Depósito para interpor recurso administrativo é inconstitucional
28 de novembro de 2001, 12h04
O contribuinte que optar pela interposição de recurso na esfera administrativa, não está obrigado ao pagamento do depósito dos 30% exigidos na lei. A exigência demonstra-se, nitidamente, inconstitucional.
Estabelece o art. 32 da MP nº 1.621-31/97, que introduziu o parágrafo 2º ao art. 33 do Decreto nº 70.235/72, que tem força de lei delegada, através do Decreto Lei nº 822/69, art. 2º:
Art.2º. Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o recorrente o instruir com prova do depósito do valor correspondente a, no mínimo, 30% do valor da exigência fiscal definida na decisão.
A finalidade do dispositivo acima foi a de afastar “manobras protelatórias” em favor de ingresso de recursos nos cofres públicos para tentativa de desafogamento do sistema.
A razão do equívoco – Inconstitucionalidades
Em primeiro lugar, vale ressaltar que existem outros meios e modos, muito mais racionais e eficazes do que o proposto, para agilizar a cobrança de créditos fiscais em litígio na via administrativa. Como exemplo, podemos citar solução dada pelo saudoso presidente Ernesto Geisel, em 1974, que com espírito lúcido e justiceiro, deu solução diversa para idêntico problema.
Só que ao invés de bloquear o direito de defesa do administrado, simplesmente aumentou o número de Câmaras Julgadoras do Conselho de Contribuinte. Com isso terminou com o acúmulo de processos administrativos fiscais em andamento, sem nenhum prejuízo para os contribuintes.
Sem dúvida, esse seria um ótimo caminho a ser adotado. Porém, foi desprezado. Talvez porque seria mais uma forma de arrecadação tributária, o que com certeza é mais vantajoso ao sistema de arrecadação.
Fica claro que tal MP prejudica, se não aniquila, direitos constitucionais garantidos. Nesta situação se enquadram casos em que as somas exigidas (30%), são tão elevadas que implicam obrigar o contribuinte a ter sempre no caixa, à disposição do Fisco, grandes quantias para fins de depósitos. A impossibilidade fática de dar cumprimento à exigência no caso concreto implica, necessariamente, a sua inconstitucionalidade.
Tal medida agride inúmeros princípios constitucionais, entre eles podemos citar, o do duplo grau de jurisdição, que é um princípio constitucional de longa tradição, que garante aos litigantes em geral o direito de revisão das decisões julgadas em primeira instância, por via de recurso.
Na esfera administrativa reside no art. 5º, inc. LV, ao aludir a “recursos” inerentes a ampla defesa, assim: aos litigantes, em processo judicial e administrativo e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. É uma garantia constitucional autônoma.
A garantia do duplo grau de jurisdição consiste no princípio segundo o qual os litígios que decorreram perante órgão de julgamento administrativo, notadamente em matéria tributária, devem ser objeto de uma dupla apreciação, de tal modo que da decisão que tenha julgado a impugnação cabe obrigatoriamente recurso.
Portanto, opor obstáculos ao seguimento do recurso voluntário, mediante depósito compulsório, como pressuposto da sua admissibilidade, é por conseguinte, restringir a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal, desrespeitar, o princípio da moralidade dos atos da administração pública (art. 37 CF), bem como, prestigiar atos contrários a lei e a ordem tributária.
Outro importante óbice para aplicabilidade da tal norma, é que a mesma é de reserva absoluta de lei complementar, refugiando, assim, ao âmbito de medida provisória. Conforme dispõe o art. 146 da CF/88. Normas gerais que versem sobre crédito tributário, só podem ser instituídas e regradas por lei complementar.
É, portanto, formalmente inconstitucional o art. 32 1.621-31/97, que introduziu o parágrafo 2º ao art. 33 do Decreto nº 70.235/72, com o objetivo de temperar norma de natureza complementar.
Hely Lopes Meirelles lembra que a defesa é garantia constitucional de todo acusado em processo judicial ou administrativo e compreende a ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunhas e a observância do devido processo legal (“due process of law”). É um princípio universal dos Estados de Direito, que não admite postergação, nem restrições, na sua aplicação.
Portanto, conclui-se que o recurso é um procedimento que faz parte integrante e indispensável do processo administrativo fiscal, independente, da garantia de instância, posto isto, o direito do contribuinte ao contraditório e a ampla defesa, conseqüentemente sem a obrigatoriedade do depósito recursal imposto.
Da Jurisprudência
– Tribunal Regional Federal da 1a. Região
“1. Após a Constituição de 88, não é mais possível exigir-se o depósito do valor da multa, como condição para se recorrer na esfera administrativa.”
2.Tal exigência choca-se com o princípio do devido processo legal eo da ampla defesa.
– Superior Tribunal de Justiça
” Nosso ordenamento jurídico não admite que se subordine a interposição de recurso administrativo ao pagamento prévio de taxa ou multa.”
– Supremo Tribunal Federal
“Suspensão cautelar da eficácia do art. 93 da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 8.870/94, que estabelece que o recurso contra decisão do INSS que aplicar multa por infração a dispositivo da legislação previdenciária só terá seguimento se o interessado o instituir com a prova do depósito da multa atualizada monetariamente, a partir da data da lavratura.
– Tribunal Federal de Recursos
“Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei 6.830/80.”
Bibliografia:
1. Constituição Federal
2. Revista Dialética – Dr. Aroldo Gomes de Mattos
3. Internet – Jurisprudência STJ e STF
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!