para que não se documentem as informações que verbalmente me forneciam. Os conhecedores do Direito saberão que é um direito do consumidor (arts. 6º e 43 do Código do Consumidor) e que não é lícito a uma concessionária, pessoa jurídica privada prestadora de serviço público essencial (art. 10, VII da Lei nº 7.783/89) adotar política interna que contrarie tal direito, orientando tão mal seus empregados.

Com tristeza, pode-se afirmar que esta sonegação de informações e documentos é cada vez mais ordinária em todos os contatos do consumidor com prestadores de serviço. São sistemas automatizados, distantes e inflexíveis. E, quando há o raro contato com funcionários, são eles desqualificados ou desprovidos de qualquer poder e liberdade para usar a própria inteligência na busca de soluções. Agem como autômatos, mecanicamente retransmitindo ao usuário o desrespeito que as prestadoras têm pelo consumidor. Lembra-se aí o confronto do homem com a máquina, e o desespero do humano por não se poder fazer entender pelo mecanismo.

Não é à toa que neste teatro do absurdo a sabedoria popular tenha descoberto o adequado apelido para esta Companhia: Teleafônica. Ela não é solitária em seus desmandos, infelizmente.

Não é admissível que os cidadãos sejam submetidos a estas provações, burocracias e desconhecidos – arbitrários – “procedimentos” toda vez que precise valer seus direitos e solucionar os problemas surgidos na fruição dos serviços públicos. São direitos de sede constitucional e precisam ser respeitados.

Humanos

Tendo compartilhado uma experiência pessoal, à moda dos que desesperadamente escrevem aos jornais, publico aqui o número da reclamação protocolada junto a ANATEL: 400 153.2001, se a alguém interessar os detalhes. Felizmente, tenho os meios e um modesto conhecimento que me permitem recolher as informações necessárias para tentar fazer valer meus direitos por via judicial – e a idiossincrasia jurídica, de guardar documentos e anotar detalhes, a muito custo e com grande desperdício de tempo – e sair desta incômoda posição de receptador mal acusado.

Mas e aqueles outros humilhados, maltratados como eu no atendimento desumanizado, quem lhes dará ouvido? Como lhes dar uma voz e dar o diálogo que consistirá em respostas com sentido e não a cansativa e inflexível repetição dos jargões corporativos. Repito, temos os direitos constitucionais ao bom atendimento pelos prestadores de serviços, especialmente quando são serviços públicos. Que os órgãos adequados, toda a sociedade se mova para que estes direitos não sejam feridos e que a situação atual de descaso seja modificada. Ela não é mais suportável.

É a inteligência que nos faz humanos. É a comunicação que permite a sociedade. Não está existindo o diálogo, nossa condição humana sendo reduzida, progressivamente nos sendo roubada. Não teremos voz como sociedade, como humildes indivíduos? Seremos massacrados pela máquina, como o exausto Carlitos? Se não nos devolverão nossa voz, nossa humanidade, temos de resgatá-la com luta. Ou viveremos afônicos.

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